O globo, n. 31964, 10/02/2021. País, p. 6

 

Bolsonaristas reagem a empresas de tecnologia

Marlen Couto

10/02/2021

 

 

 Recorte capturado

Governistas apresentam projetos para impedir remoção de conteúdos de redes sociais e pedem investigação sobre bloqueios de contas; movimento ganhou força após plataformas restringirem publicações desinformativas

As grandes plataformas de tecnologia entraram na mira de bolsonaristas. A ofensiva ocorre por meio de projetos de lei para impedir a remoção de conteúdos de redes sociais e de pedidos de explicação e investigação sobre bloqueios de contas.

O movimento ganhou força após Facebook, Twitter e YouTube adotarem medidas para restringir publicações desinformativas ou que incitem a violência. Em um mês, foram excluídos perfis do expresidente americano Donald Trump após publicações incentivando o ataque ao Congresso dos EUA, postagens de Bolsonaro e do Ministério da Saúde receberam selos do Twitter com aviso de conteúdo desinformativo e o canal bolsonarista Terça Livre foi excluído do YouTube.

Como mostrou O GLOBO a atuação das redes também motivou uma reação do governo Bolsonaro para pressionar as empresas de tecnologia em fóruns internacionais. Em território nacional, a estratégia ficou a cargo principalmente de parlamentares da ala governista do PSL.

Desde que canais do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, entre eles o Terça  Livre, foram removidos por violar regras da plataforma, aos menos três projetos de lei já foram protocolados na Câmara para limitar o poder das redes na moderação de conteúdo. O primeiro foi apresentado pelos deputados Luiz Philippe de Orleans e Bragança (SP), Filipe Barros (PR) e Helio Lopes (RJ), todos do PSL. Eles querem condicionar a decisões judiciais a remoção de postagens ou redução de seu alcance. Já Caroline de Toni (PSL-SC) propõe a responsabilização civil de provedores que “rotularem conteúdos que expressem a opinião do usuário”. Por fim, uma proposta de Daniel Silveira (PSL-RJ) veda a retirada de mensagens “em desacordo com as garantias constitucionais de liberdade de expressão”.

— Não foi proposto que elas não possam remover. Elas podem, desde que exista um caso concreto que afete o ordenamento jurídico e moral. O que vem ocorrendo é que estas empresas apenas agem em detrimento de perfis com ideologias políticas antagônicas às de seus CEOs —afirmou o deputado.

Em outra frente, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) acionou a Procuradoria-Geral da República (PGR) para que abra um inquérito civil e ingresse com ações judiciais para o imediato restabelecimento dos canais de Allan dos Santos, que é investigado nos inquéritos do Supremo Tribunal Federal (STF) que apuram a disseminação de fake news e a organização de atos antidemocráticos. No dia seguinte, sem citar o blogueiro, o secretário de Cultura, Mário Frias, determinou que a Secretaria de Direitos Autorais e Propriedade  Intelectual (SDAPI), vinculada ao órgão que comanda, notifique o YouTube para que explique os atos de suspensão de usuários da plataforma.

ESTRATÉGIA

Pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT-DD), João Guilherme Bastos destaca que a reação parte principalmente da remoção dos canais de Allan dos Santos por seu impacto financeiro:

— Há uma raiz material muito nítida, que é o financiamento de toda uma rede de extrema direita que vai perder fonte de renda.

Marco Aurelio Ruediger, da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/ FGV ), vê a reação de bolsonaristas como uma estratégia para as eleições presidenciais e critica a falta de transparência das empresas do setor:

—As políticas não são claras e alimentam a possibilidade desse tipo de manobra. Ao mesmo tempo, há um temor de ação mais duras das plataformas. Esse é um movimento preventivo da base do presidente já pensando em 2022 para garantir que seu espaço de atuação fique desobstruído nas redes. O que querem no fundo é que não haja nenhum tipo de moderação.