O globo, n. 31959, 05/02/2021. Editorial, p. 2

 

Pandemia e reformas são as prioridades

05/02/2021

 

 

Na abertura do ano legislativo, o presidente Jair Bolsonaro, ao colocar na mesa os temas prioritários para a agenda do Congresso neste ano, elencou nada menos que 35 projetos — da reforma administrativa à liberação de mais armas para a população, passando pelo ensino doméstico e pela privatização da Eletrobras. A lista foi entregue formalmente aos novos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Só ficou no ar uma dúvida: com 35 projetos, quais são mesmo as prioridades?

É importante lembrar que Bolsonaro tem todo o direito de imprimir ênfase à pauta de costumes com que conquistou votos nos setores conservadores da sociedade. Ele já cumpre promessas de liberar mais armas e munições para os grupos de colecionadores, atiradores esportivos e caçadores. Há propostas para isentar policiais em mortes ocorridas em confrontos e para facilitar a vida dos caminhoneiros. É do jogo democrático que um presidente eleito tente atender os grupos que o elegeram. O Congresso, em contrapartida, tem outro dever. Precisa priorizar os temas de fato urgentes. Hoje, eles são dois: os efeitos da pandemia e a crise fiscal crônica, que já atingia o país antes dela e persistirá depois.

No primeiro, é essencial garantir a vacinação em massa e o atendimento aos contaminados. O governo é o grande responsável por não haver a garantia de vacina para toda a população. A situação fica cada vez mais angustiante com o crescimento do número de mortos pela Covid-19, que beira os 230 mil. Os novos presidentes da Câmara e do Senado assumiram fazendo referências à crise sanitária. Parece haver no Legislativo consenso em torno da recriação de outro auxílio emergencial, para conter os efeitos econômicos e sociais dramáticos provocados pelo vírus.

Mas só será possível fazer isso abrindo espaço fiscal para os gastos. Daí deriva logicamente a segunda prioridade: as reformas capazes de trazer fôlego orçamentário. O Planalto precisa ter consciência de que a primeira onda da pandemia, no ano passado, já deixou as contas públicas em ruínas. A recessão vertiginosa em que a economia caiu em 2020 derrubou as arrecadações tributárias federal, estadual e municipal. Produziu déficits elevados em todos os orçamentos públicos. Sem contar o déficit crônico, vegetativo, gerado pelas regalias do funcionalismo. Se for inevitável um novo auxílio de emergência — o do ano passado custou R$ 300 bilhões, e a União fechou o ano com um saldo no vermelho de mais de R$ 700 bilhões —, é imperioso haver compensação em cortes de gastos.

Constam da relação de projetos entregues pelo presidente ao Congresso medidas com tal objetivo. É o caso da PEC Emergencial, que automatiza a contenção de despesas, assim que elas ultrapassarem determinado nível (está no Senado). Há a reforma administrativa, que precisaria incluir os atuais servidores para ter efeito fiscal mais robusto. E várias outras medidas de impacto fiscal. Mas, como só pensa em 2022, não se descarta a possibilidade de Bolsonaro cobrar o apoio que deu a Lira e a Pacheco exigindo pressa na pauta de costumes e assemelhadas para agradar suas bases.

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Governo precisa ampliar logo as opções de vacina contra Covid-19

05/02/2021

 

 

Ainda que tardiamente, o Ministério da Saúde acerta ao ampliar o portfólio de vacinas contra a Covid- 19. As oportunidades que se apresentam não podem ser desperdiçadas. A primeira é a russa Sputnik V, que demonstrou eficácia de 92%, de acordo com resultados publicados na revista médica “The Lancet”. Embora possa haver exagero nesse número, ela já vem sendo adotada em variados países, como Argentina, Hungria ou Quirguistão. O acordo para comprar 10 milhões de doses deve ser encarado como prioritário. Sua similaridade com a vacina Oxford/AstraZeneca permitirá que o princípio ativo seja depois produzido no Brasil. Na quarta-feira, a Anvisa anunciou mudança de protocolos para facilitar o uso emergencial no país de vacinas como a Sputnik.

Outra oportunidade que não pode ser perdida é a vacina da Janssen/Johnson & Johnson, uma das quatro testadas no Brasil. Ela demonstrou eficácia de 66%. Uma vantagem é ser aplicada em dose única, facilitando a logística. Finalmente, há a indiana Covaxin, do laboratório Bharat Biotech. Todas têm o perfil adequado para as condições de distribuição no Brasil. Na última quarta-feira, o governo informou que está negociando a compra de 30 milhões de doses da Sputnik e Covaxin.

Finalmente, o Ministério da Saúde parece ter acordado para a importância de apostar em diversas opções. É inadmissível repetir os mesmos erros que o levaram pôr todas as fichas na vacina Oxford/AstraZeneca e a ficar refém da importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) da China para produzi-la na Fiocruz. Como os insumos atrasaram, não se sabe quando essas doses estarão disponíveis.

É preciso agilidade também para garantir o novo lote de 54 milhões de doses da CoronaVac, produzida no Butantan a partir do ingrediente ativo chinês. Em boa hora, o governo recuou da postura arrogante de querer negociar apenas em maio, como previa o contrato com o Butantan.

Até agora, só foi vacinado 1,4% da população brasileira, quase todos com a CoronaVac — a vacina que Bolsonaro sempre demonizou. O número pífio não se deve a características do Programa Nacional de Imunização, que já foi referência no mundo, mas sim à escassez de vacinas. Em condições normais, o país tem capacidade de vacinar um milhão de pessoas por dia, como já fez de forma bem-sucedida em campanhas contra a gripe. Também teria plenas condições de ter desenvolvido vacinas próprias. Em termos de conhecimento científico na área, nada devemos a China, Índia ou Rússia.

Em meio à inépcia que domina a Saúde, faltou ao governo estabelecer o desenvolvimento de vacinas como prioridade e garantir aos centros de pesquisa as mesmas condições dadas no exterior (o caso da Rússia de Vladimir Putin é um exemplo a estudar). Não surpreende, num país em que o presidente da República põe em dúvida a eficácia das vacinas. Agora, só dá para tentar correr atrás do prejuízo.