Correio Braziliense, n. 21078, 08/02/2021. Artigos, p. 2

 

Anvisa: enquanto os papéis dormem, as pessoas morrem

Ricardo Barros 

08/02/2021

 

 

Brasil acaba de superar, lamentavelmente, a marca de 231 mil mortes pela covid-19, apesar de todo o esforço nacional para enfrentar a pandemia. Já no dia 2 de junho de 2020, o presidente Jair Bolsonaro autorizou a nossa participação no Acelerador de Vacina (ACT Accelerator), projeto internacional contra o novo coronavírus. Em seguida, firmamos o acordo para obter 100 milhões de doses da vacina de Oxford. O Brasil investiu R$ 1,9 bilhão nessa iniciativa.

Outro passo fundamental foi dado pelo presidente da República em 24 de setembro, ao editar a Medida Provisória (MP) 1003/20, que autorizou a adesão do País ao Instrumento de Acesso Global de Vacinas Covid-19 (Covax Facility).

O investimento para colaborar nesse esforço internacional foi de R$ 2,5 bilhões. Mais R$ 20 bilhões foram reservados em 17 dezembro, por meio da MP 1015/20, para a compra e distribuição de toda e qualquer vacina disponível.

Ao aprovar, em 18 de dezembro, a adesão à Covax Facility, a Câmara dos Deputados incluiu um dispositivo de grande relevância, confirmado agora pelo Senado: é o que obriga a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a conceder, em cinco dias a partir do pedido, autorização de uso das vacinas já referendadas pelas autoridades dos Estados Unidos, União Europeia, Japão, China, Canadá, Reino Unido, Russia, Coreia do Sul ou Argentina.

Não houve, na época, nenhuma contestação judicial da Anvisa à fixação do prazo sugerido pela Câmara. Afinal, era evidente a necessidade de proteger os brasileiros da pandemia.

Aliás, eventuais críticas ao limite de cinco dias seriam despropositadas, pois a Lei 14.006, de 28 de maio de 2020, já previa um tempo ainda mais curto, de 72 horas, para a Anvisa liberar a distribuição de qualquer insumo essencial ao combate à pandemia.

Foi uma forma de flexibilizar barreiras burocráticas, atendidos os requisitos de segurança, para agilizar o socorro aos cidadãos.

Portanto, a Resolução RDC 444 da Anvisa, que fixou 10 dias para análise, é ilegal, pois a lei em vigor dá 3 dias. Pedir o veto aos cinco dias é, na prática, tentar reduzir o prazo para o da lei vigente.

De que adiantaria termos investido R$ 524 bilhões em todas as frentes de combate à pandemia em 2020, conforme dados do Tesouro Nacional, para esbarrarmos agora, no momento decisivo da vacinação, em obstáculos burocráticos? A quem interessa esse tipo de protelação? São mais de mil óbitos por dia.

As recentes críticas da cúpula da Anvisa às demandas por agilidade, bem como a ameaça de recurso judicial contra o prazo fixado pelo Parlamento para a liberação de vacinas, não me parecem, infelizmente, motivadas por uma preocupação com a eficácia de processos. Na hipótese mais branda, poderíamos identificar uma preferência por regras internas, como o prazo de 10 dias. Ora, as leis aprovadas pelo Congresso Nacional têm, claro, precedência sobre regulamentos; portanto, quem enquadra a Anvisa é a lei.

O grande número de emendas à MP nº 1026/2021, que trata da vacinação, mostra a determinação do Congresso em estabelecer, em lei, mais regras para serem seguidas pela Anvisa, o que será uma legítima expressão da vontade do povo. Um enquadramento.

Prefiro não imaginar que o comando da Anvisa esteja preocupado com algum outro aspecto estranho ao seu escopo de atuação.

Seria, talvez, um apego excessivo ao status de agência de excelência, o que é muito bom, mas não numa pandemia sem precedentes.

É revelador notar que, na gestão anterior da Anvisa, foi baixada a Resolução nº 203, de 26 de dezembro de 2017. Ela reduziu, de 10 dias para até 48 horas, o prazo de análise de importação, em caráter excepcional, de medicamentos durante emergências nacionais ou internacionais de saúde pública. Sim, 48 horas! Esse prazo garantia antes a análise de segurança e eficácia de medicamentos e foi aprovado pela própria Anvisa. O que explicaria, agora, tamanho incômodo com o limite de cinco dias concedido pelo Congresso? Teria a Anvisa ficado mais lenta? O fato é que o Brasil só tem acesso, hoje, a duas das 11 vacinas aprovadas em agências reguladoras e em uso no mundo: Epi- VacCorona; BioNTech/Pfizer; Moderna; CanSino; Sputnik V; Oxford/AstraZeneca; Covishield; Covaxin; Sinopharm; Sinopharm Inativado; e CoronaVac.

