Correio Braziliense, n. 21095, 25/02/2021. Saúde, p. 14

 

Dose única e proteção contra novas cepas

Vilhena Soares 

25/02/2021

 

 

Administrada em apenas uma dose, a vacina desenvolvida pelo grupo Johnson & Johnson é eficaz contra duas novas variantes do causador da covid-19 — a sul-africana e a brasileira — e evita significativamente os quadros graves da doença. A taxa protetiva chega a 85%, segundo documento divulgado pela Agência de Regulação de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, em inglês). Também ontem, o grupo Pfizer/BioNTech publicou o estudo mais amplo sobre os impactos da fórmula que desenvolveram em parceria: 94% dos imunizados não desenvolveram a doença, conforme observação, "no mundo real", de vacinados em Israel (Leia mais nesta página).

O órgão regulador americano analisou dados de estudos clínicos com a fórmula da Johnson & Johnson conduzidos em um grupo de 44 mil pessoas nos Estados Unidos, na África do Sul e em alguns países da América Latina, incluindo o Brasil. A pesquisa é, no momento, a em estágio mais avançado dos testes com o uso de dose única de um imunizante contra o Sars-CoV-2. Somam-se às vantagens da fórmula americana o não registro de reações alérgicas graves durante os ensaios clínicos e a facilidade de armazenamento — pode ser feito em geladeiras tradicionais.

Na análise dos dados gerais, o imunizante mostra-se 85,4% eficaz contra as formas graves da covid-19, mas a proteção cai para 66,1% em relação às manifestações mais moderadas da infecção. Considerando os dados locais, a eficácia em casos graves é de 85,9% nos EUA, 81,7% na África do Sul e 87,6% no Brasil, por exemplo. Segundo a FDA, a proteção foi considerada 14 dias depois da vacinação.

Os testes também revelaram que não foram registradas mortes em decorrência da covid-19 entre aqueles que receberam o imunizante. "Os dados apoiam a existência de um perfil de segurança favorável, sem preocupações específicas que possam impedir que uma autorização de uso emergencial seja emitida", informou a agência estadunidense, em um comunicado.

O imunizante americano de dose única também é 100% eficaz contra a hospitalização 28 dias após ser aplicado. A taxa de 14 dias é de 85%. Não foram detectadas diferenças de eficácia em relação a idade, sexo ou raça dos participantes, incluindo pessoas mais velhas. No grupo de voluntários, 34% (14.672) tinham mais de 60 anos, um número considerado alto por especialistas. A expectativa é de que o FDA decida, ainda nesta semana, se a fórmula receberá um registro de emergência para uso no país.

Vetor viral

A vacina utiliza uma estratégia explorada em outros imunizantes para gerar proteção contra a covid-19: o uso de um vetor viral enfraquecido. No caso do fármaco americano, os desenvolvedores escolheram um adenovírus da gripe comum, que carrega uma proteína-chave do Sars-CoV-2. Ao entrar em contato com o organismo humano, ela desperta a produção de anticorpos protetores.

Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), avalia que os dados da vacina estadunidense são animadores. "É uma ótima notícia também pela alta eficácia observada na prevenção de casos graves, porque isso já desafoga o sistema de saúde, que é o nosso principal objetivo. Outro ponto a se comemorar é o fato de esse imunizante ser aplicado apenas em uma dose. É muito mais fácil imunizar toda a população dessa forma, nos poupará muito tempo", justifica. "É interessante destacar ainda que essa empresa realiza testes com duas doses da mesma fórmula justamente para ter análises mais consistentes do seu efeito protetivo", completa.

Para o imunologista, outro ponto que merece destaque é a eficácia do imunizante em regiões distintas, demonstrando, assim, a sua eficácia para diferentes cepas. A inclusão de um grande número de pessoas idosas nas análises é outro destaque, avalia Juarez Cunha. "Temos uma alta diversidade de analisados, de regiões diferentes que estão expostas a variantes distintas, e também uma quantidade considerável de indivíduos idosos. É muito bom observar que o efeito protetor nesse grupo que é mais suscetível ao vírus também foi alto, isso gera uma maior confiança."

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Pfizer: "no mundo real", taxa de 94%

25/02/2021

 

 

A vacina contra a covid-19 da empresa americana Pfizer mostrou-se altamente eficaz em um grande estudo que avaliou o seu desempenho durante a campanha de imunização oficial de Israel, com análises feitas em mais de 1 milhão de pessoas. Anteriormente, só estavam disponíveis dados relacionados aos ensaios clínicos, feitos durante o desenvolvimento da fórmula protetiva. Agora, os especialistas avaliaram uma parcela da população israelense durante dois meses e observaram que o imunizante reduziu os casos sintomáticos em 94% das pessoas de todas as faixas etárias.

"Trata-se da primeira prova validada por pares (especialistas) da eficácia de uma vacina nas condições do mundo real", declarou à agência France-Presse (AFP) de notícias Ben Reis, um dos coautores do estudo, publicado, ontem, no New England Journal of Medicine. A investigação avaliou dados de cerca de 1,2 milhão de pessoas. Dessas, 600 mil foram vacinadas e 600 mil, não. A imunização ocorreu entre 20 de dezembro e 1º de fevereiro, e cerca de um quarto dos participantes tinha mais de 60 anos.

As análises indicaram que uma única dose do imunizante foi 57% eficaz na proteção contra infecções sintomáticas após duas semanas, e que a resposta imune dos vacinados se tornou ainda mais forte sete dias após a segunda dose ter sido aplicada. Os investigadores ressaltaram que existiam indícios anteriores de que o imunizante teria menor eficácia em pessoas com três ou mais comorbidades, como diabetes e hipertensão, mas isso não foi observado na análise ampla.

Cepa britânica

Os resultados divulgados ontem também sugerem que a fórmula tem eficácia contra a variante do coronavírus identificada, no fim de 2020, no Reino Unido. Os pesquisadores explicam que foi possível fazer essa avaliação devido à presença dominante dessa cepa em Israel durante o período em que o estudo foi conduzido, mas ressaltaram que não há dados detalhados o suficiente para determinar uma taxa específica de eficácia para essa variante do Sars-CoV-2. A equipe não avaliou o desempenho do fármaco em relação à cepa sul-africana.

O número de participantes analisados no estudo atual é bem superior aos voluntários da terceira e última fase de estudos com o imunizante. Na etapa anterior, os pesquisadores constataram eficácia de 95%, considerando 44 mil indivíduos.

Estudos conduzidos por institutos de pesquisa de Israel já sinalizavam a vacina como eficaz. Especialistas do país também defenderam, em investigações menores, que o imunizante pode reduzir a transmissão do novo coronavírus. Os desenvolvedores da fórmula, porém, ressaltam que ainda não estão disponíveis dados suficientes para avaliar essa questão.

1,2 milhão
Estimativa de pessoas que tiveram os dados analisados nesse estudo