Correio Braziliense, n. 21096, 26/02/2021. Política, p. 2

 

Câmara vota hoje PEC da blindagem

Renato Souza 

Luiz Calcagno 

26/02/2021

 

 

Um impasse entre PT e PSL por modificações no texto impediu que a proposta de emenda à Constituição (PEC) 3/2021, apelidada de PEC da imunidade, avançasse na Câmara. A relatora, Margarete Coelho (PP-PI), chegou a sugerir mudar o final do artigo 53, incluído no texto, mas o líder do PSL, Major Vitor Hugo (PSL-GO), não admitiu. Sem um acordo, o 1º vice-presidente da Casa, Marcelo Ramos (PL-AM), à frente da sessão, encerrou os trabalhos, que já chegavam ao limite do horário regimental, após uma série de obstruções. A intenção era abrir outra em seguida, o que não aconteceu. Isso porque o grupo favorável à matéria não teria os votos necessários sem, ao menos, parte da bancada petista.

Ao longo do dia, os deputados costuraram mudanças e acordos em torno da PEC para buscar a aceitação na Casa. As alterações tornaram o texto mais aceitável para líderes partidários. A desidratação, no entanto, não foi suficiente para afastar as críticas. A principal reclamação é que a matéria não seguiu o rito normal, de passar por uma comissão especial e, depois, pela Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ).

A líder do PSol, Taliria Petroni (RJ), destacou que não há necessidade de pressa para lidar com o tema. "Por parte da bancada do PSol é impossívelAdicionar votar uma alteração na Constituição Federal sem passar pelo rito necessário, ainda mais se tratando de uma matéria que não há pressa", disse. "Temos uma preocupação, em especial, com o artigo 53, que não foi contemplado. Quando ele restringe a responsabilização de um parlamentar ao Conselho de Ética, abre possibilidade para que parlamentares possam ferir as liberdades democráticas. É importante discutir as prerrogativas e abuso do Judiciário, mas sem pressa."

O líder do Cidadania, Alex Manente (SP), também elogiou as mudanças no texto, mas seguiu a mesma linha da colega. "Foi um passo importante, mas continuo com a mesma visão: um tema que poderia ter corrido em um rito normal. Nossa posição é contrária. Nenhuma mudança foi feita em 24 horas na Constituição Federal", admitiu.

Já o líder do Podemos, Igor Timo (MG), defendeu a medida. "As pessoas estão criando interpretações. O que queremos é evitar essa margem para interpretações distintas. Buscamos o alinhamento", sustentou.

Apreensão
No Supremo Tribunal Federal (STF), o texto é visto como uma retaliação à decisão do ministro Alexandre de Moraes, que levou o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) para a cadeia. O parlamentar foi acusado de atentar contra o regime democrático, fazer apologia à ditadura e incitar as Forças Armadas contra o Supremo e seus ministros. Antes de colocar o texto em tramitação, o presidente da Câmara, Arthur Lira, ligou para alguns ministros e informou detalhes da proposta. A informação provocou perplexidade entre os magistrados.

A PEC reduz os poderes da Corte para punir, investigar e corrigir parlamentares acusados de crime; e amplia a imunidade parlamentar, prevendo exclusivamente punições ético-administrativas para declarações consideradas criminosas, mesmo que contenham, por exemplo, racismo, homofobia, xenofobia, incite a violência, derrubada da democracia etc. O Correio apurou que o presidente do STF, ministro Luiz Fux, não foi informado com antecedência, e foi avisado da medida por interlocutores. Nos bastidores, ele e outros colegas comentam que as alterações legais garantem impunidade e criam escudos para ocultar atos de corrupção e inibir o trabalho das autoridades.

As medidas

» Prisão/crime

Como é: parlamentares somente podem ser presos em flagrante e por crime inafiançável.

Como ficaria: rol de crimes pelos quais congressistas podem ser presos em flagrante seria restringido — nova redação, no entanto, ainda levanta dúvidas.

» Local da prisão

Como é: parlamentar detido fica na sede da Polícia Federal ou em presídio.

Como ficaria: congressista ficaria sob custódia do Legislativo até decisão do plenário — texto não deixa claro onde seria o local.

» Comunicação da Casa/audiência de      custódia

Como é: em 24 horas, Casa é avisada da prisão pelo STF, e preso passa por audiência de custódia.

Como ficaria: a prisão continuaria a ser comunicada em 24 horas para a Casa, mas somente depois da decisão do plenário haveria ou não audiência de custódia.

» Afastamento do mandato

Como é: Justiça pode determinar o afastamento de congressistas do mandato. Como ficaria: ficaria proibido o afastamento judicial cautelar de qualquer integrante do Congresso

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Lira nega salvo-conduto 

Israel Medeiros 

26/02/2021

 

 

Deputados que afrontam a democracia não devem ter imunidade parlamentar garantida pela Proposta de Emenda à Constituição nº 3 de 2021, conhecida como PEC da imunidade. Foi o que afirmou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ontem, em pronunciamento à imprensa. Em tom áspero, ele respondeu a críticas sobre o projeto e assegurou que "a inviolabilidade com relação à imunidade parlamentar não será plena quando for contra a democracia".

A pressa para tratar do assunto ocorreu na esteira da prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após o parlamentar publicar um vídeo com ataques à Corte e à democracia. Na sexta-feira da semana passada, a Câmara votou por manter a detenção dele.

"A Câmara dos Deputados se posicionou, na semana passada, deixando claro que a inviolabilidade da fala do deputado não é plena, não é total, principalmente com relação aos princípios democráticos", disse Lira. Alguns deputados, no entanto, criticam a rapidez com que o assunto tem sido tratado. O presidente da Casa, no entanto, argumentou que as discussões sobre a PEC deveriam se ater à sua constitucionalidade.

"Nós não temos comissões funcionando. E, quando não temos, todas as PECs que foram votadas no plenário foram admitidas no plenário. Quando não em consenso, com discussão respeitosa e fiel ao texto da lei", frisou. Ele declarou, também, que para resolver as discussões levantadas após a prisão de Daniel Silveira o Legislativo precisa regulamentar o tema. "Lógico que isso precisa, por falha do Legislativo, ser remediado. E qual é o remédio para esclarecer o assunto que deixou o Supremo sem alternativa de posicionamento? Regulamentar o artigo que fala de imunidade parlamentar quanto à sua voz e o seu voto. O assunto em pauta era o artigo 53 da Constituição. Imunidade parlamentar quanto a voz e voto. Essa inviolabilidade tem de ser mantida", ressaltou.

O artigo a que Lira se refere diz que "os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". O presidente da Câmara justificou que o Congresso vota matérias contra organizações criminosas e grupos com fortes interesses econômicos. Isso, segundo ele, torna necessária a imunidade parlamentar.

Lira acrescentou que a presidência da Casa não é dona da pauta e não tem compromisso com o resultado. Ele aproveitou para alfinetar o antecessor, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao dizer que "a Câmara tem um presidente que vai trazer, diferente de outra gestão, todos os temas para a discussão".
O parlamentar criticou aqueles que, segundo ele, têm participado das discussões sobre a PEC nos bastidores e, publicamente, reprovam os ritos de apreciação. "É muito fácil fazer o discurso do paladino da moralidade, no bastidor participar da confecção, da reunião, da discussão e chegar ao plenário com outra versão. Então, a mim cabe dizer que muitas coisas que acontecem ou aconteceram são culpa do Congresso Nacional quando se nega a debater e a se posicionar claramente sobre fatos e não sobre versões", disparou.