Valor econômico, v. 21, n. 5186, 10/02/2021. Brasil, p. A2

 

Para retomar auxílio, Economia quer volta da PEC do Orçamento de Guerra

Fabio Graner

Edna Simão

Marcelo Ribeiro

Renan Truffi

10/02/2021

 

 

PEC Emergencial é outro objetivo da pasta liderada por Paulo Guedes

Com o auxílio emergencial se tornando praticamente um fato consumado imposto pela classe política, o Ministério da Economia negocia com o Congresso a edição de uma nova PEC de Orçamento de Guerra, como ocorreu no ano passado, além de insistir na necessidade de se avançar com o ajuste fiscal por meio da PEC Emergencial.

Também entrou em discussão com o Congresso a criação de um imposto temporário, nos moldes da antiga CPMF, com o objetivo de captar recursos para financiar o benefício. O tributo seria válido apenas enquanto a crise do coronavírus não for superada. Parlamentares da base do governo relataram ao Valor que a ideia foi apresentada a eles nos últimos dias pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Interlocutores do chefe da equipe econômica negaram que ele tenha falado isso. Alguns, porém, reconhecem que esse tema já foi tratado no passado entre Economia e parlamentares.

Essas discussões estão tomando tempo para a definição do novo auxílio, cuja proposta inicial da área econômica seria de R$ 200 por três meses e para um grupo menor do que os 56 milhões de beneficiários do fim de 2020, incluindo oferta de cursos para essas pessoas. Há um forte movimento de parlamentares em contato com o governo para encontrar soluções e tentar acelerar o processo. Algumas fontes dizem que a solução pode só sair depois do Carnaval.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse ontem, durante reunião de líderes, que a iniciativa de um novo auxílio precisa partir do governo. Foi debatida a possibilidade de uma medida provisória como forma de viabilizar mais rapidamente o novo benefício, mas, segundo Pacheco, detalhes técnicos ainda estão sendo discutidos pelo Executivo.

Sobre a ideia de tributo temporário, a proposta seria de uma alíquota entre 0,10% e 0,15%. “Guedes nos explicou sobre o novo imposto para bancar o retorno do auxílio emergencial. Ele deixou claro que seria válido só durante a pandemia e para financiar o programa social”, disse um parlamentar sob condição de anonimato. “Essa associação do novo imposto com a geração de recursos para voltar a pagar o auxílio emergencial é um xeque-mate na esquerda. Eles não vão ter como votar contra”, avaliou um deputado governista, apostando até no apoio de Bolsonaro.

Na questão da PEC de Guerra, o objetivo é que, mesmo com um valor menor e mais focalizado, o auxílio seja pago sem que o governo seja responsabilizado pelo descumprimento das “regras de ouro” e de resultado primário. O dispositivo poderia ser incluído na PEC Emergencial, com outras medidas de ajuste, como defendeu o ministro Paulo Guedes na semana passada, mas a situação se complicou após a fala do presidente do Senado, que agora quer desvincular as discussões do auxílio das relativas ao ajuste fiscal de longo prazo.

Além disso, o próprio presidente Jair Bolsonaro tem mostrado resistência à PEC Emergencial, porque inclui medidas impopulares, como a desindexação de benefícios. Mas a equipe econômica ainda sonha em fazer essa iniciativa andar para dar um sinal mais forte de sustentabilidade da dívida.

A volta do auxílio ainda tem resistência de boa parte dos técnicos da equipe econômica, mas a onda política, o recrudescimento de casos de covid-19 em um ambiente de fragilidade econômica e a ainda lenta vacinação estão deixando o time de Guedes sem saída, reconhecem fontes da pasta.

Além de questões como alcance do programa e impacto direto na vida das pessoas, os técnicos da Economia estão debruçados em questões jurídicas e contábeis. Uma delas é sobre se o instrumento do crédito extraordinário poderia ser legalmente aplicado nesse caso, enquadrando-se na exigência de imprevisibilidade, dado que a pandemia tem quase um ano e muitos entendiam que seria o caso de não ter encerrado o benefício no ano passado. O tema está sendo levantado fora do governo, por especialistas como a procuradora do MP de Contas de São Paulo, Élida Graziane, mas o Valor PRO, serviço em tempo real do Valor, apurou que também está sendo observado na área econômica.

Apesar da discussão sobre a imprevisibilidade, há muitos argumentos favoráveis ao uso do crédito extraordinário. Uma fonte especializada no assunto e com interlocução no governo lista que fatores como a existência de uma segunda onda da covid-19 no Brasil, novas variantes e o tempo para disponibilidade de vacinas em massa referendariam seu uso. Além disso, fontes de dentro e fora do governo apontam que dificilmente alguém levaria a questão ao Supremo, pois soaria como jogar contra o auxílio.

De qualquer forma, há a alternativa de se fazer o auxílio dentro do teto de gastos, como defenderam na semana passada os presidentes do Congresso, embora anteontem tenham mudado de posição, passando a defender soluções alternativas “excepcionais”. Com o teto, o alcance do benefício teria que ser bem mais restrito.

Outro drama para o governo são as obrigações fiscais, principalmente a “regra de ouro”, mas também a meta de resultado primário. No primeiro, que veda ao governo se endividar para fazer despesas que não são investimentos, o problema é mais grave. Sem Orçamento aprovado e com uma insuficiência estimada em mais de R$ 450 bilhões para este ano, o governo já começa sentir dificuldades. Por exemplo: uma das medidas do programa de ação dessa segunda onda, a antecipação do 13º de aposentados e pensionistas, ficou parada, apesar de já estar decidida, por causa da insegurança relativa à falta de crédito suplementar para cobrir o déficit da “regra de ouro”.

Daí a necessidade de um mecanismo como a PEC de Guerra, que confirme a situação de calamidade pública e libere as regras fiscais, ou aumento de tributo para viabilizar o auxílio sem colocar no radar riscos de impeachment por descumprimento desses preceitos. Aprovar uma PEC, porém, mesmo com consenso político toma algum tempo, atrasando o processo.

O prazo de três meses que se fala para o auxílio se deve à expectativa é de que haja uma melhora na economia, principalmente com a aceleração do processo de imunização. Nesse contexto, uma das ideias pensadas pelo governo é proporcionar a qualificação profissional para os informais enquanto estiverem recebendo o benefício. Essa seria uma forma desse trabalhador estar preparado para o preenchimento de uma vaga, quando a economia estiver mais aquecida. Mas o benefício não obrigaria a realização do curso.

Sobre a discussão de um novo imposto para bancar o auxílio, que também demandaria uma PEC, vale lembrar que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendeu a ideia em entrevista ao Valor em julho do ano passado. Procurado, Lira afirmou desconhecer qualquer proposta em discussão no momento.