O globo, n. 31966, 12/02/2021. Economia, p. 15

 

Ministro quebra o gelo com Huawei e provoca quarentena na China

Marcelo Ninio

12/02/2021

 

 

Fábio Faria visita fabricante de equipamentos para 5G. Cerca de 40 pessoas que estiveram com a comitiva ficarão em isolamento

Pouco mais de dois anos após a posse do presidente Jair Bolsonaro, período em que a ameaça de vetar a Huawei no leilão das redes 5G esteve quase sempre no ar, o governo brasileiro quebrou o gelo com a gigante chinesa de tecnologia com uma visita do ministro das Comunicações, Fábio Faria, à sede da empresa. Foi a última escala de um tour originalmente previsto para cinco países, mas que, devido a um caso de Covid-19 na equipe brasileira, ficou em quatro: Suécia, Finlândia, Japão e China. A passagem pela Coreia do Sul, para visitar a Samsung, foi cancelada.

A visita foi vista pela Huawei como oportunidade para mostrar a eficiência e competitividade de seus produtos e, acima de tudo, que tem meios para garantir a segurança cibernética de seus equipamentos nas redes 5G, a grande preocupação do Brasil.

Para a comitiva liderada por Faria, foi a chance de ver de perto as instalações de uma das líderes mundiais em telecomunicações, duas semanas após a divulgação das regras do leilão de 5G que liberou a participação da Huawei. Durante a visita, a comitiva estimou que o leilão pode ocorrer até o fim do semestre.

A viagem do ministro à China em meio às rígidas medidas de contenção da pandemia no país asiático demonstra a importância do tema para Pequim e o poder da Huawei. Desde o início da pandemia, só três autoridades estrangeiras foram à China.

USOS MÚLTIPLOS DO 5G

Faria e sua comitiva ficaram menos de 24 horas em solo chinês e foram liberados da quarentena exigida de todos os que chegam ao país do exterior. Mas, após a visita, encerrada na noite de quartafeira (no horário chinês), cerca de 40 chineses que tiveram contato com a comitiva precisaram iniciar uma quarentena de sete dias, de garçons a diretores da Huawei.

Isso na véspera do Ano Novo Chinês —que começa hoje —, principal festa do calendário nacional, que elevou o alerta contra o vírus em todo o país. Além dos chineses, entraram em quarentena o embaixador do Brasil na China, Paulo Estivallet, e o cônsulgeral do Brasil em Cantão, Frederico Meyer, que acompanharam a comitiva.

Composta de dez pessoas, a comitiva brasileira teve cerca de 11 horas para conhecer a Huawei, numa visita que incluiu a sede da empresa em Shenzhen, cidade no sul conhecida como o Vale do Silício da China, e seu centro de segurança cibernética em Dongguan (a cerca de 70 quilômetros da sede).

Após a visita, na qual receberam explicações sobre segurança cibernética e equipamentos de última geração, os membros da comitiva embarcaram de volta ao Brasil. Eles ficaram bastante impressionados com a capacidade tecnológica da empresa, segundo fontes.

Chamaram a atenção, especialmente, as várias utilidades da internet de quinta geração. Com velocidade 20 vezes superior à do 4G, ele pode ser usada, por exemplo, em cirurgias remotas, algo valioso em um país de grandes dimensões e que não tem unidades hospitalares em todas as cidades.

Outra demonstração foi oferecida nas ruas de Shenzhen, a cidade com a maior cobertura de 5G do mundo: a comitiva não precisou ser acompanhada de batedores, já que a tecnologia permitiu uma comunicação entre os veículos e os sinais de trânsito, que abriam caminho e fechavam os cruzamentos à medida que eles se aproximavam.

A visita começou com uma conversa por videoconferência entre Faria e Ren Zhengfei, fundador e CEO da Huawei. O ministro explicou a Ren que entre as regras do leilão está a exigência de que as vencedoras desenvolvam uma rede privada de alta segurança para o governo federal e as Forças Armadas.

Faria também falou por videoconferência com o brasileiro Marcelo Motta, diretor de cibersegurança da empresa para a América Latina.

APELO AINDA POR VACINA

“Segurança está no DNA da Huawei e os requisitos de segurança são integrados no modo com que nós projetamos e entregamos nossos produtos. Desde que foi fundada, em 1987, a Huawei jamais teve um único incidente grave de segurança cibernética”, afirmou a empresa em comunicado enviado ao GLOBO. “Todo ano nós investimos 5% do nosso orçamento de pesquisa em segurança cibernética. Nos próximos cinco anos, investiremos US$ 2 bilhões para aumentar a segurança de nossos produtos e serviços globalmente.”

Segundo fontes do setor, a Huawei tem 50% desse mercado no Brasil. A empresa espera consolidar ainda mais sua presença no país, agora que já não há mais risco de veto à sua participação no leilão do 5G.

A Huawei vê chances de 90% de sucesso no leilão, segundo fontes, por contar com uma experiência de 23 ano no Brasil e com a confiança das teles.

Para a chinesa, a maior parte da resistência do governo Bolsonaro se deve a questões geopolíticas, e não técnicas. Por isso, o fim do governo Donald Trump, que exercia forte pressão internacional para barrar a Huawei no 5G, foi visto como facilitador.

Além dos EUA, anunciaram que restringirão a presença da empresa Japão, Canadá, Austrália, Reino Unido, Suécia e França.

Faria ainda pediu ao CEO da Huawei que ajude na exportação de mais insumos chineses para a produção das vacinas contra a Covid-19 no Brasil. Ren prometeu apoio.