Correio Braziliense, n. 21093, 23/02/2021. Economia, p. 6

 

Petrobras está valendo R$ 100 bi a menos

Marina Barbosa 

23/02/2021

 

 

A Petrobras perdeu mais de R$ 100 bilhões em valor de mercado após a decisão do presidente Jair Bolsonaro de fazer mudanças na estatal. E, segundo analistas, ainda pode sofrer novas desvalorizações. É que, além da troca do comando da empresa, o mercado teme mudanças na política de preços da petroleira, que poderiam reduzir a lucratividade da companhia, sob o argumento de que é preciso controlar o valor dos combustíveis no Brasil. Além disso, a decisão do presidente foi vista como uma guinada na política liberal que ele sempre prometeu defender.

O resultado foi que, depois de cair 6% na sexta-feira, as ações da Petrobras despencaram mais de 20%, ontem, na Bolsa de Valores de São Paulo (B3). Os papéis da empresa, que eram negociados a R$ 29 na semana passada, recuaram para R$ 21. "A empresa perdeu 1/4 do valor de mercado por conta da possibilidade de que haja uma mudança significativa na forma da Petrobras definir preços e estratégias operacionais, que podem implicar resultados menores", explicou o economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Pedro Paulo Silveira. A queda das ações impôs fortes perdas aos acionistas e reduziu o valor da estatal de R$ 382 bilhões, na semana passada, para R$ 280 bilhões.

E o mercado teme que as ingerências políticas não parem por aí. A percepção é de que a troca do economista Roberto Castello Branco pelo general Joaquim Silva e Luna na presidência da Petrobras se repita em outras estatais, como o Banco do Brasil e a Eletrobras, enterrando a agenda liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, que fez o mercado em peso apoiar a eleição de Bolsonaro em 2018.

Gestores de diversos fundos brasileiros recomendavam ontem a venda das ações da Petrobras e muitos investidores estrangeiros também preferiram se desfazer dos papéis da empresa. Mesmo depois de prometer que não vai interferir nos preços dos combustíveis, Bolsonaro deixou claro o incômodo com o aumento do diesel, da gasolina e do gás de cozinha, que vem disparando em função da elevação das cotações do petróleo no mercado internacional e da alta do dólar. Analistas lembram que medidas mencionadas pelo presidente para conter os preços, como a eventual redução de tributos, podem piorar a já delicada situação fiscal do país, se não forem compensadas. "O Brasil é um país considerado grau especulativo pelas agências de avaliação de risco. E toda essa incerteza interfere muito na performance dos nossos ativos", afirmou a economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack.

As perdas de ontem, porém, foram generalizadas, e não se limitaram à Petrobras. As ações do Banco do Brasil (BB) sofreram um baque de 11,65%, diante do temor dos investidores de que a instituição, que quase teve o presidente, André Brandão, demitido neste ano, seja o próximo alvo de Bolsonaro. Com a insegurança tomando conta do mercado, o Ibovespa, principal indicador dos negócios na B3, fechou o pregão em queda de 4,75%, o maior tombo diário desde março do ano passado, no início da pandemia de covid-19. Já o dólar disparou 2,5% no início do pregão, batendo em R$ 5,51. Para segurar as cotações, o Banco Central (BC) vendeu US$ 1 bilhão em contratos de swap cambial, e a moeda fechou o dia com alta de 1,27%, cotada a R$ 5,45.

"O mercado vai ficar nessa volatilidade até ter uma definição clara do que vai acontecer. A maior perda da Petrobras parece ter passado, mas, se alguma coisa ruim for anunciada em relação à política de preços da empresa, ainda pode haver um efeito bem negativo", afirmou o head de renda variável da Speed Invest, Rafael Gouveia. "É natural que o mercado ainda fique avesso ao risco nos próximos dias, até porque houve a promessa de novas mudanças", reforçou Camila. Ela lembrou que, após a nomeação de Silva e Luna, Bolsonaro também prometeu "meter o dedo" na energia elétrica.

De acordo com os analistas, apesar de parecer justificada, o país perde com a postura intervencionista do presidente. "A Petrobras, ao se tornar uma empresa menor, vai ter menos capacidade de fazer investimentos — direta e indiretamente, a empresa responde por mais de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) —, melhorar a capacidade de refino de petróleo e gerar emprego. Isso afeta a percepção de risco do Brasil, tanto que o dólar e a curva de juros já subiram", afirmou Silveira. Ele lembrou que a alta do dólar pressiona ainda mais o preço dos combustíveis e dos alimentos e frisou que a subida dos juros pode deixar a economia brasileira andando de lado por mais algum tempo, já que vai elevar o custo dos investimentos produtivos no país.

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Conselho sob tensão 

23/02/2021

 

 

Apesar de já anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro, a troca no comando da Petrobras ainda precisa ser referendada pelo Conselho de Administração da estatal, que se reúne hoje para tratar do assunto. Alguns conselheiros dão sinais de que, apesar de ser difícil barrar a nomeação de Joaquim Silva e Luna, o colegiado deve controlar de perto as decisões do general para evitar novas perdas bilionárias na petroleira.

