O globo, n. 31934, 11/01/2021. País, p. 4

 

Capitais tem queda de receita

Dimitrius Dantas

Gustavo Schmitt

11/01/2021

 

 

Perda de R$ 2 bi no orçamento desafia prefeitos

 A lenta recuperação da atividade econômica prevista para 2021 vai gerar um ano de caixa mais apertado para algumas das principais capitais brasileiras. Com a incerteza da continuidade da ajuda financeira do governo federal, que tem problemas com seu próprio orçamento, prefeituras de cidades como Rio, São Paulo, Curitiba, Salvador, Recife e Manaus preveem um desafio ainda maior neste ano do que em 2020 para enfrentar a queda de arrecadação. Somadas, as dez maiores capitais do país aprovaram nas câmaras municipais um orçamento para 2021 com R$ 2,4 bilhões a menos do que o previsto para o ano passado.

As dúvidas de gestores municipais sobre entrada e saída de recursos são aprofundadas pela pandemia. Embora a possibilidade de início da vacinação ainda neste mês seja um alento, são incertos o ritmo das campanhas de imunização e seu impacto na queda de óbitos e casos do novo coronavírus — fator considerado crucial para uma retomada consistente da economia.

Em São Paulo, por exemplo, o número de novos diagnósticos e o de mortes por Covid-19 aumentaram 30% na primeira semana epidemiológica do ano. E, segundo especialistas, ainda está por vir o impacto das aglomerações no final de ano.

A maioria das cidades cujo orçamento foi analisado pelo GLOBO recebeu em 2020 aportes do governo federal para o combate à pandemia. Em Manaus, onde há estimativa de queda de 10% nas receitas, o orçamento para 2021 não prevê os aportes federais. Cu2020. ritiba, Recife e Salvador também enviaram ao Legislativo orçamentos menores que o de 2020. As duas últimas, assim como Fortaleza, têm entre suas principais fontes de receitas o turismo, setor muito afetado pela pandemia.

—As perdas vão continuar, o mesmo valendo para as despesas específicas coma pandemia. E não há dúvida de que serão os recursos próprios da Prefeitura que terão que suportar o déficit resultante. Já começamos o ano contingenciando orçamento porque temos como regra de ouro o equilíbrio fiscal — afirma o chefe da Casa Civil de Salvador, Luiz Carreira.

REALOCAÇÕES DE VERBA

Em algumas capitais, o impacto da redução do orçamento é sentido em áreas específicas. Em São Paulo, um dos setores mais afetados foi o Fundo Municipal de Desenvolvimento Social. Em 2020, a prefeitura planejou despesas de R$ 2,9 bilhões. Neste ano, o valor caiu para R$ 1,1 bilhão. A quantia planejada para “proteção à população em situação de vulnerabilidade” caiu de R$ 250 milhões para R$ 8 mil.

Segundo o secretário da Fazenda da capital paulista, Guilherme Bueno de Camargo, a redução decorre da perspectiva de frustração de receitas. Os últimos meses pré-pandemia indicaram arrecadação média diária de R$ 10 milhões, mas, devido à crise, reduziu-se significativamente, chegando a um piso de R$ 2,9 milhões.

— A pandemia teve reflexos nas receitas do município e na necessidade da alocação extraordinária de recursos em áreas como a Saúde, que terá orçamento R$ 328 milhões maior que o previsto no Orçamento de As áreas de Urbanismo, Habitação e Transporte são as que sofreram maior retração em 2021 —afirma.

Para compensar o corte, a gestão de Bruno Covas (PSDB) espera avançar na concessão de equipamentos públicos para aumento de receitas, casos do Vale do Anhangabaú, do Autódromo de Interlagos, do espaço de eventos Anhembi e do Serviço Funerário. A maioria dessas concessões é promessa da gestão anterior de João Doria, mas ainda não foram concluídas por Covas.

