Correio braziliense, n. 21063, 24/01/2021. Política, p. 2

 

Centrão já apresenta a fatura ao Planalto

Augusto Fernandes 

Ingrid Soares 

24/01/2021

 

 

A campanha eleitoral para as Presidências da Câmara e do Senado aproxima-se da reta final, e o presidente Jair Bolsonaro tem mantido diálogos frequentes com congressistas em busca de mais votos para os dois candidatos apoiados por ele: o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Mesmo tendo dito, meses atrás, que não tentaria interferir nas eleições do Legislativo, o mandatário tem estimulado partidos e frentes parlamentares a seguirem a orientação do governo. Em contrapartida, ele está sendo sondado sobre a possibilidade de oferecer cargos na administração federal e recursos.

Os cofres, por sinal, estão escancarados. Em dezembro de 2020, já com o Planalto envolvido nas eleições, o Tesouro liberou R$ 550 milhões em emendas parlamentares. Com isso, o total de emendas pagas passou de R$ 4,2 bilhões, em 2019, para R$ 6,7 bilhões no ano passado.

As negociações também envolvem cargos em ministérios e órgãos de segundo e terceiro escalões. Algumas das pastas mais propensas a acomodar as indicações de parlamentares são a do Desenvolvimento Regional, da Economia e da Infraestrutura. Há duas semanas, a exoneração do superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Sergipe, foi um sinal das mudanças que podem ocorrer. Victor Alexandre Sande Santos, que assumiu o posto em julho de 2020 por indicação do deputado Fabio Reis (MDB-SE), foi retirado do cargo — o emedebista deve apoiar Baleia Rossi (MDB-SP) para a disputa da Câmara.

Outra retaliação do governo será ao deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ). Na semana passada, depois de a legenda anunciar que votará em Rossi, o parlamentar foi comunicado pelo presidente nacional do partido, deputado Paulinho da Força (SP), que o Executivo deve exonerar três pessoas indicadas por ele para cargos na administração federal: duas para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e uma para a superintendência do Ministério da Agricultura no Rio de Janeiro.
E é justamente na Casa comandada atualmente por Rodrigo Maia (DEM-RJ) que Bolsonaro tem apelado por mais votos. Se os partidos têm interesse em assumir funções no governo, o chefe do Executivo também conta com as próprias ambições: o desejo de tocar a agenda de costumes e, sobretudo, evitar um eventual processo de impeachment.

Na campanha por Lira, Bolsonaro já pediu, publicamente, que a bancada ruralista da Câmara vote no líder do Centrão e, na sexta-feira passada, recebeu cerca de 20 deputados que integram a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) para um café da manhã no Palácio da Alvorada. O grupo conta com 228 integrantes e está rachado para as eleições do Congresso. Enquanto o presidente Sergio Souza (MDB-PR) já disse que apoia Baleia, alguns dos deputados que estiveram no encontro com Bolsonaro declararam ser favoráveis a Lira.

Na avaliação de analistas políticos, será difícil para Bolsonaro eximir-se de contrapartidas aos parlamentares por conta dos pedidos de votos aos candidatos que ele tem preferência. O cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, lembra que "hoje, o governo tem no Centrão um fiador, inclusive, tentando evitar o prosseguimento de processos de impeachment" e que "sem dúvida, a conta será apresentada, pois não há possibilidade de apoio sem troca".

"São negociações realizadas com cada deputado, eles chegam com demandas muito distintas. Vai depender do volume de apoio que um deputado ou um partido dará ao presidente. Pode ser em forma de verbas para uma determinada região, para um projeto em um município que é a base eleitoral de um deputado", observa. "Podem ser cargos no primeiro e segundo escalões ou mesmo pela indicação de um ministro por parte de um grupo ou partido numa possível reforma ministerial."

Adriano Oliveira, cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco, reforça que o mandatário não terá como fugir de uma reforma ministerial. Cargos em diretorias de estatais, como o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste, também podem entrar na negociação. "O Centrão está de olho em bons ministérios, com maiores verbas. Mas, claro que o presidente aguardará o resultado para discutir essa dança das cadeiras", opina.

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Nas entrelinhas: Sobre atalhos e eleições 

Luiz Carlos Azedo 

24/01/2021

 

 

O Conselheiro Acácio, criação do escritor português Eça de Queiróz (1840-1900) no romance Primo Basílio, com passar do tempo, acabou se tornando maior do que o protagonista que empresta o nome ao livro e os demais personagens, por seu pedantismo e suas obviedades. A expressão “acaciano”, inspirada em suas platitudes e redundâncias, virou até adjetivo na língua portuguesa. Eça descreve-o de forma caricatural: “Alto, magro, vestido todo de preto, com o pescoço entalado num colarinho direito. O rosto aguçado no queixo, ia-se alargando até a calva, vasta e polida, um pouco amolgada no alto. Tingia os cabelos, que de uma orelha à outra lhe faziam colar para trás da nuca; e aquele preto lustroso dava, pelo contraste, maior brilho à calva; mas não tingia o bigode: tinha-o grisalho, farto, caído aos cantos da boca. Era muito pálido; nunca tirava as lunetas escuras. Tinha uma covinha no queixo e as orelhas muito grandes, muito despegadas do crânio”.

