Correio braziliense, n. 21064, 25/01/2021. Economia, p. 6

 

Ritmo acelerado para votar Orçamento 2021

25/01/2021

 

 

O Congresso Nacional vai tentar acelerar o rito orçamentário a partir da próxima semana, quando estiverem definidos os novos presidentes da Câmara e do Senado. Afinal, o país começou este ano sem Orçamento e é nesta discussão que os parlamentares tentarão dar uma resposta para o problema social provocado pelo fim do auxílio emergencial criado para amenizar a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus.

O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) foi apresentado em 31 de agosto do ano passado pelo Ministério da Economia. Porém, não avançou no Congresso porque a disputa em torno da presidência da Câmara dos Deputados impediu a instalação da Comissão Mista de Orçamento (CMO) em 2020. Sem consenso sobre quem deveria comandar a CMO, os parlamentares votaram apenas a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) no ano passado, de maneira excepcional, direto no plenário, para evitar que o país parasse por falta de recursos no início de 2021.

Com a proximidade da eleição interna da Câmara e do Senado, marcada para o próximo dia 1º, no entanto, as negociações em torno do Orçamento já começam a surgir. A ideia é dar início a essa discussão o quanto antes e buscar acordos para encurtar o rito orçamentário, que, normalmente, dura cerca de 80 dias. Afinal, a falta de Orçamento tem mantido investidores em alerta sobre o rumo das contas públicas e a manutenção do teto de gastos, e é por meio do Orçamento que os parlamentares vão tentar liberar alguma ajuda para os brasileiros que estão sem auxílio emergencial e sem emprego.

A ideia de encaixar mais alguns meses de auxílio emergencial no Orçamento é defendida, inclusive, por aliados do presidente Jair Bolsonaro. Eles argumentam que, apesar de publicamente dizer que o governo não aguenta mais pagar o benefício, Bolsonaro demonstra "boa vontade" com a ideia de renovar o auxílio emergencial em conversas reservadas, desde que a medida não leve ao rompimento do teto de gastos, como teme o mercado e o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Até o candidato do Palácio do Planalto para a presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já admitiu que o governo poderia pagar mais dois ou três meses de auxílio se fosse possível liberar algum espaço para o benefício dentro do teto de gastos. Segundo Lira, o auxílio seria uma forma de assistir os mais vulneráveis enquanto o governo e o Congresso avançam com a PEC Emergencial, que pode destravar recursos para a criação de um programa social definitivo ou para a ampliação do Bolsa Família.

O senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que tem apoio do Planalto na eleição do Senado, também defende a assistência aos mais vulneráveis durante a pandemia da covid-19. Da mesma forma, o oponente de Lira na Câmara, Baleia Rossi (MDB-SP), diz que é preciso encontrar recursos para a volta do auxílio emergencial ou a ampliação do Bolsa Família. Por isso, independentemente de quem seja eleito, o Congresso Nacional vai tentar encurtar o rito orçamentário a partir da próxima semana.
"O compromisso é instalar a Comissão Mista já no dia 2, trabalhar em três turnos e reduzir os prazos, por acordo, para entregar o Orçamento o mais rapidamente possível. O país já pagou uma conta alta por ter começado o ano sem Orçamento. Por isso, vamos fazer todos os esforços nesse sentido", afirma o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), indicado para a 1ª vice-presidência da Câmara na chapa de Arthur Lira.

Ele calcula que, se esses acordos surtirem efeito, o Orçamento pode ser votado até o início de março. Porém, admite que é difícil encontrar uma fonte de recursos para o auxílio emergencial, já que 93,7% da proposta orçamentária estão comprometidos por despesas obrigatórias.

Coordenador da campanha de Baleia Rossi e líder do MDB na Câmara, o deputado Isnaldo Bulhões (AL) também acredita que é preciso acelerar o rito orçamentário. No entanto, diz que isso será feito "dentro do que for possível". Ele explica ser difícil cravar uma data para a instalação da CMO por conta da falta de consenso em torno do nome que deve comandar o colegiado. "A eleição é em 1º de fevereiro. A partir daí é que começa a composição das comissões permanentes, e leva alguns dias para a indicação dos membros. Porém, vamos fazer um esforço concentrado nesse sentido, porque o país não aguenta ir para abril ou maio sem Orçamento. O país fica muito engessado e muitas coisas importantes não são resolvidas".