Depois de a Anvisa se antecipar ao meu Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 8/21, que retira a exigência da terceira fase de testes, proposta agora apoiada por cientistas, já tivemos vários novos pedidos de registro de vacinas, provando que a burocracia era excessiva e o Congresso tinha razão.

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Centrão x anvisa o novo front na guerra da vacina 

Luís Carlos Azedo 

08/02/2021

 

 

A polêmica entre o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), e o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, é a primeira queda de braços entre os políticos do Centrão e os militares do governo Bolsonaro após a eleição do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Colega de bancada de Lira, Barros foi um dos protagonistas da campanha que conquistou 302 votos na Casa. Engenheiro e ex-prefeito de Maringá (PR), o líder do governo é um dos nomes cotados para substituir o general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, do qual foi titular no governo Michel Temer. Quer liberar vacinas importadas em cinco dias, sem testagem no Brasil.

Médico e contra-almirante, Barra Torres comanda a Anvisa como se estivesse num navio. Responde por tudo a bordo e tem prestigiado o corpo técnico da autarquia, cujo padrão de excelência é reconhecido internacionalmente.

A pressão de Barros sobre a Anvisa, segundo o próprio, é uma questão do Congresso e não do governo. Os deputados e senadores voltaram do recesso pressionados pelos eleitores a resolverem logo o problema da vacina. “A Anvisa tem seu ritmo e sua visão de velocidade e, o Congresso tem a velocidade do povo. Fomos para a base e vimos o retorno: o maior receio é da falta de vacina”, justificou. O parlamentar tem sido duro com os técnicos da Anvisa, defendendo a mudança de legislação, se for o caso, para liberação dos medicamentos.

Barra Torres, que vem atuando sob fortes pressões do próprio presidente Jair Bolsonaro, dos governadores e do corpodezemcientífico, é diplomático, mas politizou a crise. “A quem interessa o enfraquecimento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária?”, pergunta. Em entrevista, na semana passada, disse que sempre teve uma boa relação com Barros e defendeu a agência: “É a mais rápida do mundo em análise de protocolos vacinais”, disse. Barra Torres nega que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ou qualquer ministro da Saúde em sua gestão tenha feito qualquer tipo de pressão à Anvisa, antes ou durante a pandemia de covid-19: “O presidente da República, Jair Bolsonaro, nunca, em momento algum, exerceu qualquer tipo de pressão sobre a agência. Nunca fez um pedido, nunca disse 'gostaria que aprovasse isso ou aquilo'. E ele é o chefe do Executivo. Nunca fez”, afirmou Torres.

Briga de laboratórios

O que esticou a corda entre o líder do governo na Câmara e o presidente da Anvisa foram as dificuldades para liberação das vacinas já aprovadas no exterior para uso imediato no Brasil, entre as quais a vacina russa Sputnik V. Das 11 vacinas já em uso no mundo, todas aprovadas por agências reguladoras reconhecidas internacionalmente, somente duas, até agora, estão sendo usadas no Brasil, o que aumentou o estresse entre os políticos e a agência. Segundo Ricardo Barros, a exigência de 10 dias para a liberação do uso emergencial, como queria a Anvisa, é ilegal. “O presidente deve sancionar a medida aprovada pelo Congresso que estabelece 5 dias; a própria Anvisa havia estabelecido um prazo de 72 horas”, esclarece.

Segundo Ricardo Barros, a exigência de testagem em território nacional para vacinas já aprovadas por agências reguladoras no exterior custa US$ 80 milhões, o que dificulta a compra de vacinas. “Sem essa exigência, não faltará vacinas; todos os governos e planos de saúde poderão comprar. Cerca de 50 milhões de brasileiros têm plano de saúde, haverá vacina pra todos”, argumenta o líder do governo.

No caso da Sputnik V, há um ingrediente a mais: a disputa entre a Fiocruz e o Butantan e a União Química, fabricante da Sputnik V no Brasil. O presidente da empresa, Fernando Marques, acusou os laboratórios públicos de dificultarem a chegada de vacinas produzidas por laboratórios privados. A Sputnik V é produzida pela farmacêutica, que tem um acordo com o Fundo Soberano da Rússia e o Instituto Gamaleya para receber tecnologia e trazer doses prontas do imunizante para o Brasil.

Até o momento, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária autorizou duas vacinas, produzidas por laboratórios públicos brasileiros: a Coronavac, do Butantan, e a AstraZeneca, da Fiocruz.

A Sputnik é a primeira fabricante privada a firmar contrato de venda de vacinas com o governo brasileiro. Seriam 10 milhões de doses, inicialmente.

Mas, antes da nova vacina ser utilizada, a União Química precisa obter a autorização de uso emergencial da vacina no Brasil.