O globo, n. 31933, 10/01/2021. País, p. 7

 

Trajetória baseada no poder da palavra e dos cargos no governo federal

Arthur Lira

10/01/2021

 

 

Fiel a Cunha e próximo dos governos Temer e Bolsonaro, deputado responde a denúncias e usa fama de cumprir acordos para vencer na Câmara

Um revés ocorrido há oito anos iniciou um novo modelo de relacionamento do deputado Arthur Lira (PPAL), candidato à presidência da Câmara, com os parlamentares. Então no primeiro mandato na Casa e já líder do partido, ele foi retirado do posto, acusado de articular a quebra de um trato feito com um colega. Desde então, aprendeu a lição: em Brasília, manter a palavra é o segredo para ascender na política. A fama de “cumpridor de acordos” o acompanha na atual disputa, em que tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro e, muitas vezes, negocia votos individualmente, apostando na adesão de integrantes do bloco adversário. O arco de alianças, no entanto, não se expandiu a ponto de atrair o senador Renan Calheiros (MDBAL), rival na política alagoana, com quem Lira tentou, sem sucesso, firmar um pacto de “não agressão”. O governador Renan Filho, filho do senador, cogita concorrer ao Senado em 2022. A ideia era que o líder do PP o apoiasse, em troca de uma postura isenta dos Calheiros nas eleições no Congresso. A desconfiança mútua fez com que Renan preferisse trabalhar abertamente por Baleia Rossi (MDB-SP), principal adversário de Lira nesta campanha.

Com uma influência antes restrita à política estadual, o deputado ganhou projeção no país após o impeachment de Dilma Rousseff, em função do bom trânsito no governo de Michel Temer. Antes disso, já era um dos principais aliados do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, com quem seguiu até o fim — foi um dos dez parlamentares que votaram contra a sua cassação. Já no governo Bolsonaro, ampliou a influência no início do ano passado, ganhando cargos — indicou o presidente da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf ), por exemplo —, em troca de apoio. No Palácio do Planalto, sua eleição é vista como garantia de que não será aberto um processo de impeachment. A proximidade com o Planalto rende sucesso na destinação de emendas parlamentares para seu reduto, a ponto de políticos alagoanos dizerem que ele administra um “governo paralelo” no estado, onde foi deputado na Assembleia local entre 1999 e 2010. — Ele tem muito trânsito em Brasília e conseguiu trazer muitos recursos para os municípios nos últimos anos —diz o prefeito de Pilar (AL), Renato Filho (PSC).

Vem do período como deputado estadual a acusação que provocou uma condenação por improbidade administrativa,em2016,emsegundainstância —Lira recorre no Superior Tribunal de Justiça (STJ). De acordo com a Polícia Federal, o líder do PP participou de um esquema que desviou R$ 254 milhões dos cofres públicos entre 2001 e 2007. O relatório da operação, obtido pelo GLOBO, aponta que o deputado lavou dinheiro adquirindo pelo menos R$ 6 milhões em bens. O inquérito sustenta que houve um acréscimo “sem lastro” nos rendimentos formais e lista aquisições de imóveis de luxo e fazendas em Alagoas e Pernambuco, além de gastos de R$ 1,015 milhão em leilões de gado nobre e cavalos quarto de milha. Em depoimento à PF, um ex-funcionário do Legislativo estadual, José da Costa Barros Neto, confessou ter recebido salário para atuar cuidando dos bois de Lira em suas fazendas.

A prática denunciada pela operação envolvia empréstimos no nome de funcionários, usufruídos por parlamentares e quitados com dinheiro público. Ainda de acordo com a PF, o deputado usou laranjas, como a exmulher, Jullyenne Lins, e seu pai, o ex-senador Benedito de Lira, e empresas para ocultar parte do patrimônio. Jullyenne já apresentou à Justiça documentos em que afirma que Lira ocultou cerca de R$ 11 milhões em patrimônio, o que ele nega.

RÉU NO SUPREMO

Nos desdobramentos criminais da operação, ele foi absolvido em primeira instância no mês passado,mas o Ministério Público estadual recorreu. Lira diz que as provas apresentadas são inválidas e que não há como “responder a ilações anuladas”. Ainda segundo o deputado, “as declarações de bens estão regulares e obedecem à legislação e normas da Receita Federal vigentes”. Lira também é réu por corrupção no Supremo Tribunal Federal (STF): um assessor foi pego com R$ 106 mil embarcando para Brasília, dinheiro que, segundo a acusação, seria propina para o parlamentar. Em outro processo, responde por organização criminosa por desvios na Petrobras, no chamado “quadrilhão do PP”. Ele nega as acusações.