Valor econômico, v. 21, n. 5188, 12/02/2021. Brasil, p. A7

 

Rastreamento do vírus no país deve melhorar com teste rápido

Ana Conceição

12/02/2021

 

 

Surgimento de novas variantes elevam necessidade de vigilância

A vigilância genômica, que rastreia possíveis variantes do vírus Sars-Cov-2, deve ganhar algum impulso no país nas próximas semanas, com o início do funcionamento de uma rede de laboratórios dedicados ao tema e com o desenvolvimento de um teste rápido para detecção da variante de Manaus pelos pesquisadores do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD), a Fiocruz no Amazonas. O rastreamento é importante, entre outros fatores, para subsidiar medidas de controle do coronavírus.

Esse tipo de vigilância, em que se faz o sequenciamento do genoma do vírus a partir de amostras de pessoas contaminadas, tem esbarrado na falta de insumos, muitos deles importados. Mas é crucial num momento em que o país convive com uma das três variantes de coronavírus mais preocupantes do mundo, a chama P.1, de Manaus, e tem outra variante, a P.2, identificada no Rio de Janeiro, que também é motivo de apreensão. Ambas apresentam a mutação e484K que, em tese, permite que o vírus drible anticorpos, o que poderia reduzir a eficácia das vacinas.

“A Organização Mundial de Saúde recomenda um forte aumento da vigilância genômica. É importante para saber onde as variantes ocorrem, melhorar os testes diagnósticos e, eventualmente, mudar uma vacina se for necessário”, afirma o pesquisador Felipe Naveca, vice-diretor de pesquisa do ILMD.

A equipe de Naveca deve ter em mãos nos próximos dias ensaios para detecção da variante P.1 com testes PCR em tempo real. “Conseguiremos processar centenas de amostras por dia. É outro nível de processamento”.

Enquanto isso, a Rede Coronaômica, que integra laboratórios de várias universidades, e começou a ser montada no ano passado, deve elevar o número sequenciamentos, depois de entraves burocráticos e na aquisição de insumos. “A rede opera em vários Estados e conseguimos acertar os fornecedores. Esperamos intensificar o trabalho a partir de agora”, afirmou o virologista Fernando Silki, coordenador da rede.

A despeito dos esforços, o país precisa de ainda mais vigilância. Naveca, da Fiocruz Amazônia, diz que seria necessário aumentar em cem vezes o número de sequenciamentos realizados. Desde o início da pandemia, o Brasil depositou cerca de 2,5 mil genomas sequenciados no site Gisaid, um banco de dados de sequenciamentos realizados no mundo. O Reino Unido informou mais de 150 mil.

O monitoramento de novas variantes é especialmente importante no Brasil, onde o distanciamento social não é respeitado e o número de contaminações continua muito alto, um cenário que estimula o surgimento de novas mutações. Ontem, levantamento feito pelo consórcio de imprensa apontou 53.933 casos e 1.452 mortes em 24 horas.

“A variante P.1 é fruto de uma circulação descontrolada do vírus, que evolui mais rapidamente. Aconteceu aqui, no Reino Unido e na África do Sul”, diz Naveca. “Se diminuirmos de casos vamos diminuir a chance de as mutações acontecerem”.

Para Silki, é muito provável que a falta de medidas de medidas mais restritivas no país abriu espaço para a formação de variantes com a P.1 e a P.2. Neste sentido, até que a vacinação tenha atingido uma parte relevante da população, medidas mais restritivas deveriam ser adotadas. Com variantes mais transmissíveis, a preocupação é que tenha estrangulamento do sistema de saúde em outros Estados como ocorreu no Amazonas. “É uma preocupação real. Estados deveriam olhar para o que aconteceu com o Amazonas e se preparar. No ano passado, primeiro o Amazonas entrou em colapso e depois outros Estados, independentemente da variante de Manaus”, lembra Naveca.

Entre as preocupações de Silki estão a chegada das variantes da Inglaterra e da África do Sul ao país e o alastramento da variante carioca, maior que a manauara. “Estamos investigando as duas com a mesma intensidade”, diz. Ainda não se sabe se as vacinas disponíveis no Brasil, do Butantan e da Fiocruz, são eficazes contra essas duas variantes, mas há estudos em curso na Rede Coronaômica, que devem ser divulgados até março.