No Rio, a nova gestão de Eduardo Paes (DEM) já arcou com uma despesa não prevista de R$ 2,8 bilhões, em sua primeira semana, para pagar o salário de dezembro e o 13º de 198 mil servidores. Segundo o secretário municipal de Fazenda e Planejamento, Pedro Paulo, a cidade precisa honrar cerca de R$ 5 bilhões em restos a pagar com fornecedores. Além disso, a dívida com a União, BNDES, Caixa e o Banco Mundial soma outros R$ 15 bilhões, que a gestão atual trabalha para renegociar.

A gestão anterior, de Marcelo Crivella (Republicanos), aumentou gastos com pessoal, ultrapassando no segundo quadrimestre de 2020 o limite máximo de 54% da receita corrente líquida. O déficit da Previdência carioca é de R$ 1 bilhão.

—Temos que melhorar a arrecadação, mas sem aumentar imposto. Vamos lançar mão de uma série de medidas para gerar receitas extraordinárias, como a venda de imóveis e renegociações de contratos —afirma Pedro Paulo.

ORÇAMENTOS INFLADOS

Mesmo em cidades que preveem aumento de receitas, como Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza e Goiânia, há incerteza e preocupação com os números. Na capital gaúcha, a gestão do prefeito eleito Sebastião Melo (MDB) crê que o orçamento terá R$ 1 bilhão amenos do que os R$ 8,6 bilhões que constam na lei orçamentária aprovada na gestão anterior, cujo valor é considerado “superestimado”.

— Vamos iniciar o ano com uma política de contingenciamento—diz o secretário de Fazenda, Rodrigo Fantinel.

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Economia expôs dura realidade nas posses

Bernardo Mello

11/01/2021

 

 

Nas principais cidades do Brasil, os discursos de posse de prefeitos, no último dia 1º, acomodaram mensagens de otimismo pela perspectiva do início da vacinação contra a Covid-19 ainda nos primeiros meses de 2021 junto de sinalizações de uma dura realidade pela frente. Esses recados menos animadores dos novos gestores ficaram por conta da situação econômica.

O prefeito reeleito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), por exemplo, falou que a cidade está pronta para “vacinar em massa” e prometeu, num jogo de palavras, combater “o vírus da intolerância” em sua posse. Mas também citou previsões de “uma crise econômica sem precedentes” a partir deste ano, e usou a expressão “década perdida” para ilustrar os efeitos da pandemia.

Em maior ou menor medida, a preocupação com a economia transpareceu em outros discursos. No Rio, o prefeito eleito Eduardo Paes (DEM) disse que recebia uma “herança perversa”, com “enormes dificuldades financeiras”. Em Belo Horizonte, o reeleito Alexandre Kalil (PSD) falou que há “um grande trabalho pela frente”, e rechaçou qualquer “demagogia”. Em Fortaleza, Sarto Nogueira (PDT) ponderou que 2021 “renova as esperanças, mas traz grandes provações”, e se referiu à desigualdade social e à necessidade de “geração de emprego e renda para jovens e mulheres, especialmente”.

Por conta do abismo econômico e da perda de receitas em meio à pandemia, o início dos mandatos foi marcado por promessas de ajuste fiscal e enxugamento de gastos. Paes publicou 44 decretos relacionados à área econômica no primeiro dia de gestão, incluindo pontos como a elaboração de um plano de recuperação fiscal, cuja adoção seria futuramente avaliada, e também uma proposta de reforma tributária. O prefeito também determinou cortes em cargos comissionados, medida semelhante à adotada por Covas, que previu em decreto uma redução de pelo menos 10% dos postos de confiança na prefeitura de São Paulo. Covas também determinou a reavaliação de licitações em curso ou planejadas, bem como renegociação de contratos e convênios.

Para economistas, há não só uma urgência orçamentária na contenção e no planejamento de gastos pelos prefeitos, mas também um cálculo político. Por serem medidas impopulares, mas de adoção necessária num espaço de tempo curto, vale mais concentrá-las já no início da gestão, quando a maré de aprovação ainda está em alta.