Correio braziliense, n. 21069, 30/01/2021. Política, p. 5

 

Nova política, promessa vã

30/01/2021

 

 

A partir de segunda-feira, começa um novo capítulo na relação entre o Executivo e o Legislativo. A menos que as inauditas “traições” surpreendam as expectativas, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) estarão à frente da nova configuração do Congresso pelos próximos dois anos. As últimas semanas mostraram, de maneira explícita, que a antiga prática do toma lá dá cá continua presente e ativa, enquanto a promessa de “nova política”, muito em voga nas eleições de 2018, nada mais foi do que conversa para enganar eleitor. A fim de vencer a disputa no Legislativo e assegurar uma relação mais favorável com o Congresso, o Planalto deixou de lado as favas e utilizou as conhecidas ferramentas para atender ao apetite dos parlamentares: cargos no governo e liberação de verbas, incluindo R$ 3 bilhões por meio de “recursos extraorçamentários”, como revelou o Estadão, na última quinta-feira.

O anúncio do presidente Jair Bolsonaro, ontem, de que poderia recriar três ministérios após o pleito no Congresso confirmou o que o Correio noticiou na véspera, na manchete “Eleição no Congresso vai ditar reforma ministerial”. Presume-se que a montagem de um governo resulte da conjugação de forças políticas aliadas do chefe do Executivo. Mas a barganha escancarada entre o Planalto e as legendas do Centrão evidencia que, em época de eleição, mais vale o dinheiro na mão — dinheiro público, diga-se — do que ideias em favor de um projeto para o Brasil.

 A campanha eleitoral no Congresso também ficou marcada por episódios cruéis. A decisão do MDB de deixar a senadora Simone Tebet à própria sorte representa uma nota desabonadora da legenda que já teve Ulysses Guimarães, Pedro Simon e próprio Ramez Tebet como ícones no Congresso. O abandono da candidatura da senadora rebaixa o MDB, uma das poucas forças políticas que podem se denominar partido na fauna de legendas da política brasileira, à condição de agremiações nanicas, que valorizam mais as alianças de ocasião do que os princípios. Foi impressionante, ainda, observar a sucessão de reveses sofridos por Rodrigo Maia. Após ver sepultada a possibilidade de uma reeleição — inconstitucional, ressalte-se —, o presidente da Câmara viu o seu partido, o DEM, implodir, ao notar a debandada de deputados da legenda em apoio à candidatura de Arthur Lira e a aproximação, cada vez maior, de Davi Alcolumbre com o Planalto. Contrariado com o rumo das negociações, Maia, que havia se empenhado para construir uma ampla frente partidária em favor do candidato Baleia Rossi, manifestou o receio de ver o DEM ficar conhecido como o “partido da boquinha”.

 Independentemente do resultado das eleições no Congresso — a votação é secreta, portanto, há sempre a possibilidade de surpresas —, o Legislativo começa uma fase extremamente desafiadora. E a relação com o Executivo terá de funcionar, de uma maneira ou de outra, para o Parlamento apresentar as respostas de que o país precisa neste momento tão crítico da pandemia. Há urgências de toda ordem, a começar pela deliberação sobre medidas econômicas para socorrer os milhões de brasileiros em séria dificuldade em razão da crise sanitária.

Estamos falando de 14 milhões de desempregados, outros milhões que tiveram apenas o auxílio emergencial como única fonte de renda. Diversos setores da economia operam em situação crítica, e o desemprego em massa pode se tornar a pandemia de 2021. Ainda é preciso concentrar esforços para apoiar a rede de atendimento de saúde no país, de modo a evitar tragédias como a ocorrida em Manaus, objeto de investigação que pode resultar em implicações criminais para o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. E torna-se fulcral para o Congresso buscar caminhos para que o Brasil acelere o programa de vacinação, medida fundamental para retirar a rede hospitalar do estado crítico, permitir a recuperação econômica e superar o flagelo da educação, fortemente atingida em razão da crise sanitária, particularmente no ensino público.

Há, ainda, as questões estruturantes. Cito, em primeiro lugar, a necessidade premente de se aprovar a reforma tributária, de modo a permitir ao setor produtivo a retomada de investimentos e a geração de empregos. Essa decisão interessa a toda a sociedade, mas, em particular, ao governo, com as contas públicas em estado de calamidade e um orçamento absolutamente comprometido.

Como se vê, não faltam razões sérias para a eleição do Congresso proporcionar um avanço para o país. Pelo que se viu até aqui, no entanto, os sinais não são animadores.