Correio Braziliense, n. 21071, 01/02/2021. Brasil, p. 5

 

Na tentativa de conter a segunda onda

Maria Eduarda Cardim 

01/02/2021

 

 

A expectativa de que a pandemia iria ser minimizada, após o Brasil viver uma grande onda de casos e mortes por covid-19 no ano passado, caiu por terra com a nova explosão de contágio no país. Quatro estados brasileiros registram médias móveis de infecções superiores aos níveis alcançados no pico da pandemia: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. Com índices de isolamento abaixo de 50% em todas as unidades da Federação, exceto Amazonas, o novo coronavírus ganha fôlego para se espalhar e hospitais lotam.

A taxa de ocupação de leitos de UTI destinados a pacientes com a doença é crítica ou média em 19 estados. A junção dos fatores negativos, atrelada ao surgimento de novas linhagens com uma possível maior capacidade de transmissão, supera a velocidade da aplicação das vacinas.

O resultado disso sugere um agravamento ainda maior da pandemia em mais estados, como preveem especialistas. "Há estados que também estão se aproximando dos números do primeiro pico. Alguns exemplos são Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia e São Paulo. Mas, se irão chegar lá, vai depender das nossas atitudes coletivas", afirma o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e coordenador do Infogripe, Marcelo Gomes.

No caso de São Paulo, quantitativamente mais impactado pela pandemia, o próprio governo estadual tem alertado para os aumentos expressivos: janeiro bateu o recorde de casos de todos os meses anteriores, com mais de 300 mil novos registros — daí porque o governo decretou a entrada na fase vermelha para todo o território. Até então, o maior acumulado mensal tinha sido o de agosto de 2020, que terminou com 262.038 infecções.

Os novos números, no entanto, podem ter sido tão altos por acumularem dados de dezembro protocolados com atraso, como alerta Gomes. "Fizemos uma nova análise, comparando as estimativas com base nos dados que tinham sido inseridos até a semana 53 de 2020 (27 de dezembro a 2 de janeiro) com o que entrou até a semana 3 de 2021 (17 a 23 de janeiro)", disse. Em Manaus, por exemplo, após a correção, a incidência no fim de dezembro chegou a aumentar.

Isso porque as projeções consideram, em vez da data de notificação dos casos, o surgimento dos primeiros sintomas de síndromes respiratórias agudas graves (SRAG), a fim de minimizar os impactos decorrentes dos atrasos nas inserções de dados. Neste modelo, os pesquisadores do Infogripe também observaram que Manaus, Macapá, Curitiba, Florianópolis e Campo Grande superaram a média móvel da primeira onda.

 Isolamento
Já o índice de isolamento social médio está abaixo de 40%, quando o ideal em momento de crescimento da infecção deveria ser em torno de 70%. Os dados são do InLoco, empresa desenvolvedora de tecnologia de localização. Enquanto isso, novas mutações reacendem, o que contribui para que a taxa de transmissão da doença se mantenha em níveis altos. De acordo com o Imperial College de Londres, o índice brasileiro está em 1,08 — ou seja, um grupo de 100 infectados leva a doença para 108 pessoas saudáveis.

Evitar que a história se repita nos quatro cantos do território brasileiro é uma tarefa que exige mais do que a vacinação, destaca Marcelo Gomes. "Enquanto não tivermos essa ampla cobertura para impactar significativamente na redução de casos, as recomendações de distanciamento, uso de máscara e evitar aglomerações seguirão sendo importantes para tentar conter a epidemia", explicou.

Desde julho, o Brasil não encarava situações tão delicadas quanto a atual oferta de leitos de UTI aos pacientes internados por covid-19. Esse é mais um indicador que demonstra a difícil conjuntura após o aumento de casos estimulados pelas festas de fim de ano. Números de ontem mostram que há nove estados com taxas de ocupação acima de 80%, nível considerado crítico pelo comitê Observatório Covid-19, ligado à Fiocruz: Acre, Amapá, Amazonas, Ceará, Goiás, Paraná, Pernambuco, Rondônia e Roraima.