O que humanizou e fez do Conselheiro um personagem maior e universal foram seu falso moralismo (vivia amancebado com a criada), o burocratismo (adorava carimbos, despachos, fichas e relatórios que para nada serviam) e a bajulação (toda vez que o nome do Rei era pronunciado, erguia-se um pouco da cadeira). Como uma espécie de Barão de Itararé (Apparício Torelly) às avessas, suas frases de efeito tornaram-se famosas, como “a saúde é um bem que só apreciamos quando nos foge”. Tudo para ele era cercado de pompa: “Que maior prazer, meu Jorge, que passar assim as horas entre amigos, de reconhecida ilustração, discutir as questões mais importantes, e ver travada uma conversação erudita...? Parecem excelentes os ovos”.

Conselheiros como ele pululam nos palácios e seus gabinetes. Muita gente gosta desse tipo de colaborador, que dá razão ao chefe em tudo. O presidente Jair Bolsonaro não foge à regra, mas — quanta ironia —, como diria o Conselheiro Acácio, “as consequências vêm depois”. É o que está acontecendo, agora, com a pandemia da covid-19 no Brasil, cuja segunda onda é uma realidade dramática e, tudo indica, está se somando à “quarta onda” a que se refere o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, que seriam os efeitos psicológicos das mortes, do desemprego, dos confinamentos e das desesperanças. A diferença é que o general imaginava um desespero individual, que até poderia levar ao aumento dos suicídios, ou a saques e depredações espontâneos, mas que poderiam provocar uma convulsão social.

Impeachment

Pazuello não contava, porém, com o desgaste provocado pelo negacionismo de Bolsonaro e uma resposta política da oposição. É o que estamos vendo agora, com manifestações de protestos se sucedendo com força: panelaços nas janelas e memes nas redes sociais; e as carreatas, como as de ontem e de hoje, pedindo “vacinas já” e o impeachment do presidente da República, que desabou nas pesquisas. Quaisquer que sejam os resultados das eleições das Mesas da Câmara e do Senado, mesmo que vençam os candidatos apoiados por Bolsonaro — Arthur Lira (PP-AL), na Câmara, e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado —, os políticos governistas também sentiram o cheiro de animal ferido na floresta. Nos casos de vitória de Baleia Rossi (MDB-SP) e/ou Simone Tebet (MDB-MS), principalmente a do primeiro, a agenda de costumes e institucional de Bolsonaro estará definitivamente interditada. As pautas do Congresso serão a crise sanitária, a recessão, a inflação, o desemprego, a renda e o fracasso do governo.

O Brasil já viu esse filme duas vezes, nos governos Collor e Dilma, o primeiro, por causa da inflação, o segundo, em decorrência da recessão, ambos temperados por escândalos de corrupção. Nos dois casos, as insatisfações desaguaram no impeachment. No de Collor, o clamor das ruas foi liderado pelo PT, mas o realinhamento das forças políticas resultou na eleição de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). No de Dilma, o PSDB trabalhou para apeá-la desde o primeiro dia no cargo. Quando chegaram as eleições, deu Bolsonaro. As circunstâncias do impeachment são crime de responsabilidade e grande insatisfação popular, além da vontade de a oposição atalhar o processo de alternância de poder. Entretanto, o perfil do vice-presidente é dado pelas alianças que viabilizaram a eleição do presidente defenestrado. Itamar era aliado de Collor; Michel Temer, de Dilma. O primeiro não podia se candidatar, o segundo foi inviabilizado por denúncias quando ensaiava a reeleição.

A eventual vitória de Bolsonaro na disputa pelas Mesas do Congresso lhe dará fôlego para salvar o mandato, mas não será o bastante, caso sua popularidade continue desabando. Sua força no Congresso resulta da ação de uma espécie de “subgoverno”, que sempre manteve boas relações no Senado e na Câmara, formado por alguns ministros e o grupo de militares que hoje controla o Palácio do Planalto. São aliados que também podem derivar para o impeachment, se perceberem uma debacle iminente, pois estariam mais bem servidos com o vice Hamilton Mourão, um general de quatro estrelas, um “salvador da pátria” embalado nas casernas e pelo povo nas ruas. E o que viria depois? Ninguém sabe, 2022 já está em aberto.