Correio Braziliense, n. 21075, 05/02/2021. Cidades, p. 13

 

45 mil idosos vacinados no DF

Samara Schwingel 

05/02/2021

 

 

Quatro dias depois do início da vacinação contra a covid-19 na população com mais de 80 anos no Distrito Federal, cerca de 45 mil pessoas dessa faixa etária receberam a primeira dose de imunizantes contra o novo coronavírus. A quantidade é superior à estimada pela Secretaria de Saúde (SES-DF) quando começou a imunização. No entanto, esse total inclui pessoas que não moram na capital federal, como a população de cidades do Entorno ou de outras regiões do país (leia Para saber mais).

Nesse período de atendimento, enquanto alguns pontos registraram filas, falta de vacinas e atraso na chegada de doses, outros tiveram imunizantes de sobra e nenhum idoso à espera. Foi o que a equipe do Correio flagrou nas unidades básicas de saúde (UBSs) da 114/115 Norte e da 612 Sul; nos drive-thrus do Pontão do Lago Sul e de Águas Claras; e no ponto de vacinação instalado em um ginásio no Paranoá. Apesar de a discrepância entre os postos preocupar especialistas, a SES-DF reiterou não haver risco de perdas de doses. As que sobram, segundo a pasta, são remanejadas para áreas com maior demanda ou voltam para a Rede de Frio Central.

No Paranoá, cerca de 80% dos idosos da região administrativa receberam a primeira dose, segundo estimativa da coordenação do ponto de atendimento. Na tarde de ontem, o cenário era semelhante no drive-thru do Pontão: depois de a equipe aplicar cerca de 200 doses pela manhã, às 13h, o movimento ficou mais devagar. Por volta desse horário, ainda havia cerca de 180 doses da CoronaVac disponíveis (leia Diferenças).

Maria Célia da Silva, 83 anos, foi uma das poucas pessoas que passou pelo Pontão enquanto a reportagem estava no local, na tarde de ontem. Moradora da Asa Sul, ela preferiu ir a um drive-thru, por medo de filas e aglomerações. "Fui informada de que o local estava mais tranquilo, sem filas e que tinha doses. Além disso, há menos risco de exposição. Por isso, preferi me deslocar do que ir a uma UBS perto de casa", contou Maria Célia. A aplicação do imunizante durou menos de um minuto.

Ontem, a Secretaria de Saúde inaugurou um novo ponto de vacinação contra a covid-19 por drive-thru. O posto fica na entrada do shopping Iguatemi, no Lago Norte. A medida visa otimizar a imunização. Com a atualização, o total de locais com atendimento nesse modelo no DF subiu para 12.

Demora
No Cruzeiro Velho, a situação foi outra. O início da vacinação passou de meia hora, pois o estoque da unidade de saúde estava zerado, e a chegada de mais imunizantes atrasou. Enquanto isso não acontecia, os idosos tiveram de voltar para casa ou esperar o reabastecimento. Morador do Cruzeiro Novo, Sebastião Cairos de Andrade, 81, reclamou do tempo que ficou na fila. "É uma esperança resolver o problema do novo coronavírus, que é essa pandemia terrível. Mas demoraram muito para entregar as doses aqui", lamentou.

Para o infectologista do Hospital das Forças Armadas (HFA) Hemerson Luz, o cenário demonstra falta de organização. "Seria preciso ter uma noção de quantas pessoas foram vacinadas em cada região e, assim, distribuir mais corretamente as doses. Desse jeito, as vacinas de Oxford, por exemplo, correm o risco de serem desperdiçadas, uma vez que a aplicação precisa ocorrer em até seis horas", ressalta. Ele reforça que as pessoas devem se vacinar em locais próximos de onde moram, porque isso facilita o planejamento e a distribuição correta das doses pela SES-DF. "Evita que um local fique sobrecarregado e que outro tenha baixa demanda", completa Hemerson.

Ontem, a juíza titular da Vara de Execuções Penais (VEP), Leila Cury, solicitou à Secretaria de Saúde a vacinação imediata contra a covid-19 de todos os internos do Sistema Penitenciário do Distrito Federal. Inclusive aqueles com mais de 80 anos.