Com ocupação média de 60% a 80%, há mais 10 unidades da Federação nessa situação, sobrando apenas oito com ofertas mais amplas (veja quadro). No contexto da pandemia, ocupações a partir de 60% já acendem um alerta, lembra o pesquisador Diego Ricardo Xavier, do Observatório de Clima e Saúde (LIS)/Icic.

Ele alerta, ainda, para a grande quantidade de mortos que sequer conseguiram acesso ao tratamento intensivo. "Mesmo em tempos com taxa de ocupação baixa, temos observado que cerca de um terço das pessoas morre sem nem ao menos chegar até uma UTI", salientou.

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Ano letivo começa, mas insegurança permanece

Carinne Souza 

Natália Bosco 

01/02/2021

 

 

A volta às aulas do primeiro semestre de 2021 vem deixando pais, alunos e professores confusos. Os efeitos da pandemia não dão trégua –– são aproximadamente 224 mil mortos –– e o aumento do número de casos tem sido constante em diferentes estados, motivos que vêm alterando o calendário presencial das aulas. Em São Paulo, por exemplo, depois de uma briga jurídica, a retomada começa hoje –– isso se não houver alguma liminar parando o ano letivo. Já Belo Horizonte anunciou mudanças no plano de volta às aulas para diminuir o número de contagiados pelo novo coronavírus. E no Rio de Janeiro, o calendário foi dividido em duas fases: o ensino a distância começa dia 8 e o presencial, mas facultativo, dia 24.

Em São Paulo, a previsão de retomada estava prevista para hoje, mas a Justiça entrou no circuito e deixou as coisas indefinidas. Na última quinta-feira, a juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara da Fazenda Pública, concedeu uma liminar que suspendia a autorização da retomada de aulas presenciais nas escolas públicas e privadas do estado, mesmo nas fases menos restritivas do plano de flexibilização da pandemia (verde e amarela).

A Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, porém, entrou com recurso contra a liminar, na última sexta-feira. O documento argumentava que a liminar provoca "grave lesão à ordem administrativa" e que o "retorno foi pautado em estudos e experiências internacionais, com adoção de diversas medidas de segurança". No mesmo dia, o presidente do Tribunal de Justiça, Geraldo Francisco Pinheiro Franco, derrubou a liminar, afirmando que a decisão deve ser tomada pelo estado e não pelo Judiciário. Assim, as escolas particulares retornarão presencialmente hoje, as estaduais no dia 8 e as municipais no dia 15.

Em Belo Horizonte, o prefeito Alexandre Khalil anunciou que, devido ao aumento no número de casos de crianças infectadas pela covid-19, as aulas presenciais serão transferidas para março. "Nós tínhamos uma programação de volta às aulas presenciais em fevereiro, mas, dado a casos de crianças infectadas, e até casos de morte, que ainda estão pesquisando se pode ter algo relacionado à nova cepa, transferiremos para março", explicou.

Outras capitais, porém, mantiveram o retorno. No Rio, o calendário escolar da rede municipal tem início no dia 8 com aulas remotas, e as presenciais facultativas, no dia 24. As escolas da rede estadual retornam apenas no ensino remoto no dia 4 de fevereiro, mas a previsão é de que, em março, cerca de 10% dos alunos que não têm acesso à internet possam voltar às salas.

Em Goiás, o retorno aconteceu para algumas escolas da rede pública estadual no último dia 25. As instituições adotaram o ensino híbrido e apenas 30% da capacidade voltaram à estrutura escolar. A Secretaria de Educação informou que o calendário não está 100% definido e a decisão de manter será em conjunto com a situação sanitária do estado.

O Ceará também está de olho na situação epidemiológica da região para iniciar hoje o retorno presencial das escolas estaduais. Porém, informou que somente as escolas que se adequarem aos requisitos mínimos de segurança vão poder adotar o modelo híbrido estabelecido pelo governo do estado. Em Alagoas, as aulas nas redes municipal e privada voltaram em 21 de janeiro –– na rede pública estadual, o retorno deve acontecer a partir de 1º de março.

Em Manaus, que voltou a restringir a circulação e somente os serviços essenciais funcionam, as aulas estavam marcadas para começar hoje. Mas, diante do colapso do sistema de saúde estadual e municipal, não há previsão de retomada, nem de formato –– se presencial ou a distância.

*Estagiárias sob a supervisão de Fabio Grecchi