Correio braziliense, n. 21068, 29/01/2021. Política, p. 4

 

Parado na luta anticorrupção

Renato Souza 

29/01/2021

 

 

O Brasil mantém-se estagnado no combate à corrupção. De acordo com o Índice de Percepção da, Corrupção, da Transparência internacional (TI), divulgado ontem, o Brasil aparece em 9]0 lugar entre 180 nações onde o problema e percebido. A organização não governamental (ONG) concentrou seu relatório de 2020 no impacto que o problema teve na gestão da pandemia do novo coronavírus. Os países com níveis mais altos de corrupção dedicam menos recursos ã saúde, o que afeta os serviços públicos essenciais. A TI utiliza uma nota que vai de () a 100 para avaliar cada nação e quanto mais próximo de 100, menos se tem percepção de corrupção.

 “A covid19 não é apenas uma crise de saúde e econômica: e' uma crise de corrupção. E não a estamos superando”, disse Delia Ferreira Rúbio, presidente da TI, citada no estudo. A versão de 2019 do mesmo levantamento mostra que a corrupção no mundo custa aos sistemas de saúde pública US$ 500 bilhões a cada ano. O estudo aponta que importantes mecanismos e órgãos de controle no Brasil estão sob ataque. Em 2020, o país registrou 38 pontos, contra 35 de 2019. No entanto, mesmo melhorando na graduação, a situação não mudou, pois, a variação está dentro da margem de erro de quatro pontos. Para a TI, nações com notas abaixo de 50 têm um quadro grave e sistemático de corrupção.

 Com esse resultado, o país está abaixo da média dos BRICs (39) bloco composto, além do Brasil, por Rússia, Índia, China e Africa do Sul; da média regional para a América Latina e o Caribe (111); distante dos países do G20 (54), que reúne as principais economias do planeta; e muito longe do índice da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com 6/1.

 O Brasil passou da 106ª posição, em 2019, para a 94a em 2020.

Mas o levantamento aponta que, internamente, se vêm observando sérios retrocessos no combate à corrupção. ATI lembra que o presidente Jair Bolsonaro é investigado em inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de tentar interferir politicamente na Polícia Federal.

Salienta, também, que o procurador-geral da República, Augusto Aras, que teria o papel de fiscalizar e denunciar atos ilegais no governo federal, está alinhado com Bolsonaro. E observa, ainda, que Aras tentou acessar arquivos da Operação lava-jato que estavam em Curitiba, no Rio de Janeiro e em São Paulo, além de fazer críticas públicas às forças-tarefas nessas capitais, o que levou ao pedido de demissão de procuradores.

Desde 1995, o Índice de Percepção da. Corrupção coleta a opinião que várias organizações e instituições têm do setor público de cada país. Dinamarca e Nova Zelândia, ambas com 87 pontos, aparecem no primeiro lugar da lista em que o problema é menos percebido, seguidas da Finlândia (86) e Cingapura, Suécia e Suíça, com 85 pontos cada. Iêmen (15), Síria (13), Sudão do Sul (12) e 80mália (nove) estão nos piores lugares, com níveis mais elevados de corrupção.

Américas

Venezuela, Estados Unidos e vários países centro-americanos são vistos como cada vez mais corruptos, de acordo com o relatório. Na América Latina, Venezuela (15), Haiti (18) e Nicarágua (22) são os países onde a corrupção está mais presente, enquanto Uruguai (71) e Chile (67) continuam sendo os melhores alunos do continente desde 2012.

No caso venezuelano, é o quinto pais com o sistema mais corrupto do mundo e sua pontuação não para de piorar desde 2013. Já a percepção da corrupção pública nos Estados Unidos (67) também piora, e o relatório da TI atribui ao país sua menor pontuação desde 2012. A ONG aponta, em particular, os obstáculos que o governo de Donald Trump colocou para supervisionar os quase US$ 900 bilhões destinados à luta contra os efeitos da covid-19.

O Uruguai, porém, está no extremo oposto. O relatório da TI afirma que o país tem o “maior investimento em saúde da região”, o que lhe permite ter “um bom sistema de monitoramento epidemiológico que tem ajudado muito no enfrentamento da covid-19".

 Alerta para “cupim da República”

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou, ontem, que a “corrupção parece triunfar novamente como ‘’cupim da República”. A manifestação do relator da Operação Lava-Jato vem no momento em que se aproxima decisão, pela Corte, sobre a eventual parcialidade do ex-juiz Sergio Moro no processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em que é acusado de receber o triplex do Guarujá (SP) como propina. A tendência é de que 0 ministro Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, vote para anular o caso, por entender que Moro atuou de forma pessoal para condenar o petista.

“Se, após 30 anos de Constituição, a democracia brasileira evidencia crise, é também porque faltou (e ainda falta) ao poder público dar respostas aos crimes impunes: mostrar o que de fato aconteceu e responsabilizar as condutas desviantes. E possível (e necessário) na democracia apurar e (quando couber) punir a corrupção. Com “nojo da ditadura”, como afirmou Ulysses Guimarães, os males da corrupção devem ser enfrentados dentro da proteção da legalidade constitucional”, disse Fachin, citando o ex-deputado, que presidiu a assembleia constituinte de 198788, quando foi promulgada a atual Constituição.

A defesa de Lula afirma que Moro agiu de forma pessoal, o que violaria o direito a ampla defesa e resultaria na invalidação do processo, de acordo com o Código de Processo Penal e a Lei Orgânica da Magistratura. Fachin votou contra um habeas corpus apresentado pela defesa, na Segunda Turma do STF. No entanto, ainda faltam os votos dos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Nunes Marques. A previsão é de que o caso, que está parado por um pedido de vistas de Gilmar, seja retomado ainda neste semestre. O recesso do Supremo termina na próxima segunda-feira. (RS)