Correio Braziliense, n. 21088, 18/02/2021. Política, p. 3

 

Governo em silêncio

Ingrid Soares 

18/02/2021

 

 

Apesar dos clamores de apoiadores e de parlamentares da ala radical na Câmara dos Deputados, Jair Bolsonaro não deu nenhuma palavra sobre a prisão, decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), um dos mais ferrenhos defensores do presidente da República, por agressões verbais e ameaças aos ministros do Supremo Tribunal Federal. O silêncio, segundo uma fonte palaciana, deve-se ao fato de que Bolsonaro foi aconselhado a não tomar lados, ao menos publicamente, sobre a questão.

Isso não quer dizer, porém, que Bolsonaro tenha concordado com a prisão. Ao contrário: ele e integrantes da ala ideológica do governo ficaram irritados com a decisão do ministro Alexandre de Moares, referendada por todos os integrantes do STF. Mas, por conta do temor de eclodir uma crise entre os Três Poderes, a regra foi ficar de boca fechada. Afinal, neste momento, o Palácio do Planalto procura conviver cordialmente com o Supremo e precisa do Congresso para fazer andar não apenas a pauta que inclui as reformas administrativa e tributária, mas, sobretudo, o novo auxílio emergencial — além de assuntos caros aos bolsonaristas, como a MP das Armas. Uma posição explícita do presidente, a favor de um lado ou de outro, poderia ser vista como uma indevida interferência em um assunto que cabe ao STF e à Câmara decidirem.

Sem garantias
Bolsonaro, no entanto, é conhecido por criticar decisões do Supremo contra assuntos que fazem parte da chamada "pauta de costumes". O presidente recebeu a notícia da prisão do deputado quando ainda estava em São Francisco do Sul, onde passou o feriado de Carnaval. No entanto, auxiliares não garantem se ele seguirá à risca a recomendação, pois o consideram "imprevisível" e de "sangue quente".

Assim, a expectativa é de que Bolsonaro aguarde o posicionamento dos outros poderes, pois, diante do conteúdo dos vídeos do parlamentar agredindo verbalmente os 11 ministros da Corte, auxiliares afirmam que o governo não consegue e nem pode "defender o indefensável". Essa tarefa deverá ser cumprida pela ala bolsonarista extremista, dizem fontes do Palácio.

Do clã Bolsonaro, o único a se posicionar –– assim mesmo de forma discreta, quase enigmática –– foi o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Sem citar diretamente o caso, por meio das redes sociais se limitou a dizer que "sentia o estômago embrulhado como não sentia há tempos". Mas não citou o deputado, nem tampouco o ministro Alexandre de Moraes, o episódio da prisão ou mesmo o STF.

A ordem de prisão em flagrante foi expedida por Alexandre de Moraes, após Silveira divulgar vídeo ofendendo e ameaçando os integrantes da Corte de serem agredidos na rua. Também defendeu a destituição dos ministros e desferiu vários xingamentos contra eles e o STF.

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Decisão desperta dúvidas 

Augusto Fernandes 

18/02/2021

 

 

O endosso, por unanimidade, do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), à decisão do ministro Alexandre de Moraes de ordenar a prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), dividiu a comunidade jurídica. O magistrado alegou que o parlamentar praticou crimes inafiançáveis e imprescritíveis por atentar contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito ao divulgar um vídeo nas redes sociais em que ofende ministros da Corte e faz apologia ao Ato Institucional nº 5 (AI-5), uma das medidas mais agressivas baixadas pelo governo do general Arthur da Costa e Silva, durante a ditadura militar. Mas a avaliação de advogados é a de que os motivos apresentados para a detenção do congressista não respeitaram a Constituição e outras leis.

Na avaliação do criminalista Fernando Parente, os fundamentos apresentados por Moraes para classificar a atitude de Silveira como passível de um delito inafiançável não são válidos. Isso porque, segundo o jurista, o ministro do STF utilizou um trecho do Código de Processo Penal (CPP) que diz que um crime não será suscetível a fiança quando apresentar motivos que autorizam a decretação de uma prisão preventiva, que é diferente de uma prisão em flagrante.

