Correio Braziliense, n. 21090, 20/02/2021. Política, p. 3

 

Parlamentares: defesa da democracia

Augusto Fernandes 

20/02/2021

 

 

O placar expressivo a favor da continuidade da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) refletiu a insatisfação do plenário da Câmara com o comportamento do congressista perante o Supremo Tribunal Federal (STF) e, sobretudo, a democracia. Na avaliação da maioria dos representantes da Casa, a decisão tomada ontem foi importante para que os parlamentares tomem consciência de que é preciso zelar pelo bom relacionamento entre as instituições da República e que, por mais que os deputados tenham imunidade sobre suas palavras, é necessário haver um limite para o que dizem.
"O fato fora da curva que aconteceu hoje (ontem) será um marco de mudança interna no comportamento dos senhores deputados no plenário desta Casa. Respeito, trato cordial, debate amplo, mas sempre respeitoso. Não podemos deixar que ofensas pessoais, radicalismos e colocações que não são bem-vindas no plenário continuem acontecendo, e os extremos continuem se digladiando", pregou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

O deputado Fábio Trad (PSD-MS) observou que "liberdade de expressão não se confunde com permissividade para praticar o crime de extermínio da própria liberdade". Para ele, foi isso que Silveira pregou e praticou no pronunciamento que motivou a prisão. "Liberdade de expressão tem limite. Dizer é um ato decisório, e a palavra no parlamento é um ato preordenado, pensado, ainda que impulsivo, e não pode ser salvo conduto para desfiar um rosário de práticas delitivas", enfatizou.
Na avaliação da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), os atos praticados por Silveira "não se coadunam com o espírito democrático, não são atos sequer que tenham qualquer tipo de afeição ao exercício do mandato parlamentar". Além disso, ela ponderou que a Câmara não poderia ter tomado uma decisão diferente, visto que o deputado do PSL cometeu crime ao ameaçar um dos três pilares da democracia.

"As ofensas não estão protegidas pelo manto da imunidade parlamentar. O manto da imunidade parlamentar que nós defendemos, porque sempre precisamos dela, é, sem dúvida, a garantia da liberdade de opinião e de expressão, de identificação das suas concepções, mas jamais nos dá o direito de ameaçar, de sonhar com espancamentos, de integrar conspirações antidemocráticas", observou.

Renildo Calheiros (PCdoB-PE) acrescentou que os atos praticados por Silveira não se enquadram nas prerrogativas dos mandatos ou da liberdade de opinião. "Pelo contrário. A legitimidade da imunidade parlamentar e da liberdade de opinião encontra-se exatamente na defesa e na proteção da democracia. Esses institutos não podem ser usados para desconstituí-la", afirmou.
Recado

O deputado Danilo Cabral (PSB-PE) destacou que a decisão estabelecida, ontem, representa "uma resposta efetiva e clara da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal para aqueles que conspiram e flertam com o autoritarismo no nosso país". Segundo ele, "precisamos deixar claro que as instituições cumprirão o seu papel contra qualquer um que se insurgir contra a ordem democrática".

"Nosso país precisa, mais do que nunca, de estabilidade, de diálogo, de harmonia entre os Poderes. Nosso país precisa das instituições funcionando. O extremismo e a polarização representada nessa atitude do deputado Daniel Silveira estão drenando nossa energia quando o povo mais precisa de nós. Precisamos superar isso. Penso que a prisão do deputado representa um basta a esse extremismo e autoritarismo. Não podemos mais tolerar esse tipo de conduta, especialmente em se tratando de um parlamentar", frisou.

Na mesma linha, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) disse que a Câmara acertou ao manter a prisão de Silveira, pois fez valer o texto constitucional. "Cabe à Câmara dos Deputados recuperar o seu papel de defesa da Constituição, não permitindo que nenhum dos seus integrantes ataque a democracia, a República e as instituições e recuperando que o instituto da imunidade parlamentar seja para as posições que protejam o mandato, à luz da Constituição, à luz da normativa constitucional, e não para o ataque às instituições", ressaltou.

Uma parcela da Câmara, contudo, lamentou o resultado, por considerar a prisão de Silveira inconstitucional. "Nunca ouvi falar em mandado de prisão em flagrante, é a primeira vez. Quem criou essa ferramenta jurídica acho que foi o ministro Alexandre de Moraes. Ninguém a conhecia, é importante frisar. E nós estamos, infelizmente, num ato irregular praticado por quem deveria proteger a Constituição", criticou o deputado Capitão Wagner (Pros-CE).

Para alguns parlamentares, a maioria da Casa não julgou o mérito da prisão de Silveira e se deixou levar pelas palavras do congressista contra o STF. "O inquérito, no seio do qual foi determinada essa prisão, foi caracterizado pela Procuradoria-Geral da República, em diversas oportunidades, como um inquérito frágil, um inquérito que detém pouco amparo em nossa Constituição e nas leis", ponderou o Major Vitor Hugo (PSL-GO).

