O globo, n. 31959, 05/02/2021. País, p. 5

 

Aras investiga ação de Bolsonaro na pandemia

Victor Farias

05/02/2021

 

 

Apuração preliminar foi aberta a pedido de deputados do PCdoB. Em Ofício ao Supremo Tribunal Federal, procurador-geral afirma que, se surgirem “indícios de possíveis práticas delitivas', pedirá à Corte a instauração de um inquérito

O procurador-geral da República, Augusto Aras, abriu uma investigação preliminar para apurar a atuação do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na crise de saúde provocada pela Covid-19 no Amazonas e no Pará.

Em ofício enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) na quarta-feira, Aras informou a abertura da apuração. No documento, ele afirma que, “caso, eventualmente, surjam indícios razoáveis de possíveis práticas delitivas por parte dos noticiados, será requerida a instauração de inquérito nesse Supremo Tribunal Federal”.

A abertura da notícia de fato, nome formal deste tipo de investigação, ocorreu a pedido de deputados federais do PCdoB, que afirmam que as atitudes de Bolsonaro e Pazuello na condução da pandemia nos estados têm “fortes indícios da prática de prevaricação”.

Eles dizem também que há indícios de que os dois cometeram o crime de expor a vida ou a saúde da população a perigo direto ou iminente, ao “propagar a utilização de medicamentos que não têm eficácia científica”.

Bolsonaro é entusiasta da cloroquina, remédio sem eficiência comprovada contra o coronavírus, enquanto o Ministério da Saúde pressionou autoridades de Manaus a usarem um “kit covid”, composto por medicamentos sem comprovação científica — o sistema de saúde da cidade entrou em colapso poucos dias depois da visita da comitiva da pasta.

ESQUIVA E CRÍTICAS

Em nota divulgada no mês passado, Aras havia se esquivado de cobranças por, até aquele momento, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não ter adotado nenhuma ação em relação ao comportamento de Bolsonaro na pandemia. O posicionamento lhe rendeu críticas de que estaria sendo omisso diante da gestão da pandemia pelo presidente.

“Segmentos políticos clamam por medidas criminais contra autoridades federais, estaduais e municipais. O procurador-geral da República, no âmbito de suas atribuições e observando as decisões do STF acerca da repartição de competências entre União, estados e municípios, já vem adotando todas as providências cabíveis desde o início da pandemia. Eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República são da competência do Legislativo”, dizia a nota.

Na representação agora encaminhada à PGR, os parlamentares afirmam que a atuação federal deixou gestores locais à deriva:

“O ‘descompromisso’ de Bolsonaro e Eduardo Pazuello com o enfrentamento à Covid-19, deixou gestores locais à deriva, tendo que administrar por conta própria fluxos e demandas que, via de regra, dependem de uma lógica conjunta — a mesma que orienta o SUS, que opera de forma tripartite, envolvendo União, estados e municípios”, escreveram os parlamentares.

Desde o começo do ano, o Amazonas sofre com a falta de oxigênio para tratar pacientes com o novo coronavírus. A situação vivida no estado é a pior desde que a pandemia começou, com UTIs lotadas e pacientes sendo transferidos para outros estados para serem tratados.

Assim como o Amazonas, o Pará enfrenta um crescimento dos casos da doença nas últimas semanas, bem como dificuldades de tratamento dos pacientes devido à falta de oxigênio.

Além desta apuração, Pazuello também é alvo de inquérito no STF que investiga a conduta do ministro em relação à crise na saúde pública de Manaus. A apuração foi aberta em 25 de janeiro, a partir de um pedido feito por Aras. Ontem, o ministro prestou depoimento à Polícia Federal.

EX-PGR PEDE DENÚNCIA

Em uma outra iniciativa, esta externa à PGR, um grupo de juristas, incluindo o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, pediu a Aras que ofereça uma denúncia contra Bolsonaro pela conduta no enfrentamento da pandemia. O grupo sustenta que o presidente cometeu o crime de favorecer a disseminação de epidemia ao, por exemplo, lançar dúvidas sobre a eficácia de vacinas e incentivar a o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes.