Correio Braziliense, n.21072, 02/02/2021. Política, p. 2

 

Lira propõe urgência contra covid e anula ato de Maia

Renato Souza 

Luiz Calcagno 

Bruna Lima 

02/02/2021

 

 

Eleito, ontem, à Presidência da Câmara com 302 votos, Arthur Lira (PP-AL) fez um discurso conciliador, defendendo a necessidade da vacina e de um consenso na elaboração de uma pauta emergencial em meio à pandemia. Mas, no primeiro ato como chefe da Casa Legislativa, tomou medidas extremas: cancelou a eleição da Mesa Diretoria e anulou a formação do bloco do principal rival, Baleia Rossi (MDB-SP), sob o argumento de que o registro do grupo foi feito fora do prazo — embora tenha sido aceito pelo então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele afirmou que, dessa forma, estava "devolvendo a dignidade e o respeito ao regimento e à soberania desta Casa". O bloco do candidato emedebista tinha PT, MDB, PSDB, PSB, PDT, Solidariedade, PCdoB, Cidadania, PV e Rede.

Com isso, hoje, os partidos terão até as 13h para formar novos blocos pleiteando cargos na Mesa Diretora — como vice-presidência, secretarias, suplências. A eleição do colegiado está marcada para 16h. A maior bancada da Câmara, pertencente ao PT, ainda deve conseguir espaço, porém, o partido não ficará mais com a primeira secretaria. Lira tomou a iniciativa porque o PT registrou a candidatura seis minutos depois do prazo, às 12h. Já o MDB registrou a formação do bloco de Rossi às 13h35, mais de uma hora depois. O bloco de Lira protestou, mas foi ignorado.

Rossi já havia afirmado não acreditar que o candidato do presidente Jair Bolsonaro e líder do Centrão faria essa manobra. Antes da decisão sobre a dissolução, Lira chegou a dizer que admirava o emedebista e afirmou que qualquer desentendimento com Maia seria menor do que o desejo de ambos por um país melhor.

À parte da iniciativa abrupta, Lira fez um discurso em que destacou a importância do socorrer os mais vulneráveis nesta pandemia. "Precisamos, urgentemente, amparar os brasileiros que estão em estado de desespero econômico por causa da covid-19 e temos de examinar como fortalecer nossa rede de proteção social", enfatizou. Ele destacou, também, a importância de imunizar a população. "Temos de vacinar, vacinar, vacinar o nosso povo. Temos de buscar o equilíbrio de nossas contas públicas, de dialogar com a sociedade e o mercado, de forma transparente, para que haja uma compreensão do que é possível e não é possível fazer e daquilo que, de forma previsível, pode ser pactuado ou não."

Ele prometeu manter a neutralidade que a cadeira exige, renunciando "ao direito de ter posições, o direito do voto". "Tenho as minhas opiniões, mas como presidente da Câmara, minha opinião deve refletir à da maioria desta Casa", destacou.

Reformas
A necessidade de avançar nas reformas também foi ponto marcante do discurso. No entanto, o presidente da Câmara não definiu qual seria a prioridade. "Essa não é uma resposta que cabe ao presidente da Câmara. Esta é uma pergunta que o presidente da Câmara deve fazer a todas as senhoras e senhores parlamentares, ao governo, aos setores da sociedade civil, aos sindicatos, aos setores produtivos, ao mercado. Para, só então, obter uma resposta e dar à sociedade". Ele disse que, com o Senado, vai propor uma pauta emergencial, para dar celeridade a temas que exigem urgência, mas os assuntos, frisou, serão definidos pelos parlamentares.

A eleição de Lira teve apoio de Bolsonaro. Apesar de o chefe do Executivo ter sido eleito com a promessa de que não ia aderir à velha prática do toma lá dá cá, essa prática antecedeu as eleições do Congresso, conforme apontou a deputada Luiza Erundina (PSol-SP) em seu discurso como candidata ao comando da Casa.

Apesar de janeiro ser um mês fraco do ponto de vista econômico, Bolsonaro liberou R$ 3,5 bilhões de emendas parlamentares, no mês passado, referentes a restos a pagar do Orçamento de 2020. De acordo com dados do portal Siga Brasil, do Senado, foram repassados R$ 504 milhões nos primeiros 26 dias do ano. O montante, corrigido pela inflação, é recorde para o mesmo mês de todos os anos anteriores.

Além desses repasses, o governo liberou R$ 3 bilhões por meio do Ministério do Desenvolvimento Regional. Os recursos beneficiaram 250 deputados e 35 senadores, tendo forte peso na articulação política para que o Parlamento atenda às pautas que representam os interesses do governo.

No rito da eleição de ontem, Baleia Rossi, num dos últimos esforços para obter votos, chegou a dizer que analisaria os pedidos de impeachment protocolados contra Bolsonaro.

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Planalto terá de pagar por lealdade do Centrão 

Rosana Hessel 

02/02/2021

 

 

As eleições às Presidências da Câmara e do Senado, realizadas ontem, mostraram um novo tabuleiro para ser jogado no Congresso, a partir de hoje, com o deputado Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão, e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no comando das duas Casas. Os dois eleitos tiveram o apoio declarado do presidente Jair Bolsonaro, o que não significa uma vitória do chefe do Executivo, porque ele não está com as duas mãos na taça. Ao aliar-se ao Centrão, o mandatário ainda vai pagar preço alto pelo apoio, como cargos e liberação de emendas e, mesmo assim, pode ser traído a qualquer momento.

Além de ir na contramão das promessas de campanha com essa aliança, Bolsonaro não deve garantir o destravamento da pauta da agenda liberal, com reformas estruturais, que são impopulares em um período pré-eleitoral, mesmo com seus candidatos comandando as duas Casas do Congresso, conforme destacaram analistas. O que está certo que vai andar, segundo eles, é o Orçamento de 2021, porque é inevitável e precisará ser votado o quanto antes. O resto, pouco deve avançar. Eles lembraram que as incertezas continuam sobre a definição do novo auxílio emergencial ou de uma ampliação do Bolsa Família para socorrer os mais vulneráveis, pois a pandemia da covid-19 não acabou, e a segunda onda e a nova variante do coronavírus mostram-se mais fortes do que nunca.

Logo, Bolsonaro não terá uma vida fácil com o Centrão dando as cartas na Câmara nos próximos dois anos. “Só o tempo dirá se ele dominará o Centrão ou se o Centrão o dominará. O importante é saber que, ao contrário do que seus apoiadores têm cantado em verso e prosa, nada está dado. Não é jogo jogado”, afirmou Carlos Melo, cientista político e professor do Insper. No Senado, não deverá ser diferente, pois Pacheco já sinalizou ser contrário, por exemplo, à privatização da Eletrobras.

Para analistas, os avanços devem ocorrer apenas em medidas pontuais, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial e a autonomia do Banco Central. “O governo nunca teve uma agenda liberal, porque a pauta era, excessivamente, ambiciosa e fora da realidade, com equívocos que ainda podem voltar, como a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). O Centrão não vai fazer ajuste fiscal sem contrapartida de aumento de gastos, ainda mais, tão próximo da eleição do ano que vem”, destacou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

“Estes dois anos serão mais desafiadores, apesar das novas Presidências das duas Casas do Congresso serem favoráveis ao governo, por conta do processo eleitoral que vai determinar as agendas do Legislativo até 2022”, avaliou a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria. Na avaliação dela, o governo pode conseguir aprovar algo da PEC Emergencial, como forma de preservar o teto de gastos, mas não tem espaço para reforma tributária e grandes privatizações. “Não dá para ser muito otimista, de forma geral, e continuamos com viés cauteloso. Para Bolsonaro, o resultado é uma vitória para a preservação do mandato, mas, para a agenda econômica, o desafio será maior”, emendou.

Bolsonaro pode até cantar vitória porque afastou, temporariamente, o fantasma do impeachment sobre seus ombros, com a vitória de Lira na Câmara. Contudo, essa ameaça poderá voltar se a popularidade do presidente, atualmente em torno de 30%, continuar em queda, com uma piora do cenário econômico e da pandemia, de acordo com os analistas. Segundo eles, se esse cenário virar, o chefe do Planalto poderá gastar o apoio que conquistou para se manter no poder, como aconteceu com o então presidente Michel Temer (MDB-SP), após o vazamento das gravações dos executivos da JBS, que travou o andamento da agenda reformista.

Pragmático

O consultor político Gaudêncio Torquato lembrou que o Centrão é pragmático e não tem preferência política. Nesse sentido, fez uma analogia sobre o grupo e seus três olhos. “Um olho olha para a direita; o outro, para a esquerda; e o terceiro e maior, é o que fica no meio da testa e que só vê o cargo e o poder. Se o Centrão perceber que Bolsonaro não está cumprindo o prometido, o que pode ocorrer, o bloco poderá se distanciar dele”, destacou.

Ele lembrou que, se a economia continuar frágil, a tendência é de mobilização popular, enquanto o governo não sabe se vai recriar ou não o auxílio emergencial. “Esse benefício será fundamental para a sustentação de Bolsonaro no Nordeste. Se o auxílio não for recriado, pode haver mobilização, e o Centrão vai olhar para isso”, adicionou.

Na avaliação do advogado e cientista político Murilo Aragão, CEO da consultoria Arko Advice, os presidentes das duas Casas não terão o controle absoluto da agenda do Legislativo. “Neste ano, o grande desafio será fazer com que a maioria defenda a agenda do governo, e o que precisará ser definido é qual será o grau de suporte dessa base política. Para isso, o governo ainda precisará organizar o debate. Mas, essa agenda vai ser definida de acordo com a eleição de 2022”, explicou. Na análise dele, o governo tem de definir melhor o que ele quer. “No caso do auxílio emergencial, que será inevitável, é preciso uma solução sem afetar o teto de gastos e, para isso, o governo vai ter de decidir qual privilégio vai quebrar. Acredito que a equipe econômica já teve tempo suficiente para pensar em uma solução”, apontou.