O globo, n. 31965, 11/02/2021. Economia, p. 15

 

Banco Central ganha autonomia

Bruno Góes

Gabriel Shinohara

11/02/2021

 

 

Presidente e diretores da autarquia terão mandatos fixos

A Câmara dos Deputados aprovou ontem o projeto de lei que determina a autonomia do Banco Central (BC). O texto era uma das propostas da lista de prioridades entregue pelo governo ao novo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e foi escolhido para sinalizar o apoio do Legislativo à agenda liberal defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes — embora o avanço em outras pautas, como a reforma tributária e as privatizações, seja considerado mais difícil. A medida tem como principal objetivo blindar a autoridade monetária de eventuais interferências políticas ao estabelecer, entre outros pontos, mandato fixo para o seu presidente.

O projeto foi aprovado na Câmara por 339 votos a favor, 114 contrários e uma abstenção. Como foi analisado pelo Senado no ano passado, segue para sanção presidencial.

Em uma rede social, Lira classificou a proposta de “conquista histórica do país”, fruto do “engajamento do Legislativo”. Já a autoridade monetária afirmou, em nota, que a medida “proporcionará maior confiança de que o Banco Central será capaz de cumprir seus objetivos”.

A diretoria do BC também terá mandato fixo. Além disso, o presidente da República não poderá demitir seus membros sem que eles apresentem “comprovado e recorrente” desempenho insuficiente e sem a aprovação da maioria absoluta no Senado.

30 ANOS DE DISCUSSÃO

A proposta define que o mandato de um presidente do BC terá duração de quatro anos, começando no terceiro ano de mandato do presidente da República. Dessa forma, as gestões seriam intercaladas. Cada presidente do BC trabalharia dois anos em cada mandato presidencial. Já os diretores serão trocados em duplas a cada início de ano.

O texto estabelece ainda três objetivos secundários: zelar pela estabilidade e eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e o fomento ao pleno emprego. Este último objetivo causou discussão quando a proposta estava sendo analisada pelo Senado no fim do ano passado, mas foi aceito pelo presidente da autarquia, Roberto Campos Neto. A preocupação é que a medida causaria um duplo mandato para o BC, o que poderia dificultar o andamento da política monetária.

A aprovação da medida ocorre após mais de 30 anos de discussão. Em 1989, o então senador Itamar Franco apresentou um projeto sobre o tema, que, junto a outros textos, estava em tramitação até 2019. O debate voltou a esquentar em 2019, quando a proposta recebeu apoio do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Com o início da pandemia, o projeto ficou na gaveta, o que acirrou o atrito entre Guedes e Maia.

Já em setembro, outro texto com teor parecido foi aprovado no Senado. De autoria do senador Plínio Valério (PSDBAM), o projeto ganhou apoio do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para marcar o início de sua gestão na Casa. No fim da semana passada, Lira trocou o relator do projeto: tirou Celso Maldaner (MDB-SC), indicado por Maia, e colocou Sílvio Costa Filho (Republicanos-PE), da base que o apoiou na eleição. A proposta ganhou tração e foi colocada na pauta de votação.

Após a aprovação, Costa Filho afirmou que a medida contribui para que um BC autônomo cumpra o papel de controle da inflação e do equilíbrio da taxa de juros:

— O maior aliado da geração de emprego e renda são os juros baixos, porque, quando tem juros baixos, o setor produtivo tende a investir para gerar emprego e renda.

NÃO SERÁ COMO O FED

Mesmo com a aprovação de sua autonomia, o BC brasileiro não será o Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que opera com total independência do governo na condução da política monetária para manter preços estáveis e nível de emprego, dizem especialistas. O Banco Central do Brasil é o único, entre os países que adotam meta de inflação, cuja diretoria não tem mandato fixo.

—Não acredito que vai ter a mesma liberdade (que o Fed). Aqui a instituição sempre esteve sob a tutelado Ministério da Economia. Então não vai ser muito diferente do que temos hoje—diz Sidnei Nehme, economista e diretor executivo da NGO Corretora de Câmbio.

Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora de câmbio, observa que hoje o governo coloca na presidência do BC pessoas com a mesma posição político-econômica.

—Um presidente do BC que não seja alinhado com o governo pode gerar algum tipo de atrito, aumentando a incerteza do mercado sobre as políticas econômicas —diz Velloni, ressaltando que a indicação de um presidente com perfil técnico reduziria esse risco.

A economista Juliana Inahz, professora do Insper, alerta sobre a questão do emprego:

— O BC, pelas condições de política monetária, controla a inflação. E o emprego deve ser consequência dessa boa política monetária.