O Estado de São Paulo, n.46390, 21/10/2020. Economia e Negócios, p.B1

 

EUA prometem financiar investimento em teles para Brasil barrar 5G chinesa

Lorenna Rodrigues

Anne Warth

21/10/2020

 

 

Tecnologia. Missão americana no País faz ofensiva e pede que a escolha para o novo sistema recaia sobre grupos de outros países, e não sobre a Huawei; por trás da disputa, está a liderança no 5G e de todo o desenvolvimento econômico que essa posição pode gerar

Numa ofensiva para impedir a presença da empresa chinesa Huawei no 5G no Brasil, os Estados Unidos propuseram financiar "qualquer investimento" no setor de telecomunicações do País. A proposta agressiva foi apresentada ontem por uma delegação de autoridades americanas em Brasília. O governo ainda ouviu pedido para escolher grupos de outras nacionalidades na construção da infraestrutura 5G, a tecnologia mais avançada em comunicação.

A campanha direta dos americanos contra os chineses, vista por diplomatas brasileiros como uma reedição da guerra fria, que tinha a antiga União Soviética na outra ponta da disputa pela hegemonia econômica global, expôs uma proposta de aliança de desenvolvimento econômico há muito não demonstrada por Washington.

Por trás da disputa entre EUA e China está a liderança da tecnologia 5G. Os EUA foram os primeiros a viabilizaram o 4G, o que é apontado como essencial para a criação e o desenvolvimento de um ecossistema de aplicativos, como Facebook, Netflix e Alphabet, dona do Google. Ao lado de Apple, Microsoft e Amazon, elas estão entre as companhias mais valiosas do mundo.

A Huawei é hoje a principal fornecedora de equipamentos centrais para o 5G, à frente da sueca Ericsson e da finlandesa Nokia. Os EUA não têm mais um grande fabricante e contam principalmente com os serviços das duas empresas nórdicas. As americanas Cisco e a Qualcomm permanecem no setor, mas não fazem equipamentos centrais.

"Há um equívoco de que não existe alternativa, não é o caso", disse o diretor sênior interino para o Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional (NSC, na sigla em inglês), Joshua Hodges, num encontro, em Brasília com jornalistas convidados. "Há competição lá fora, está disponível e os EUA estão prontos para financiar isso", ressaltou. "A China não apoia (o acesso à informação), veja o que eles fizeram com Hong Kong (a China impôs em junho uma nova lei de segurança em Hong Kong, com controle da mídia e diminuição de liberdades prometidas à ex-colônia britânica quando foi devolvida em 1997 ). Os EUA estão preocupados em como os chineses vão usar os dados e a tecnologia para assuntos de Estado, não para os usuários dessa tecnologia", afirmou.

Tecnologia. A tecnologia 5G é a quinta geração das redes de comunicação móveis. Ela promete velocidades até 20 vezes superiores ao 4G, a rede em operação hoje.

Hodges disse que os Estados Unidos querem mostrar que podem ser um parceiro de benefício mútuo para o Brasil e que quer fortalecer o País, e não "minar a soberania brasileira", em referência aos chineses: "Diferentemente da China, não estamos aqui com ameaças, estamos oferecendo alternativas. Não estamos dizendo 'não façam negócios com a China', queremos encontrar outros parceiros para o Brasil e fortalecer nossa aliança com os brasileiros."

Na mesma entrevista a jornalistas brasileiros, a presidente do Banco de Exportação e Importação (Eximbank), Kimberly Reed, e a diretora da Corporação Financeira dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (DFC, na sigla inglês), Sabrinateichman, que comandam, respectivamente, orçamentos de US$ 135 bilhões e US$ 60 bilhões, reforçaram que os recursos podem ser destinados para o financiamento de expansão de redes e compra de equipamentos 5G por empresas de telecomunicação brasileiras. "Temos dinheiro suficiente para financiar qualquer investimento no setor", disse.

A relevância das empresas chinesas no mundo da tecnologia já começa a ir além da Huawei. Os aplicativos chineses se tonaram febre entre os jovens nos últimos anos, como o Wechat, aplicativo de mensagens semelhante ao Whatsapp, e o Tiktok, que já tem 1 bilhão de usuários. Em reação, o Instagram criou o Reels. Ambas as empresas chinesas sofrem pressão direta do presidente Donald Trump para que sejam vendidas para um novo dono, ou banidas do território americano.

Para além do 5G, barrar a Huawei do Brasil possivelmente aumentaria o custo dos serviços de telecomunicações. Ela já atua há 20 anos no País e é uma das principais fornecedoras das operadoras de telecomunicações. Segundo dados da Anatel, a Huawei hoje está presente em 35% da infraestrutura das redes de telefonia móvel de 2G, 3G e 4G do País, ficando atrás apenas da sueca Ericsson. Ou seja, praticamente toda conversa ou troca de dados por redes móveis do País hoje já passa por um equipamento da chinesa. A Huawei também tem ampla atuação no governo. Equipamentos da companhia compõem as redes e datacenters de vários órgãos.

Com esse mesmo discurso, o governo dos EUA conseguiu convencer diversos países a banirem a Huawei, como Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Índia, Japão e até o Reino Unido. Alemanha, França e Espanha, por sua vez, optaram por não restringir a atuação da companhia.

Posse de Trump. Em encontro no Itamaraty, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que espera comparecer à posse de Donald Trump como mandatário reeleito. Bolsonaro disse que seu apoio "é de coração" e que não o esconde. Ele ressaltou a boa relação com os Estados Unidos.

"Espero, se essa for a vontade de Deus, comparecer à posse do presidente brevemente reeleito nos Estados Unidos. Não preciso esconder isso. É do coração", afirmou. Ao finalizar a fala, Bolsonaro se despediu dos representantes americanos presentes no local dizendo "até dezembro, se Deus quiser".

'Competição'

"Há competição lá fora, está disponível e os EUA estão prontos para financiar isso."

Joshua Hodges

DIRETOR SÊNIOR INTERINO NO CONSELHO DE SEGURANÇA DOS EUA