Correio Braziliense, n. 21082, 12/02/2021. Política, p. 4

 

Supremo diz não ao esquecimento

Sarah Teófilo 

12/02/2021

 

 

Por 9 votos a 1, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitaram a possibilidade de existência do direito ao esquecimento na esfera cível. Tal dispositivo não constava na legislação brasileira, mas sua premissa chegou a ser usada por magistrados em algumas decisões e a Suprema Corte analisava um recurso extraordinário com repercussão geral –– ou seja, um caso específico que terá efeito sobre todos os processos semelhantes e passará a balizá-los.

O debate do "direito ao esquecimento" atinge questões como liberdade de expressão, censura prévia e a própria importância histórica, como foi ressaltado pelos ministros no julgamento. O caso que desencadeou a tomada de decisão foi o assassinato da jovem Aída Curi, que chocou o Rio de Janeiro –– então capital do Brasil e Distrito federal ––, em 1958. Ela foi espancada por três homens por não ceder à tentativa de estupro coletivo, em um apartamento em Copacabana. Após as agressões e desacordada, ela foi jogada da janela e morreu na queda. O crime foi retratado pelo programa "Linha Direta – Justiça", em 2004, apesar de a família ter pedido que não fosse ao ar. Após a veiculação, parentes de Aída foram à Justiça contra a Rede Globo e o caso chegou ao Supremo.

A tese aprovada pelo plenário da Corte foi de que "é incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais".

"Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais –– especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral –– e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível", salienta a tese aprovada pelo STF.

O julgamento teve início na quarta-feira e foi finalizado ontem, quando votaram os ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio de Mello e o presidente da Corte, Luiz Fux. Antes, já haviam votado contra o esquecimento os ministros Dias Toffoli, que é o relator, Rosa Weber, Alexandre de Moraes e Kassio Nunes. O ministro Edson Fachin foi o único contrário e Luís Roberto Barroso declarou-se impedido.

Caso histórico
Em seu voto, Fux pontuou que o direito ao esquecimento pode ser aplicado para casos específicos, devendo ser analisado individualmente, mas frisou a importância da história e da informação. "Esse caso, além de histórico, é pedagógico, que se encaixa no direito que a população tem de conhecer fatos históricos, célebres", argumentou. O ministro ressaltou que o acesso integral e livre à informação "é um dos pilares da democracia, do regime republicano", em uma época em que se luta contra as fake news.

Cármen Lúcia também evocou a importância da história. "No caso dos autos, que aqui se teve um caso tristíssimo, grave, doloroso, mas entrou para os chamados anais da história. Como apagá-lo da memória de todos? Como não saber que a cada nova morte de uma mulher que é mostrada a gente precisa aprender outra vez na tragédia do dia a dia?", indagou.