Correio Braziliense, n. 21092, 22/02/2021. Brasil, p. 5

 

Um ano de erros repetidos à exaustão

Bruna Lima 

Carinne Souza 

Maria Eduarda Cardim 

Natália Bosco 

22/02/2021

 

 

Próximo de completar um ano da confirmação do primeiro caso do novo coronavírus, o Brasil se vê novamente quase no mesmo lugar onde estava quando a covid-19 começou a atingir o país. Ao olhar para os números, voltou a alcançar os recordes negativos de mortes e casos da primeira onda da doença e se vê longe de descansar da luta contra o Sars-CoV-2. Apesar disso, as autoridades já contam com mais conhecimento sobre o vírus e as esperadas vacinas para mudar o rumo da história. Especialistas apontam que o Brasil ainda repete os mesmos erros para deter a transmissão do vírus no país um ano depois.

Para o professor da Universidade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Domingos Alves, o Brasil não tomou medidas para deter a transmissão do vírus no país. "Os números mostram que não houve qualquer medida de detenção da transmissão da covid-19, pelo contrário", ressalta o professor. De acordo com a recomendação da OMS, a testagem da população e isolamento dos infectados é o método mais eficaz para quebrar a transmissão da doença.

"A forma mais eficaz de salvar vidas é quebrar a cadeia de transmissão. E para fazer isso precisa testar e isolar. Não se pode apagar a fogo cego. Não conseguiremos parar a pandemia se não soubermos quem está infectado. Temos uma simples mensagem: testem, testem, testem. Todos os casos suspeitos. Se eles derem positivo, isolem", disse o diretor geral da Organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em março do ano passado. Mas o método não foi adotado no Brasil, até o mês de fevereiro deste ano, cerca de 22,2 milhões de testes foram realizados.

"Se olharmos os dados divulgados no site do Ministério da Saúde, vemos que a testagem na população reduziu drasticamente nos meses de agosto a setembro, uma média de 10% a 20% ao mês, dependendo do estado analisado. Logo em seguida, vimos uma crescente onda de novos infectados e vítimas do país", analisa Domingos. Além disso, ele ainda ressalta que de agosto para setembro, os testes rápidos foram aplicados em maior quantidade que os do tipo RT-PCR, que têm maior eficácia.

A opinião converge com a do infectologista membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) Julival Ribeiro, que também indica que o país fez poucos testes. "A gente viu que o Brasil foi um dos poucos países que fez testes em massa. Tanto é que estavam para vencer os testes, o que é um absurdo. Então, nós perdemos um tempo muito grande porque, no início da pandemia, a coisa mais importante, que vimos em países tipo Alemanha, Coreia do Sul era testar, testar e testar, colocar as pessoas em quarentena e, com isso, a gente diminuía a transmissão. Acho que isso não foi feito aqui", disse.

Sequenciamento
Para Julival, outra falha na gestão da crise sanitária foi a falta de uma coordenação nacional para estudar e fazer o sequenciamento do novo coronavírus, o Sars-CoV-2. "Com isso, a gente iria saber anteriormente se tinha surgido alguma cepa ou variante e agora, mais do que antes, é necessário a gente fazer milhares de sequenciamento para saber como essas variantes já estão se disseminando no nosso país", disse. Segundo a plataforma Gisaid, na qual cientistas do mundo todo compartilham informações sobre o vírus, das 448,4 mil sequências publicadas até 29 de janeiro, 191,6 mil (42,7%) têm origem no Reino Unido, 98 mil na América do Norte. Na outra ponta, o Brasil sequenciou apenas 2.403 (0,5% do total).

A própria linhagem P.1, que surgiu em Manaus, foi evidenciada após um alerta feito inicialmente por pesquisadores japoneses, que identificaram a variante em quatro viajantes vindos do Amazonas para o país. Agora, de acordo com o Demonstrativo de Linhagens e Genomas Sars-CoV-2 feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) aponta que a variante originada no Amazonas já está em mais oito estados brasileiros: Pará, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina e São Paulo.