Remanejamento
A Secretaria de Saúde informou que está ciente da diferença de cenários encontrados nos pontos de vacinação pela cidade. Isso ocorre, segundo a pasta, porque, em algumas regiões, toda a população com mais de 80 anos foi vacinada. Além disso, um comunicado técnico do Ministério da Saúde detalha que, tanto a Covishield — da Oxford/AstraZeneca — quanto a CoronaVac contêm, em um frasco, quantidade suficiente para 10 doses. Após abertas, elas precisam ser aplicadas em até seis ou oito horas, respectivamente. Caso o prazo esteja perto de vencer, a orientação, segundo o documento do órgão federal, é de que se otimizem as doses disponíveis em frascos abertos, direcionando-as para outras pessoas pertencentes aos grupos prioritários do plano de imunização contra a covid-19.

Infectologista do Hospital de Base, Magali Meirelles comenta que, pelo fato de a vacina ser um produto perecível em temperatura ambiente, quanto antes ocorrer a aplicação da dose após abertura do frasco, melhor. "Isso garante a eficácia e a segurança do procedimento. É necessário respeitar o tempo limite de horas das vacinas em questão", reforça Magali.

Colaboraram Ana Isabel Mansur, Darcianne Diogo e Pedro Marra

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Entrevista - Roberto Bittencourt 

Ana Clara Avendaño 

05/02/2021

 

 

No programa CB.Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília —, ontem, o médico e pesquisador do Observatório PrEpidemia, da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Bittencourt avaliou que a maior dificuldade do Distrito Federal no processo de imunização contra a covid-19 é o acesso à vacina. “Já está sendo levantada a possibilidade de interromper a vacinação”, alertou, em entrevista à jornalista Jéssica Eufrásio.

Em quase um ano de pandemia, quais foram os erros e acertos?

O indicador mais importante para se fazer uma análise de como foi o enfrentamento é o padrão de número de óbitos por 100 mil habitantes. Ele revela que existem três grandes blocos de continentes com enfrentamentos e resultados distintos. Ásia, Europa e América, cada uma com uma abordagem diferente. Nós consideramos, hoje, que o padrão ouro de enfrentamento da pandemia é o que foi feito nos países asiáticos. A taxa de mortalidade por 100 mil habitantes é impressionantemente baixa. O centro de enfrentamento à pandemia nesses países foi a vigilância epidemiológica. Na Europa, a marca é o lockdown, são países com uma condição socioeconômica que permite à população ficar em casa, mas o resultado não foi bom. Vários países estão com a taxa acima de 150 óbitos por 100 mil (habitantes). Na América, o padrão de enfrentamento da pandemia foi o negacionismo. Países como Estados Unidos e Brasil têm mortalidades altíssimas, acima de 120 por 100 mil habitantes.

A Anvisa retirou a exigência de apresentação de estudos da fase três para autorizar o uso emergencial das vacinas. Que implicações essa decisão traz?

À medida que a Sputnik apresentou a fase 3, publicada fora do Brasil na Lancet, uma das revistas científicas mais sólidas do mundo, nós tínhamos de considerar isso como uma etapa cumprida. Temos de abrir o leque para outras vacinas de outros países. Estamos nessa corrida contra o tempo. A pandemia não acabou, as cepas estão se modificando, e as vacinas têm um prazo de imunização.

Aqui, temos um modelo público de saúde exemplar na concepção. Na avaliação do senhor, quais potenciais desse sistema acabaram prejudicados por causa de problemas de gestão?

Na verdade, não existe um Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, mas um sistema misto, um sistema privado e público, sendo que este último foi muito sucateado. O ponto alto do SUS são as unidades básicas de saúde (UBSs), distribuídas em todos os municípios brasileiros, com um contingente de quase 400 mil profissionais especializados no combate a endemias. Nós tínhamos condições de fazer um enfrentamento (à pandemia), mas faltou liderança.

Desde o ano passado, o senhor fala sobre a importância do monitoramento por meio da vigilância epidemiológica. Como a rede nacional de saúde da qual dispomos poderia contribuir?

O que precisava ser feito era conter os casos positivos. Não custaria muito que os casos positivos ficassem em quarentena, 14 dias isolados. Aqueles que não tivessem condições de ficar isolados teriam que ter um apoio social e, dessa maneira, rastrearíamos os contatos e eliminaríamos a transmissão. A solução é eliminar a transmissão. É uma situação extremamente simples, é muito mais barata do ponto de vista de custo-benefício, de eficiência do sistema, para conter a pandemia. Isso poderia ser feito sem nenhum problema. Nós temos um pessoal treinado e infraestrutura. Imagina fazer isso durante o ano inteiro. Conseguiríamos conter (o avanço), como aconteceu nos países asiáticos.

Estagiária sob a supervisão de Guilherme Marinho