Correio braziliense, n. 21062, 23/01/2021. Artigos, p. 9

 

O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira

Renata Giraldi 

23/01/2021

 

 

O tema da redação do Enem 2020 "O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira" acende a luz de alerta, sobretudo neste período dos impactos da pandemia da covid-19, das medidas de isolamento, sem beijos nem apertos de mão tampouco festas e aglomerações, afetando as relações interpessoais e consigo mesmo. Comportamentos que atingiram em cheio a sensibilidade, deixando um rastro de queixas de depressão, angústia e pânico. Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que só a depressão e a ansiedade possuem um impacto econômico global de um bilhão de dólares por ano. Para os estudantes, um desafio imenso redigir um texto dissertativo-argumentativo com opiniões e análise em torno do estigma, da doença mental e da sociedade brasileira. Certamente, muitos deles sentem na pele algum tipo de transtorno, se a experiência não é pessoal, é com alguém próximo.

Estudos indicam que em torno de 450 milhões de pessoas no mundo preenchem critérios para o diagnóstico de algum tipo de transtorno mental, dos quais 80% vivem em países de baixa e média renda. O conceito de doença mental não obedece apenas a critérios clínicos, mas também morais, históricos e culturais. O todo deve ser considerado para uma análise completa. No Brasil, estimativas recentes mostram que os transtornos depressivos e ansiosos respondem, respectivamente, pela quinta e sexta causas de anos de vida vividos com incapacidade, necessário considerar ainda o suicídio, importante causa de morte evitável. De acordo com a OMS, o suicídio é a terceira causa de morte de jovens brasileiros que têm de 15 a 29 anos. São pessoas que passam a conviver com estereótipos e estigmas que atingem não só a si, como também a família, os amigos e as instituições psiquiátricas.

O doente mental é, para muitos, uma espécie de pária social — não se fala sobre ele nem se comenta o que tem de fato. Simplesmente é isolado do convívio e, por vezes, confinado, gerando consequências sociais e econômicas — é a marca social, a cicatriz, o estigma. Do grego, a palavra "estigma" significa picada, feita com ferro em brasa no braço dos escravos, marginais e criminosos, representava a desgraça social. Não era relacionada aos transtornos mentais, mas associada à vergonha, humilhação e desvalorização, surgindo aí os estereótipos, padrões estabelecidos pelo senso comum, baseados na ausência de conhecimento sobre o tema.

A pergunta que fica é: como aquele que sofre com algum tipo de transtorno mental ou comportamental pode pertencer à sociedade de forma produtiva e participativa, sem estigma, nem o peso de estorvo ou inviabilidade, incluindo os dependentes químicos e de álcool, doentes, conforme Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID 10 de 1993, publicada pela OMS, não cabendo julgamento moral ou religioso sobre eles? Certamente, o caminho exige tratamentos específicos seja via Sistema Único de Saúde (SUS), seja em unidades privadas. Assistentes sociais passam os dias buscando convencer as famílias sobre a necessidade de reinserção social dos doentes e que o lar é o melhor local para eles, considerando que a psiquiatria humanizada, conforme a Lei nº 10.216, de 2001, contrária à institucionalização do paciente em reação a estereótipos e estigmas.

Na pesquisa de pós-doutorado, caminho com a convicção de que o percurso para inserção social é diretamente relacionado ao da informação e do combate ao estigma. Estudo publicado no Journal of Health Psychology, em 2006, destaca que a mídia tem papel preponderante no enfrentamento do estigma e do desconhecimento em relação às patologias de ordem mental, mostrando a necessidade de elaborar um "retrato" a partir da empatia e de informações precisas, incluindo novelas, séries e filmes.