O deputado continuou: "Essa prisão é flagrantemente ilegal. Primeiro, porque não existe o flagrante caracterizado. Dizer que um vídeo, por estar rodando eternamente no YouTube ou nas redes sociais, transforma as palavras e o crime supostamente cometido em algo eterno, em um crime permanente, é avançar demais. E, segundo, porque transformar todos os crimes, ou 80% deles, previstos no Código Penal e também nas leis penais extravagantes, em inafiançáveis porque estão presentes os pressupostos da aplicação da prisão preventiva é também um avanço muito forte".

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Inquérito das fake news 

20/02/2021

 

 

A prisão do deputado Daniel Silveira foi no âmbito do inquérito das fake news, que apura informações falsas e ofensas a ministros do STF. A investigação foi aberta em 2019 pelo então presidente da Corte, Dias Toffoli. No vídeo do parlamentar que deflagrou todo o caso, ele disse que o ministro Edson Fachin, do STF, tem cara de "filha da p." e "vagabundo". "Várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra, quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa Corte...", afirmou. Em outro momento, ele chamou Moraes de "cretino". A gravação foi fomentada por declarações de Fachin de que é "intolerável e inaceitável qualquer tipo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário". O magistrado manifestou-se depois que foi divulgado trecho do livro General Villas Boas: conversa com o comandante, escrito por Celso Castro, pesquisador da Fundação Getulio Vargas. Na publicação, o general afirmou que tuítes de 2018 — feitos no dia em que o Supremo analisou um pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula — foram discutidos com a cúpula do Exército. Segundo ele, as postagens foram "um alerta, muito antes que uma ameaça".

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Na terça, Conselho de Ética avalia processo 

20/02/2021

 

 

O futuro do mandato do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) será definido a partir da próxima terça-feira, quando o Conselho de Ética da Câmara começará a discutir se ele quebrou o decoro parlamentar ao publicar um vídeo com ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e defendendo a volta do AI-5, o ato mais repressivo da ditadura militar (1964-1985).

A possibilidade de abertura de um processo de cassação contra Silveira foi reforçada na noite de ontem, depois que a Câmara decidiu, por um placar folgado de 364 votos contra 130, manter a prisão em flagrante do bolsonarista, que foi determinada, na última terça-feira, pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.

O Conselho de Ética será reaberto depois de ter as atividades suspensas em razão da pandemia da covid-19, e funcionará de forma híbrida — com reuniões virtuais e presenciais. A retomada dos trabalhos do colegiado foi determinada pela Mesa Diretora, em meio à grande repercussão do caso Silveira. A Mesa também encaminhou para o conselho uma representação pedindo a abertura de processo de cassação contra o deputado.

No vídeo que divulgou, Daniel Silveira, entre outras agressões, incita o linchamento público do ministro Edson Fachin, acusa magistrados do STF de venderem sentenças judiciais e defende a cassação de todos os membros da Corte. Além de estar preso no Batalhão Especial Prisional da PM do Rio, em Niterói, o deputado foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República, acusado de ameaçar o Supremo e de incitar a quebra da ordem democrática.

Tramitação
O presidente do Conselho de Ética da Câmara, Juscelino Filho (DEM-MA), afirmou que a votação de um parecer final sobre o caso deverá ocorrer em até 60 dias.
A partir da designação do relator do processo, os advogados de Silveira terão 10 dias úteis para apresentar a defesa do parlamentar. Em seguida, haverá a instrução do processo, fase dedicada à colheita de provas e que antecede a apresentação, discussão e votação do relatório final. (JV)

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Congresso quer mudar lei que prevê prisão 

20/02/2021

 

 

Devido ao mal-estar criado entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), pela prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) por determinação da Corte, o Parlamento deve discutir alterações ao trecho da Constituição que trata da detenção de deputados e senadores e da imunidade parlamentar. Segundo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), será criada uma comissão extraordinária no Legislativo com o objetivo de discutir o assunto.

De acordo com Lira, é necessário alterar o texto da Constituição para evitar que aconteçam novos desgastes entre os dois Poderes. O ponto da Carta Magna que será analisado pelo futuro colegiado é o do artigo 53, que prega: "Deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos".

O artigo conta com oito parágrafos. Um deles versa que, "desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável". Outro parágrafo estabelece que "deputados e senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações".

Alicerce
"Em nome da responsabilidade, o alicerce da democracia, quero anunciar a criação de uma Comissão Extraordinária pluripartidária para propor alterações legislativas para que, nunca mais, Judiciário e Legislativo corram o risco de trincarem a relação de altíssimo nível das duas instituições, por falta de uma regulação ainda mais clara e específica do artigo 53 da nossa Carta", informou Lira, durante a sessão da Câmara decidiu o caso Silveira.

"O Parlamento é o coração da democracia. Daqui nunca sairá qualquer ação institucional que fragilize ou apequene a Constituição. Somos, fomos e sempre seremos a Casa vital e pulsante da democracia", completou Lira. (AF)