O globo, n. 31965, 11/02/2021. Mundo, p. 19

 

Mudança de opinião

Camila Zarur

11/02/2021

 

 

Pesquisas indicam que maioria dos americanos agora apoia impeachment

Uma estreita maioria de americanos é favorável à condenação do ex-presidente americano Donald Trump em seu segundo processo de impeachment. É o que mostram pesquisas de opinião recentes, nas quais o percentual daqueles que querem o impedimento do ex-chefe da Casa Branca passa dos 50%. Esse é um cenário diferente do enfrentado pelo republicano na primeira vez em que foi a julgamento no Senado, no início de 2020. Na época, o número de favoráveis ao impeachment era de 47%, com a maioria contra, segundo a média de pesquisas feita pelo site Five Thirty Eight. A diferença se deve às distintas acusações contra Trump.

Desta vez, o ex-presidente é acusado de “incitação à insurreição” contra a ordem constitucional por ter insuflado seus apoiadores a invadiremo Congresso americano para impedira confirmação da vitória de Joe Biden nas eleições. O Capitólio, no dia 6 de janeiro, resultou na morte de cinco pessoas e obrigou parlamentares a fugirem do plenário, interrompendo a sessão conjunta da Câmara e do Senado que confirmaria os votos do Colégio Eleitoral. Essa era a última etapa de uma eleição que foi insistentemente chamada por Trump de “fraudulenta”, embora as mais de 60 ações que ele e seus aliados impetraram contra o pleito tenham sido rejeitadas por falta de fundamentos.

As imagens da invasão, que chocou o país, foram mostradas em um vídeo de 13 minutos no primeiro dia do julgamento de Trump no Senado. Nelas, é possível ver o então presidente incitando seus apoiadores a marcharem até o Capitólio para interrompera conclusão do processo eleitoral. Em seguida, aparecem os invasores rompendo as barreiras de contenção do no Congresso, carregando bandeiras e símbolos pró-Trump.

FATO INTERNO PESOU MAIS

As imagens usadas como prova contra Trump mostram uma situação bem diferente daquela relacionada ao primeiro impeachment. Na ocasião, ele era acusado de abuso de poder por pressionar o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, a investigar Biden e o filho dele, Hunter, que tinha negócios no país europeu. Biden, na época, era pré-candidato democrata à Casa Branca.

—É uma questão de fatos diferentes, circunstâncias diferentes. Ligar para um presidente estrangeiro é uma coisa, incitar uma revolta contra o Congresso é outra. E a população vê com muito mais seriedade este último — disse ao GLOBO David Schultz, cientista político e professor da Universidade Hamline, explicando o aumento do percentual de apoiadores do impeachment agora.

Segundo a pesquisa Gallup divulgada na segunda-feira, 52% dos americanos são a favor da condenação do ex-presidente, enquanto 45% são contra. No primeiro impeachment, 46% afirmaram ser favoráveis à sua retirada da Presidência, e 51%, contrários. Na sondagem da CBS News/You-Gov, de terça-feira, a porcentagem dos que querem que Trump seja condenado por incitar a violência é ainda maior, com 56% — é o mesmo percentual de entrevistados que afirmaram que o republicano encorajou o ataque ao Capitólio e que o impeachment é uma forma de “defender a democracia americana”. Esse também é o mesmo índice encontrado na pesquisa ABC News/Ipsos de domingo.

No entanto, é muito improvável que a opinião pública influencie o resultado do julgamento no Senado, segundo explica o professor de Relações Internacionais Vinícius Viera, da FAAP.

Com os republicanos e democratas tendo 50 cadeiras cada na Casa, o partido de Biden tem uma leve vantagem devido ao voto de minerva da vice-presidente Kamala Harris, que atua como presidente do Senado. Porém, são necessários 67 votos para o impeachment —isto é, 17 senadores republicanos teriam que votar contra o ex-presidente, e até agora só seis se mostraram inclinados a fazê-lo.

Além disso, a composição do Senado também favorece estados mais rurais e conservadores, que apoiam Trump, conforme aponta Vieira.

— A política americana é muito paroquial. Ou seja, não importa a opinião pública nacional, o que é determinante é opinião pública nos estados. Caso haja uma mudança no humor nesses estados do Centro e do Sul do país, considerados tradicionalmente republicanos, é óbvio que os senadores não vão querer perder seu eleitorado (e votarão contra Trump) — explica o professor, ressaltando que essa mudança de posição é improvável.

‘INCITADOR EM CHEFE’

Tal improbabilidade está explícita nas pesquisas que indicam que os eleitores do partido não querem a condenação de Trump. Segundo o Gallup, 80% dos republicanos se opõem ao impeachment. E na sondagem da CBS News/YouGov, 73% dos republicanos querem que o partido se mantenha fiel a Trump, e 71% afirmam que os correligionários que apoiarem o impeachment e a condenação devem ser considerados “desleais”.

Ontem, na abertura das exposições orais no julgamento de impeachment, os deputados democratas que atuam como promotores apresentaram imagens inéditas do ataque ao Capitólio, e estabeleceram as bases do argumento para provar que Trump teve papel central na invasão. O deputado Jamie Raskin disse que Trump não foi um mero observador, e que, além de incitar a invasão, acompanhou os sinais de que atos de violência ocorreriam e nada fez para evitá-los.

— Mostrarei que Donald Trump abandonou seu papel como comandante em chefe e se tornou o incitador em chefe de uma insurreição perigosa, e levou adiante, como um dos nossos colegas colocou de forma tão límpida em 6 de janeiro, a maior traição do juramento presidencial na História dos EUA —declarou Raskin.