O globo, n. 31958, 04/02/2021. Editorial, p. 2

 

“Festa do corona” promovida por Arthur Lira é um acinte à sociedade

04/02/2021

 

 

A festança que o deputado Arthur Lira( P P-AL) ofereceu a 300 pessoa sem Brasília, para celebrara vitória sobre Baleia R os si( MDBSP) na eleição para a presidência da Câmara segunda-feira, deve ter contado comum convidado especial, tão discreto quanto mortífero: o novo coronavírus, que muito provavelmente também aproveitou para festejar.

Como foi fartamente noticiado, os convivas —entre os quais os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Fábio Faria (Comunicações) —ignoraram protocolos básicos de prevenção contra a Covid-19. Desprezaram máscaras, distribuíram abraços e apertos de mão, conversaram tête-à-tête e fizeram do distanciamento persona non grata na casa do Lago Sul.

Como a vitória costuma inebriar, convém situar em que cenário ocorreu a comemoração do aliado do presidente Jair Bolsonaro. Na noite em que os convidados confraternizavam, o Brasil ultrapassava a marca macabra de 225 mil mortos pela Covid-19, número superado apenas pelos Estados Unidos.

Há mais de dez dias, a média de mortes fica acima de mil — é como se três aviões Airbus A-350 caíssem todo dia. A taxa de contágio avaliada pelo Imperial College de Londres continua acima de 1. Isso significa que a doença ainda está fora de controle. Na mesma segunda-feira de júbilo em Brasília, o Distrito Federal era uma das 11 unidades da Federação com alta na média de mortes.

Há algo em comum no comportamento dos humanos e do vírus. Se os insignes deputados e demais autoridades mandam às favas os protocolos sanitários, o vírus também ignora liturgias de qualquer natureza. Em situação diferente, com todas as devidas vênias, o Sars-CoV-2 fez um estrago na posse do ministro Luiz Fux como presidente do STF, em setembro. Pelo menos seis autoridades, entre elas o próprio Fux, foram infectadas na ocasião.

Infelizmente, no Brasil, o mau exemplo vem decima. A começar pela autoridade máxima da República, Bolson aro, quedes preza máscaras, ignora o distanciamento e sabota a vacinação, única esperança para vencera pandemia mais devastadora em cem anos. Que exemplo nos dá a elite política que se reuniu em Brasília para o beija-mão de Lira? O pior possível. As imagens da “Festa do corona” são um triste retrato de uma classe que parece mais preocupada com seus interesses mesquinhos do que com o drama que aflige o país.

Imagina-se que o combate à pandemia do novo coronavírus seja uma das pautas prioritárias de Lira no comando da Câmara, como ele próprio sugeriu em seu discurso. Espera-se que, passada a ressaca da vitória, demonstre mais compromisso coma sociedade brasileira, aviltada por um governo eleito como o pi ordo mundo na guerra ao vírus, segundo levantamento do australiano Instituto Lowy. O Brasil vive a um só tempo várias tragédias. A pandemia é uma delas, talvez a maior.