 Acordos
Para o diretor de Estratégias Públicas da MAG Seguros, Arnaldo Lima, o primeiro desafio do novo presidente da Câmara é a instalação da CMO e a aprovação do Orçamento. Ele lembra que isso é extremamente importante por conta da difícil missão de se respeitar o teto de gastos. O especialista explica que os parlamentares também vão precisar fazer acordos e escolhas nesta votação, pois a pressão por novos gastos é grande, mas o espaço disponível para esses projetos é quase nulo no Orçamento. Foi por isso, por sinal, que o governo adiou, no ano passado, o plano de criar um novo programa social e ampliar os investimentos públicos — projetos que, no entanto, devem vir à tona.
"O cenário é de incerteza porque a margem de manobra, dentro do teto de gastos, é muito pequena. Além disso, não está claro como o Orçamento comportaria medidas que podem vir a ser necessárias diante do agravamento da crise sanitária da pandemia", reforça o economista da Guide Investimentos, Victor Beyruti. Para o mercado, portanto, é o Orçamento que vai indicar o rumo das contas públicas brasileiras e revelar se há risco de o governo romper o teto de gastos neste ano. Por isso, os analistas estão de olho nos próximos passos do Congresso e admitem que alguns investimentos também estão à espera dessas definições.

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Opiniões divididas e cautela 

25/01/2021

 

 

A ideia de acelerar o ritmo orçamentário, no entanto, divide os analistas do mercado financeiro e os especialistas em contas públicas. É que, ao mesmo tempo em que aguardam definições sobre o rumo fiscal do país, especialistas temem que uma votação açodada crie mais problemas no futuro. Afinal, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) é extenso e envolve uma série de detalhes que, se mal calculados, podem exigir novas revisões dos gastos públicos.

Segundo fontes da Consultoria de Orçamento do Congresso, é difícil imaginar o Orçamento aprovado antes de meados de abril, mesmo se os parlamentares abrirem o prazo para a apresentação de emendas já na próxima segunda-feira e fizerem acordos para reduzir os prazos da Comissão Mista de Orçamento (CMO). É que o rito orçamentário exige a análise individual de cada uma das mais de cinco mil emendas que são apresentadas anualmente pelos parlamentares ao Orçamento. Depois, ainda é preciso analisar as receitas do governo e encaixar as despesas nesses recursos para que a CMO dê início aos seus pareceres. E, ao todo, 16 relatórios setoriais, voltados a áreas como educação e saúde, são elaborados antes da votação do parecer geral do Orçamento, que, neste ano, está a cargo do senador Márcio Bittar (MDB-AC).

A Instituição Fiscal Independente (IFI) acrescenta que, por conta desse rito, nas três ocasiões em que o ano terminou sem Orçamento, a lei orçamentária foi publicada apenas em abril (2013 e 2015) e maio (2006). A IFI estima, portanto, que a votação do Orçamento pode se estender até abril. No último Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), a IFI explicou que o Orçamento poderia ser aprovado ainda em fevereiro caso fosse levado direto a plenário, como aconteceu com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Porém, diz que "a tramitação do PLOA é significativamente mais complexa que a da LDO, o que dificulta a adoção desse caminho" e lembra que "algumas questões envolvendo o Orçamento de 2021 permanecem em aberto", como a criação de um novo programa social.

Nota técnica elaborada pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (Conof) da Câmara dos Deputados no ano passado reforça que "não se tem notícia quanto à votação de projeto de Orçamento direto no plenário". E explica: "Um dos pontos essenciais para a validade do processo é a participação da comissão mista. Esse colegiado deve examinar e emitir parecer sobre as proposições legislativas, bem como receber, examinar e emitir parecer sobre as respectivas emendas".
O diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, acredita, então, que o rito tradicional da CMO é crucial para o debate sobre esse novo programa social, o teto de gastos e o nível de despesas discricionárias do governo, já que o novo valor do salário mínimo vai ampliar as despesas previdenciárias e reduzir a margem para as despesas de custeio e os investimentos públicos, que já ocupavam apenas 6,3% da proposta orçamentária. "O ideal é que se tome o tempo necessário, sem muito atraso, para resolver as questões complexas", afirma Salto.

Projeções
Secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco acrescenta que, devido às incertezas causadas pela pandemia, tem sido difícil fazer projeções econômicas. Por isso, diz que uma votação açodada pode levar a projeções irrealistas, sobretudo em relação às receitas do governo, o que pode exigir contingenciamentos duros nos meses seguintes à aprovação do Orçamento. E pede cautela com a votação.

"É melhor que se aprove em abril, com mais consciência, do que tentar fazer uma aprovação apressada e, depois, ter que rever o Orçamento. Porém, é compreensível que se queira antecipar esse processo, pois o Orçamento vai esclarecer algumas questões, e os agentes econômicos estão ansiosos por definições, já que ainda não está claro se o governo vai seguir o caminho da austeridade e da responsabilidade fiscal neste ano", avalia Castello Branco.

Economista da Guide Investimentos, Victor Beyruti lembra que o mercado está aguardando as definições sobre o rumo das contas públicas. Por isso, diz que o país pode perder investimentos e continuar em um ambiente de grande volatilidade caso não apresente a peça orçamentária neste primeiro trimestre. "Como o Orçamento ficou muito tempo parado por causa das disputas internas da Câmara e a situação fiscal é bastante delicada, será preciso acelerar o processo. A expectativa é de que, até março, o Orçamento esteja votado ou muito bem encaminhado. Caso contrário, o Brasil continuará muito vulnerável a uma mudança de humor no mercado". (MB)