O globo, n. 31933, 10/01/2021. País, p. 4

 

Cota parlamentar

Natália Portinari

10/01/2021

 

 

Governo apoia Lira, mas manterá cargos de aliados de Baleia Rossi

A participação ou independência em relação ao governo tem servido de munição para troca de ataques entre os dois principais candidatos à presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e Baleia Rossi (MDB-SP): de um lado, o emedebista acusa o rival, que tem o apoio do Planalto, de representar uma candidatura subserviente ao presidente Jair Bolsonaro; do outro, o líder do PP diz ver hipocrisia do adversário, porque seu grupo também tem partidos com indicados na administração federal. Levantamento do GLOBO mostra que os dois blocos controlam cargos no governo em proporção parecida, com apadrinhados em secretarias, autarquias e diretorias do Poder Executivo.

Embora Bolsonaro apoie Lira, o Planalto decidiu não retirar cargos de aliados de Baleia por causa do antagonismo na eleição na Câmara. A ideia da Secretaria de Governo, responsável pelas nomeações, é não desagradara possíveis eleitores. Como ovo toé secreto, o governo conta que vários deputados de siglas alinhadas como candida todo MD B traiam suas legendas na votação. Com base nos órgãos mais visados por parlamentares, a reportagem identificou cargos do PSD (22), PP (19), PL (12) e Republicanos (7), partidos aliados a Lira, somando 60 postos. Do outro lado, há indicados do MDB (21), DEM (17) e PSDB (8), entre outras siglas. Ao todo, o GLOBO encontrou 132 apadrinhados por políticos.

BALEIA NEGA INDICAÇÃO

Depois de ministérios e secretarias, alguns dos cargos mais visados estão na Codevasf, companhia que financia projetos no Rio São Francisco, na Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que promove obras de saneamento e nas representações do Ministério da Saúde e Agricultura nos estados. Seguindo a estratégia do Planalto, deve ser mantido um aliado de Baleia à frente da Secretaria Nacional de Habitação, que integra o Ministério do Desenvolvimento Regional.

O secretário Alfredo Santos está no cargo desde 2019, e o governo não quer, ainda, transferir o desgaste da má relação que mantém com Rodrigo Maia (DEM-RJ) para Baleia. O candidato do MDB nega ter apadrinhado pessoalmente o secretário. Segundo sua assessoria, “Baleia jamais foi recebido em audiência por Alfredo Santos (secretário de Habitação), apesar de conhecê-lo como empresário em Ribeirão Preto. Ele não foi indicado pelo MDB, porque sequer tem algum vínculo com o partido”.

— Já venho dizendo isso há meses, e não custa repetir: qualquer pessoa que estiver no governo eque tenha sua permanência atribuída ao MD B, o governo pode substituir — disse Baleia ao GLOBO. Em seu estado, Alagoas, Lira controla parte importante da máquina pública federal. Tem indicados na Codevasf, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), na Companhia Brasileira de Trens Urbanos), órgãos importantes para a entrega de obras, além de

Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis). Em nota, Lira afirmou que ele e Baleia “são da base do governo”. “A diferença é que a minha postura é transparente e que dialogo com cada deputado, dando voz a cada um deles”, criticou. Para o deputado Marcelo Ramos (PLAM), aliado de Lira, o fato de ambos os grupos terem cargos no governo desmonta o discurso de independência sustentado por Baleia.

— As duas chapas são diversas: tem deputados governistas, independentes e de oposição.

O fato de ambos os grupos terem nomeações não significa que aliados mais próximos não tenham sido privilegiados. No início do ano passado, quando o governo formou uma base definida com apoio de Lira, seu grupo foi o que mais conquistou cargos importantes, como a Secretaria Nacional de Mobilidade, o Fundo Nacional de Educação (FNDE), o Dnocs, entre outros. Em abril, o governo ofereceu um pacote de cargos ao grupo de Lira em troca de apoio no Parlamento. Na época, Bolsonaro se sentia ameaçado pelo risco de um processo de impeachment. Queria também fortalecer o líder do PP, já de olho na disputa deste ano pela presidência da Câmara dos Deputados. PP, PL, PSD e Republicanos negociaram entre si quem seriam os indicados aos postos.

A maioria dos indicados do MDB, por outro lado, já estava nos cargos antes de 2019. O ex-presidente do Senado Eunício Oliveira (MDB), por exemplo, ainda controla a superintendência dos Correios no Ceará e outros postos no estado. O senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo no Senado, mantém um aliado seu, Romildo Rolim, à frente do Banco do Nordeste desde 2017 — ele foi reconduzido ao cargo em junho de 2020.