A destituição de Roberto Castello Branco da presidência da petroleira causou mal-estar em boa parte dos conselheiros. Porém, deve acabar sendo aprovada, pois sete dos 11 conselheiros da estatal foram indicados pelo governo federal. O presidente do colegiado, por exemplo, é o ex-comandante da Marinha, Eduardo Leal Ferreira. Ainda pesa a favor de Silva e Luna o fato de que a União, como acionista majoritária, pode convocar uma assembleia de acionistas para votar a destituição de Castello Branco e a nomeação do general caso a indicação não seja acolhida pelo conselho.

Apesar disso, o clima na reunião não deve ser tranquilo. A representante dos trabalhadores, Rosangela Buzanelli, por exemplo, classificou a decisão de Bolsonaro como "um desrespeitoso ato presidencial, típico de alguém sem nenhum preparo para o cargo que ocupa".

Representante dos acionistas minoritários, o conselheiro Macedo Mesquita também não escondeu a irritação. Em entrevista à GloboNews, ele comparou a decisão de Bolsonaro à postura do PT, que é criticada pelo atual presidente da República. Mesquita ainda disse que os membros do conselho vão avaliar o currículo de Silva e Luna e devem ficar no posto para se manter em vigilantes em relação à empresa, embora "o mais fácil seria pedir demissão em protesto".

Relator da Lei de Responsabilidade das Estatais, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) enviou carta aos conselheiros, na qual lembrou que a lei busca a aplicação das melhores práticas internacionais na gestão das empresas brasileiras e sugeriu que a nomeação do novo presidente não parece caminhar nesse sentido. Para Tasso, as razões para a troca "não parecem visar os interesses da empresa e, sim, a subordinação desses àqueles do acionista controlador ou, antes, à objetivos de políticas públicas sem a correspondente compensação", e, "tampouco, parecem considerar as exigências legais para o acesso ao cargo de membro, na condição de presidente, da diretoria".

Com tantos questionamentos, o caso foi parar até na Justiça, por meio de uma ação popular. Ontem à noite a Justiça Federal de Minas Gerais determinou que o governo federal explique, em 72 horas, a troca no comando da Petrobras. (MB)

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Fundo poderá compensar alta de preços 

Marina Barbosa 

Natália Bosco 

23/02/2021

 

 

Apesar de dizer que não vai interferir nos preços dos combustíveis, o governo de Jair Bolsonaro estuda uma forma de tentar amortecer os reajustes. Uma das alternativas é a criação de um fundo que possa ser usado para compensar variações muito acentuadas da cotação internacional do petróleo.

A ideia de criar um fundo soberano foi citada ontem pelo vice-presidente Hamilton Mourão e pelo general Joaquim Silva e Luna, indicado para o comando da Petrobras pelo presidente Bolsonaro, ontem. O fundo poderia ser custeado pelos royalties do petróleo, que hoje são divididos pelo governo com os estados e municípios e também ajudam a bancar investimentos em saúde e educação.

"A solução para isso é se a gente conseguisse criar um fundo soberano com base nos royalties do petróleo, e esse recurso, quando houvesse essas flutuações, fosse utilizado para amortecer os aumentos. Não tem outra solução fora disso aí", disse Mourão. "Seria alguma coisa como um fundo regulador", reforçou Luna e Silva, que disse ter uma boa experiência nesse sentido com o "colchão regulador" de Itaipu, que garante a água necessária ao funcionamento da usina em momentos críticos de abastecimento. "A preocupação do presidente é legítima e está em dois aspectos: a previsibilidade dos preços e o preço do combustível propriamente dito", defendeu o general, em entrevista à Rádio Bandeirantes, ontem.

A atual política de preços da Petrobras busca paridade com os preços internacionais de petróleo, por isso, é defendida pelo comando da estatal e pelo mercado financeiro. Porém, há tempos, incomoda o presidente Jair Bolsonaro e segmentos da população, como os caminhoneiros, já que implica em aumentos dos combustíveis quando as cotações internacionais de petróleo sobem. Só neste ano, por exemplo, o diesel subiu 27% e a gasolina, 34%, de acordo com a Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet). Afinal, o petróleo passa por um momento de valorização mundial. Além disso, a alta do dólar deixa a commodity ainda mais cara no Brasil, o que afeta os custos da Petrobras.

Por conta disso, essa política também foi alvo de estudos no governo de Michel Temer, após a greve dos caminhoneiros que ocorreu naquela época. O então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, defendeu a criação de um fundo que compensasse a oscilação dos combustíveis. A proposta, no entanto, não avançou, pois o governo optou por dar subsídios ao diesel. E, até hoje, a ideia divide analistas.

Frase
"A solução para isso é se a gente conseguisse criar um fundo soberano com base nos royalties do petróleo, e esse recurso, quando houvesse essas flutuações, fosse utilizado para amortecer os aumentos. Não tem outra solução fora disso aí"
Hamilton Mourão, vice-presidente da República