Valor econômico, v. 21, n. 5188, 12/02/2021. Internacional, p. A13

 

Chile dispara em vacinação; resto da região vai devagar

Marsílea Gombata

12/02/2021

 

 

Chile encomendou doses antes, diversificou os fornecedores e já conseguiu vacinar 6,1% da população. Os demais países estão sofrendo com falta da vacina

O Chile acelerou o ritmo de vacinação contra a covid-19 neste mês e disparou em relação aos seus vizinhos. O país foi o único entre as principais economias latino-americanas que comprou vacinas com antecedência e em quantidade suficiente para fazer o programa de imunização caminhar. México, Brasil e Argentina demoraram para encomendar vacinas e agora estão no fim da fila ou dependem de acertos com China e Rússia.

Até ontem, o Chile havia administrado 6,1 doses por cada 100 habitantes, bem à frente do Brasil (1,94), Argentina (1,18), México (0,56) ou da média da América do Sul (1,26), segundo dados do site Our World in Data, da Universidade de Oxford, e do Covid-19 Tracker, da Bloomberg. Em outros países como Peru e Equador a vacinação está começando. Uruguai e Colômbia devem receber as primeiras doses apenas em março.

O trunfo do Chile foi ter assinado contratos com diferentes fabricantes com antecedência, dizem especialistas. O governo do presidente Sebastián Piñera, anunciou em setembro os primeiros acordos para aquisição da vacina contra o coronavírus. As primeiras doses que chegaram ao país foram da Pfizer / BioNTech, em 24 de dezembro, mas a vacinação começou a ganhar força depois da chegada da chinesa Sinovac, no fim de janeiro.

“Até então só havíamos recebidos 90 mil doses da Pfizer/ BioNTech, que foram usadas para imunizar trabalhadores que atuam em UTIs e emergência. A chegada de 4 milhões de doses da Sinovac permitiu iniciar a vacinação massiva”, diz Jaime Labarca, chefe do departamento de doenças infecciosas da PUC do Chile. “Conseguimos vacinar quase 6% da população graças à chegada dessas doses, à vacinação com agentes locais e à aceitação da vacina pela população.”

Labarca diz que, se o Chile ficasse à espera das vacinas da Pfizer ou AstraZeneca /Oxford, provavelmente veria o programa de imunização empacar. “Não sabemos quando essas vacinas chegarão.”

O Chile fechou contrato para a compra de 78 milhões de doses, suficientes para o dobro dos seus quase 19 milhões de habitantes - sendo 60 milhões da Sinovac, 10 milhões da Pfizer/BioNTech, 4 milhões da Astrazeneca e 4 milhões da Johnson&Johson, segundo o Covid-19 Vaccine Market Dashboard, da Unicef. O banco de dados não conta doses da Covax, aliança coordenada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O México, que iniciou a vacinação no mesmo dia em que o Chile, tem uma das menores taxas de vacinação da região. O país imunizou 0,5% da população e ficou três semanas sem receber novas doses.

“O México assinou o primeiro contrato em novembro e encomendou vacinas de várias empresas, mas ficou esperando as doses da Pfizer, que não chegaram”, afirma Ana Abad, analista da consultoria Eurasia. “O problema é que o país deixou de receber vacinas.”

Até quarta-feira o México havia recebido 750 mil doses da Pfizer. Depois de semanas sem novos lotes, o país recebeu ontem 2 milhões de doses da chinesa CanSino. Para a próxima semana são esperadas doses da Pfizer e da Sinovac.

“A velocidade da imunizaçãoo está indo de acordo com a chegada das vacinas”, diz Joel Navarete, presidente da Associação de Epidemiologia do México. “O problema é a oferta. A quantidade produzida é insuficiente para cobrir a demanda do México e de outros países.”

A vacinação no México ainda está na fase 1, só para agentes de saúde. A imunização é a maior aposta para conter a pandemia do governo de Andrés Manuel López Obrador - que evitou lockdowns e não obrigou o uso de máscara. O país encomendou 384,4 milhões de doses, mais que suficiente para os 126 milhões de habitantes, sendo 150 milhões da AstraZeneca, 35 milhões da CanSino, 34,4 milhões da Pfizer e 25 milhões da Sinovac.

A Argentina, que iniciou a vacinação dias depois do Chile e do México, recebeu até agora 1 milhão de doses da russa Sputnik V e vacinou apenas 0,8% da população. O país fechou contratos para a compra de 33,4 milhões de doses, sendo 22,4 milhões da AstraZeneca, 10 milhões da Sputnik V e 1 milhão da Sinovac. Isso não basta para os 44,5 milhão de argentinos.

“O problema é que a Argentina ficou na dependência da vacina russa. Deveriam ter chegado entre 4 e 5 milhões de doses, mas a entrega atrasou”, afirma Jorge Geffner, professor de imunologia da Universidade de Buenos Aires. “Com isso, ficamos para trás em relação a outros países da região.”

O Brasil, pelos acordos assinados pela Fiocruz, pelo Instituto Butantan e pela Covax, teria acesso a 354,9 milhões de doses até o fim de 2021. O país até agora administrou 1,94 dose por 100 habitantes e conseguiu imunizar 2% de sua populacao.

“Com o potencial que temos com Fiocruz e o Instituto Butantan, tínhamos de estar mais avançados”, afirma Alexandre Kalache, epidemiologista e ex-diretor da OMS.

O Uruguai, que costuma ter gestão eficiente e tem o maior percentual de idosos da América Latina, ficou para trás na vacinação. O governo fechou o primeiro contrato em janeiro e deve receber as primeiras doses em março.

“A vacinação no Uruguai contrasta com a gestão eficiente da pandemia pelo presidente Luis Lacalle Pou, que conseguiu manter baixo o número de casos e mortes”, diz Gabriel Brasil, da consultoria Control Risks. Ele ressalta a lentidão nas negociações com fabricantes. “Talvez pelo fato de o Uruguai não ter vivenciado uma situação tão descontrolada na pandemia, como Brasil ou Argentina, o governo pode ter sido menos pressionado a comprar logo a vacina.”

O Chile, ao ritmo atual, poderá vacinar 25% de sua população até o fim deste mês e chegar à imunidade coletiva - com 70% de vacinados - até julho, diz Leandro Lima, da Control Risks. “Mas ainda é incerto se conseguirá manter a velocidade atual de vacinação”, diz.

Na Argentina, a ideia inicial era vacinar 10 milhões até o fim de março, meta que hoje parece impossível. “Em um cenário otimista, imunizaremos nos próximos dois meses o pessoal de saúde e os idosos acima de 60 anos, que somam cerca de 8 milhões”, diz Geffner.

O México queria vacinar 33% da população até o meio do ano, mas o atraso mudou o cenário. “Não esperamos alcançar a imunidade coletiva antes de 2022”, diz Abad.