Correio Braziliense, n. 21076, 06/02/2021. Política, p. 4

 

Iniciativa do PT provoca críticas

Augusto Fernandes 

Luiz Calcagno

06/02/2021

 

 

O PT quer antecipar as discussões sobre o pleito presidencial do ano que vem, e o nome do partido que concorreu ao Executivo em 2018, Fernando Haddad, foi instruído pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a se colocar como o pré-candidato da legenda ao Palácio do Planalto. A ideia do líder petista é ter mais tempo para consolidar um projeto de esquerda que seja capaz de derrotar o presidente Jair Bolsonaro. No entanto, o plano de Lula deixou algumas lideranças progressistas receosas, o que pode comprometer a união da oposição para 2022.

Por telefone, Haddad confirmou ao Correio as pretensões de Lula. Uma reunião, no sábado passado, entre os dois selou a pré-candidatura de Haddad. Segundo ele, o ex-presidente teme que o partido esteja atrasando demais o início de um projeto para tirar Bolsonaro do poder e, por isso, Haddad deve "colocar o bloco na rua" imediatamente.

A ideia do PT era esperar que o Supremo Tribunal Federal (STF) restabelecesse os direitos políticos de Lula no julgamento que analisará a suspeição do ex-juiz Sergio Moro para, depois, iniciar a campanha ao Planalto com o ex-presidente. Contudo, o partido acredita que essa decisão deve levar muito tempo. Lula, portanto, decidiu que a legenda não pode ficar à mercê da Corte e que é preciso se movimentar logo para ter alguma chance nas eleições do ano que vem.

De acordo com Haddad, se o Supremo vier a tomar uma decisão favorável a Lula, o PT retornará ao plano inicial de lançar o nome do ex-presidente ao pleito de 2022. Enquanto isso, Haddad ficará responsável por rodar o país e apresentar as propostas do partido, encorpando a candidatura do PT ao Executivo. No caso de o STF manter as condenações contra Lula, ele seguirá como a aposta da sigla.

Para Haddad, o início dos trabalhos por parte do PT, mesmo que muito antes das eleições de 2022, pode ser fundamental para reunir a esquerda em torno de um plano capaz de vencer Bolsonaro. "Acho que o bolsonarismo exige um compromisso de toda oposição em derrotar esse projeto. Então, nós temos que construir uma unidade de segundo turno. Quem for o democrata que vai ao segundo turno vai contar com o apoio para derrotar o bolsonarismo, que é uma ameaça civilizatória ao país", enfatizou.

Receio

O PSol defendeu o direito de Lula indicar um candidato. Ainda assim, membros do partido consideraram o movimento precipitado. Para Guilherme Boulos — que concorreu às eleições presidenciais em 2018 e foi candidato à prefeitura de São Paulo em 2020, com uma campanha que ganhou destaque nacional —, o mais importante é a unidade das legendas de esquerda.

"Não quero ficar estendendo uma polêmica. Todos os partidos têm legitimidade e o direito de lançar candidatos. O PT tem. O PDT já lançou o dele, que é o Ciro (Gomes). PSol tem, PCdoB tem. Só acho que, neste momento, em se tratando da gravidade da conjuntura do país, com Bolsonaro, o melhor caminho para a esquerda é buscar construir unidade", afirmou. "É isso que eu defendo, é isso que eu vou buscar fazer, e acho que isso começa com uma mesa de debates sobre projetos, quais são as confluências. O nome é um ponto de chegada, e não um ponto de partida."

O presidente nacional do PSol, Juliano Medeiros, foi na mesma linha. Ele ressaltou que o momento é de discutir um programa. "O que posso dizer é que é um direito deles, embora, como disse Boulos, melhor seria discutir um programa em vez de nomes", destacou.

Unificação

Em outubro, o também presidenciável Ciro Gomes acenou aproximação com Lula, que seria um primeiro passo para encontrar um caminho de unificação para os partidos. Embora o gesto tenha sido considerado importante, parlamentares alertaram, à época, que o diálogo entre os dois principais líderes da esquerda no país era apenas um pequeno passo em uma longa caminhada. O PT é criticado em alguns setores da esquerda como um partido que só pensa em si.

A reunião entre os dois ocorreu pouco antes das eleições municipais, adiadas para novembro por conta da pandemia do novo coronavírus. À época, parlamentares das duas legendas, PT e PDT, assinalaram que, embora o clima no bloco da oposição da Câmara seja bom, os partidos têm "divergências de fundo bastante grandes", como confessou um líder partidário petista. Por sua vez, um pedetista foi ainda mais a fundo. Ele destacou que o caminho de unificação das esquerdas é muito importante, mas que o encontro foi uma "visita feita por Ciro a Lula", e não um movimento institucional de aproximação.