"A pessoa é presa em flagrante para saber, depois, se ficará em prisão preventiva ou não. Ou seja, se o flagrante será convertido em preventiva, se vai converter o flagrante em medida cautelar diversa da prisão, como a proibição de usar o celular, de viajar, de contato com as pessoas, limitação de horário. Ou se, até mesmo, existe uma ilegalidade no flagrante e a prisão deve ser relaxada. A questão é que ele usou o fundamento para prisão preventiva enquanto estava tratando de uma prisão pré-cautelar", analisou Parente.

O advogado constitucionalista Camilo Onoda, pós-doutor em direito pela Universidade de Coimbra, acrescentou que a análise de Moraes sobre o caráter inafiançável do comportamento do parlamentar do PSL é "controversa". "Uma interpretação mais garantista defende que a prisão nesse caso só cabe nos crimes previstos na Constituição Federal como inafiançáveis e não simplesmente nos casos em que o crime é afiançável. O direito penal, diante de situações ambíguas, deve favorecer o réu", observou.

Imunidade
Os juristas também consideraram um erro a prisão de Silveira por conta do trecho da Carta Magna que versa sobre a imunidade parlamentar, que diz que "deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos".

Na sua decisão, Moraes defendeu que as declarações do parlamentar — que xingou e ameaçou os ministros do STF — não poderiam ser abarcadas por essa norma por terem representado um "desrespeito à separação de poderes e aos direitos fundamentais" e incitado "a tirania, o arbítrio, a violência e a quebra dos princípios republicanos".

O advogado constitucionalista Marcellus Ferreira, mestre em direitos e garantias constitucionais pela Faculdade de Direito de Vitória, lembrou que as garantias constitucionais são para todos, e que, portanto, deveriam valer também para Silveira.

"Não coaduno com esse tipo de postura, mas acho um exagero que isso resulte em uma prisão. Ele é um deputado federal que está no exercício do mandato. Portanto, tem imunidade para defender as suas ideias. E mesmo que não fosse parlamentar, as suas manifestações estariam acobertadas pela liberdade de expressão. Entendo que a prisão é arbitrária e foi antecipada de forma desnecessária. O processo penal não foi cumprido corretamente, pois não foram observados os direitos do contraditório e da ampla defesa", ponderou.

Prisão lança polêmica

Juristas ouvidos pelo Correio discordaram sobre os motivos apresentados pelo ministro Alexandre de Moraes para ordenar a prisão do deputado Daniel Silveira.

» Nenhum dos crimes mencionados na decisão do ministro são colocados como inafiançáveis, seja na própria lei ou no Código de Processo Penal (CPP), que prevê nos artigos 323 e 324 casos de não
concessão de fiança.

» Moraes justificou sua decisão com o que está no artigo 324 inciso 4 do CPP, que diz que não será concedida fiança quando presentes motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva. Mas prisão em flagrante não é prisão preventiva, e sim uma prisão pré-cautelar.

» O texto da Constituição diz, no artigo 53, que os parlamentares são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Como as garantias constitucionais são para todos, o deputado não deveria ter sido preso por conta das suas declarações.

» O Supremo Tribunal Federal (STF) extrapolou as suas competências e não poderia ter se antecipado à Câmara, que, neste caso, seria a instituição adequada para adotar sanções punitivas ou medidas cautelares contra o deputado.

Fontes: Camilo Onoda Caldas, Fernando Parente, Marcellus Ferreira

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Agressão na porta da PF

18/02/2021

 

 

Um grupo de apoiadores de Daniel Silveira, que pedia a liberdade do deputado federal em frente a sede da Polícia Federal, na zona portuária do Rio de Janeiro, agrediu um homem que levava um cartaz homenageando a vereadora assassinada Marielle Franco. A confusão começou quando um apoiador do parlamentar discutiu com o homem, conseguiu tirar dele a placa e jogou-a longe. O dono do objeto foi atrás e, ao pegá-la, foi derrubado e submetido a um enforcamento. Repórteres e fotógrafos tentaram acalmar a situação, mas foram hostilizados pelos apoiadores do deputado. Na campanha em que se elegeu para a Câmara, Silveira obteve projeção ao quebrar uma placa com o nome de Marielle.