Correio Braziliense, n. 21092, 22/02/2021. Política, p. 2

 

Aval a Silva e Lina, mas com cobranças

Augusto Fernandes 

22/02/2021

 

 

A participação direta do presidente Jair Bolsonaro na mudança do comando da Petrobras deixou de ser avaliada por alguns dos conselheiros da empresa como uma possibilidade de interferência do governo federal na política interna da estatal, em especial a que define os preços dos combustíveis, e é provável que o colegiado que analisará a indicação do general Joaquim Silva e Luna para substituir o atual presidente Roberto Castello Branco não barre o nome dele para assumir a chefia da companhia.

Contudo, eles devem cobrar do futuro presidente que, caso a empresa seja instruída pelo Palácio do Planalto a vender combustíveis por um valor abaixo do que é definido pela estatal, a União indenize a Petrobras. Isso porque, conforme previsto no estatuto social da empresa, o governo é obrigado a indenizá-la se for constatado qualquer tipo de prejuízo financeiro por conta da alteração no preço de comercialização do diesel e da gasolina por determinação da União.

Segundo o texto, quando orientada pelo governo federal a contribuir para o interesse público, a companhia somente assumirá obrigações ou responsabilidades se as regras estiverem definidas em lei ou regulamento, bem como previstas em contrato, convênio ou ajuste celebrado com o ente público competente para estabelecê-la e tiverem seu custo e receitas discriminados e divulgados de forma transparente, inclusive no plano contábil.

Nesta hipótese, de acordo com o estatuto, a União compensará, a cada exercício social, a estatal pela diferença entre as condições de mercado definidas pelos comitês de Investimentos e Minoritários da Petrobras e o resultado operacional ou retorno econômico da obrigação assumida.

"A Petrobras poderá ter suas atividades, desde que consentâneas com seu objeto social, orientadas pela União de modo a contribuir para o interesse público que justificou a sua criação (...), com base nos critérios de avaliação técnico-econômica para projetos de investimentos e para custos/resultados operacionais específicos praticados pela administração da companhia, se as obrigações e responsabilidades a serem assumidas são diversas às de qualquer outra sociedade do setor privado que atue no mesmo mercado", versa o estatuto da Petrobras.

Dessa forma, a admissão de Silva e Luna à presidência da empresa não significará uma permissão para que o governo aconselhe a Petrobras sobre qual deve ser o valor venal dos combustíveis. Nos últimos dias, Bolsonaro reclamou que os preços poderiam ser 15% mais baratos e ainda criticou que os recentes reajustes promovidos pela Petrobras — 10,2% para a gasolina e 15,1% para o diesel — não são justificáveis.

"Existem proteções na empresa hoje para que nenhuma loucura seja feita. É impossível o novo presidente da Petrobras, seja ele quem for, não ter preços na paridade internacional. Agora, se o país quer dar subsídios para alguns clientes para que tenham combustíveis mais baratos, aí é um problema político. Está no estatuto da empresa que a empresa, para dar subsídio para qualquer pessoa, quem tem que pagar é a União", disse à TV Globo o conselheiro Marcelo Mesquita de Siqueira Filho, um dos três que representam os acionistas minoritários no Conselho de Administração da estatal.

Em texto publicado nas redes sociais ontem, a conselheira Rosangela Buzanelli Torres, que representa os trabalhadoras e trabalhadores da Petrobras, disse que a indicação de Bolsonaro é "um desrespeitoso ato presidencial". "Em que pese o direito do acionista controlador, no caso a União, de destituir e indicar um conselheiro de administração e o presidente da estatal, há que se fazê-lo com o mínimo de respeito às pessoas, aos ritos e processos legais, sempre buscando preservar as pessoas e a empresa", opinou.

Ela evitou, entretanto, criticar o nome de Silva e Luna, dizendo que "isso será apreciado oportunamente pelo Conselho de Administração", mas salientou que "a Petrobras não é dos acionistas, dos fundos de investimentos, ou do governo de plantão". "A Petrobras é do Estado brasileiro, do seu povo que lutou pela sua criação, a construiu e a agigantou, alçando-a ao podium das maiores e melhores do mundo no setor, premiada internacionalmente várias vezes", completou.

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CVM avalia investigação 

22/02/2021

 

 

Os comentários do presidente Jair Bolsonaro na última semana sobre possíveis alterações no comando da Petrobras antes de ele indicar Silva e Luna, que afetaram as ações da estatal na Bolsa de Valores de São Paulo na sexta-feira passada — naquele dia, a companhia perdeu R$ 28,2 bilhões de valor de mercado e viu as ações ordinárias despencarem 7,92% e as ações preferenciais caírem 6,33% —, podem ser alvo de investigação por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

"A CVM acompanha e analisa informações e movimentações envolvendo companhias abertas, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário", informou a assessoria de imprensa do órgão regulador, em nota enviada ao Correio.

De acordo com a Instrução 358 da instituição, empresas que contam com ações na Bolsa de Valores devem delegar a um diretor de relações com investidores (DRI) a competência de noticiar "qualquer ato ou fato relevante ocorrido ou relacionado aos seus negócios bem como zelar por sua ampla e imediata disseminação, simultaneamente em todos os mercados em que tais valores mobiliários sejam admitidos à negociação".

O texto da CVM ainda destaca que o diretor precisa ter esse controle de divulgar ao mercado qualquer informação relevante sobre a empresa principalmente se esse acontecimento for capaz de influir "de modo ponderável" na cotação dos valores mobiliários de emissão das companhias abertas ou a eles referenciados ou na decisão de comprar, vender ou manter tais títulos, ou mesmo de exercer quaisquer direitos a eles inerentes.

Segundo a comissão, pessoas que, por seu cargo ou posição, ainda que não diretamente ligados à companhia, tenham acesso a informações que possam influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários por ela emitidos, devem atuar "de maneira articulada com os canais institucionais da companhia aberta e comuniquem tais informações ao DRI antes de lhes darem publicidade".

"Havendo oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários de emissão da companhia, é responsabilidade do DRI averiguar, de maneira proativa, a existência de informações que devam ser divulgadas ao mercado, o que deve ocorrer, também, diante de questionamentos da CVM ou de entidade autorreguladora", diz a instrução 358. (AF)