Outro ponto de lentidão apontado pelos especialistas ouvidos pelo Correio foi o fechamento de fronteiras, visto tanto no começo do ano passado como neste ano. O professor Domingos Alves avalia que o Brasil falhou em fevereiro, quando os primeiros casos surgiram no mundo e repete os mesmos erros agora com as novas cepas do vírus.

"Quando solto o alarme do Amazonas, as fronteiras daquela região continuaram abertas para outros estados, o mesmo aconteceu no final do ano e início de janeiro com a nova variante que surgiu no Reino Unido. Todos os países fecharam suas fronteiras e a gente permaneceu com as nossas abertas para todos os países. E o resultado disso são novas cepas da Europa identificadas aqui e várias cepas do Amazonas em todo o território nacional", explica.

* Estagiárias sob a supervisão de Vicente Nunes

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Futuro depende de vacinação em massa e veloz 

22/02/2021

 

 

Para combater as novas variantes e sonhar com um futuro melhor, o país precisa vacinar em massa e rápido. Especialistas calculam que o país pode alcançar a marca de 300 mil mortos no fim de março se a situação permanecer a mesma. Um cenário de lentos passos na vacinação que não imuniza o grupo de risco da forma adequada pode resultar em um grande colapso do sistema de saúde.

Julival também apontou para a pouca variedade de vacinas oferecidas no país. "O que nós estamos vendo é que a gente deveria ter muito mais tipos de vacinas, outras plataformas de vacina, da PFizer, da Moderna, para que a gente pudesse utilizar o maior número de tipos de vacinas na população", disse.

O governo federal só tem contrato assinado com o Instituto Butantan, para a compra da vacina CoronaVac; com a Fiocruz, para a compra da Covishield, conhecida como vacina de Oxford; e também com o consórcio internacional Covax Facility, pelo qual deve receber mais doses da Covishield.

O médico sanitarista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Adriano Massuda, aponta um novo problema que pode surgir com a demora em criar um plano de imunização e de coordenação. O resultado é a pandemia mais longa no país e, consequentemente, um período de mais isolamento e que agrava a retomada econômica. Esses fatores ainda se somam a profissionais de saúde cansados, leitos que estão sendo fechados e uma série de doenças que não foram tratadas ao longo da pandemia que pressionam o sistema de saúde.

"Além disso, os recursos que tivemos acesso no ano passado, não serão disponibilizados esse ano. Não podemos contar com essa estrutura. E sem um controle dessa epidemia, teremos uma alta demanda com baixa resposta. É um cenário desesperador", conclui o médico.

Para o futuro, Julival acredita que é necessário fazer uma coordenação a nível nacional, convocar vários cientistas para que seja realizada uma análise crítica do que foi feito até hoje. "Precisamos de estudos sobre as novas variantes, se são mais transmissíveis, se a vacina vai funcionar, fazer testagem em massa na população e fazer um estudo genético da nova cepa para saber como ela está se espalhando. Eu sou a favor do que a gente chama de bloqueio. Por exemplo, em Manaus, com tudo que está acontecendo, tinha que ser feita uma vacinação de bloqueio em massa na região Norte. Mas para isso, é preciso ter uma discussão científica baseada em dados", concluiu. (BL, CS, MEC e NT)

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Mais 527 casos fatais 

22/02/2021

 

 

O total de mortes provocadas pela covid-19 no Brasil chegou a 246.504, incluindo os 527 novos casos fatais registrados entre sábado e ontem, segundo o último boletim divulgado pelo Ministério da Saúde. A pasta informou também que, no mesmo período, foram registrados 29.026 novos diagnósticos da doença, o que elevou o total de casos para 10.168.174.

O boletim acrescenta que 9.095.483 pessoas conseguiram se recuperar da covid-19 desde o início da pandemia. Outras 826.187 estão sob acompanhamento, segundo o Ministério da Saúde.

Nos fins de semana, os números oficiais relativos à doença costumam ser menores. O motivo é que as secretarias estaduais de Saúde trabalham em regime de plantão, o que compromete o registro dos dados. Nos dias úteis, a média diária de mortes provocadas pela covid-19 no país tem estado acima de mil.