Valor econômico, v. 21, n. 5196, 26/02/2021. Brasil, p. A6

 

Contrapartida em PEC é essencial, diz Tesouro

Mariana Ribeiro

Edna Simão

26/02/2021

 

 

Para secretário, aprovar auxílio sem outras medidas ameaça juros, emprego e risco-país

Enquanto o Congresso considera nova desidratação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, o secretário do Tesouro, Bruno Funchal, defendeu que a concessão do auxílio emergencial sem as devidas contrapartidas levaria a uma piora na percepção de risco-país, aumento de juros e desemprego. Ele disse, no entanto, acreditar que os parlamentares serão “responsáveis” e manterão as medidas de ajuste nas contas presentes no texto.

“A pessoa que vai ser beneficiada com o auxílio emergencial é a mesma que vai ficar desempregada por algum período depois se não tiver contrapartidas que tragam a possibilidade de recuperação da economia”, afirmou Funchal. De acordo com ele, o grande objetivo das medidas de ajuste é mostrar que o país estará com a área fiscal organizada no futuro, o que tem impacto sobre as expectativas. “Sei que o Congresso vai fazer a coisa certa.”

As declarações foram feitas ontem durante a divulgação do resultado primário do governo central de janeiro, quando as contas ficaram positivas em R$ 43,2 bilhões. No período, a receita líquida teve queda real de 2,1%. Já as despesas caíram 0,4%.

Segundo o Tesouro, as despesas foram fortemente influenciadas pela interrupção dos gastos emergenciais de combate à crise causada pela covid-19, que caíram de R$ 33,5 bilhões em dezembro para R$ 2 bilhões em janeiro. Funchal afirmou que o resultado do mês é um indicativo de que, em termos de resultado fiscal, o país está voltando ao nível pré-pandemia.

Em documento que acompanhou a divulgação, a secretaria reforçou que as despesas voltadas à crise foram necessárias no ano passado, mas tiveram um “alto custo futuro deixado para a sociedade”.

“Observamos o maior déficit primário da nossa série histórica e nosso endividamento atingindo quase 90% do PIB, muito acima da média dos países emergentes, que é de 62% do PIB”, diz o documento. Assim, defende que é necessária a continuidade do processo de consolidação fiscal, com objetivo de estabilizar o endividamento.

As medidas de ajuste inseridas na PEC Emergencial, avalia a secretaria, são importantes para que a implementação de uma nova rodada do auxílio emergencial seja “fiscalmente sustentável”. Funchal disse ainda que “fatiar” o texto, ou seja, retirar as contrapartidas, teria um “efeito perverso” sobre a economia.

O secretário admitiu que a discussão sobre a desvinculação dos gastos com saúde e educação, medida presente na PEC Emergencial, é “difícil”, mas disse ser importante evoluir nesse debate. “É difícil dar cavalo de pau em transatlântico”, afirmou, se referindo à magnitude da proposta. Ele lembrou que o governo chegou a propor a unificação dos pisos, no lugar de extinção.

De acordo com o secretário, na União, o gasto com educação e saúde já é bem acima do mínimo e não haveria uma redução nos patamares com o possível fim dos pisos. Para os Estados e municípios, completou, a medida daria mais flexibilidade para gestão dos recursos.

Em relação às isenções ao diesel e ao gás de cozinha, anunciadas pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada, Funchal afirmou que qualquer medida de desoneração de impostos será compensada, de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Segundo o secretário, não há brecha para o não cumprimento da regra.

O secretário não soube dizer, no entanto, como será feita essa compensação e ressaltou que os cálculos são feitos pela Receita Federal. Quando anunciou as medidas, Bolsonaro afirmou que elas passariam a valer em 1º de março. Até agora, no entanto, os números relativos ao impacto das desonerações e às formas de compensação não foram divulgados pelo governo.

Questionado sobre o impacto da troca do comando da Petrobras nos mercados, ele disse que o episódio não deve ser entendido como “regra geral” e que a questão dos combustíveis é “ponto sensível” em todos os governos, não apenas nesse.

“A gente continua buscando o processo de consolidação fiscal, de ajuste de contas, continua andando com agenda de privatizações”, afirmou, acrescentando que é essa a mensagem que tem passado nas conversas que mantém com investidores. “É caso específico, peculiar, que foi resolvido”, defendeu.

O secretário disse ainda que uma lição pode ser tirada do episódio pelo governo: “Mudanças que mexem com expectativas de agentes se refletem muito nos preços”.