Título: Acordo global, a única solução
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 03/11/2008, Opinião, p. A8

Estimativas assustadoras sobre o futuro do planeta, já reveladas em documentos recentes, voltaram às manchetes semana passada, quando cientistas ligados ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) cumpriram um périplo pela América do Sul. Entrevistado pelo JB em Brasília, o professor Martin Parry, responsável pelo relatório Impactos, adaptação e vulnerabilidade, foi claro ao afirmar: quase metade das espécies de árvores da Amazônia podem ser extintas até 2100 se as emissões mundiais de dióxido de carbono continuarem aumentando. E a temperatura média global pode subir 4,5 graus, provocando falta de água que, já em 2050, pode afetar até 2,6 bilhões de pessoas mundo afora.

Para evitar os piores impactos, o IPCC afirma ser necessário um acordo mundial para que todos os países reduzam 80% de emissões de gases até 2050. A proposta será apresentada na reunião de Copenhague, na Dinamarca, que ocorrerá em dezembro de 2009, a fim de fechar um acordo climático que substituirá o Protocolo de Kyoto (um bem intencionado tratado internacional para reduzir a emissão dos gases que provocam o efeito estufa, assinado no fim da década de 90, mas que jamais foi posto em prática). O maior problema, uma vez mais, será chegar a um consenso entre nações ricas e países pobres.

De fato, acordos globais sobre o clima já foram discutidos em diversos fóruns, sem sucesso. O último deles, em dezembro do ano passado, reuniu representantes de 190 países em Bali, na Indonésia. Ali, no entanto, os maiores poluidores da Terra foram incapazes de compreender que o esforço dos países ricos tem de ser maior que o das nações mais pobres. Justamente em função dessa assimetria, é necessário que os mais desenvolvidos transfiram tecnologia e recursos aos que ainda buscam sair das dificuldades impostas pela miséria. É a noção de que há responsabilidades comuns, porém diferenciadas.

Mudanças efetivas no modelo de desenvolvimento a que se está acostumado, porém, custam caro ¿ alegam os grandes poluidores, esquecendo-se de que o preço cobrado pela natureza será muito mais alto. Em verdade, o custo para reverter processos em andamento ¿ como a desertificação do sertão nordestino e o desaparecimento de parte da floresta amazônica ¿ não é tão elevado. Acabará sendo compensado, em parte, com a redução de gastos do sistema de saúde com o tratamento das doenças provocadas pela poluição do ar, por exemplo.

O Brasil, dono de fontes "limpas" de energia (hidrelétrica e nuclear) e de um bem-sucedido programa de biocombustível (carros a álcool e flex são uma realidade nas ruas) deve, em Copenhague, elevar a voz nas conversações. Sem descuidar, no entanto, do calcanhar-de-aquiles nacional: o desmatamento.

Até o mês que vem, fica pronto o Plano Nacional sobre Mudança no Clima do Brasil. Segundo o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, há pressões das organizações ambientais para que sejam estabelecidas metas (leia-se: limites) para emissões de gases. O Itamaraty, no entanto, é resistente à idéia, porque não acha justo que o Brasil estipule obrigações sem ter garantias de compensação tecnológica e financeira. Uma difícil equação que precisa ser resolvida o quanto antes.