O Estado de São Paulo, n.46382, 13/10/2020. Economia, p.B2

 

A pergunta certa

Bernard Appy

13/10/2020

 

 

A reforma tributária – nos termos propostos na PEC 45 – tem efeitos redistributivos setoriais e federativos, que resultam da adoção das recomendações internacionais para a tributação do consumo: base ampla de bens e serviços, alíquota uniforme e adoção do princípio de destino.

No âmbito setorial, a tributação – que hoje é extremamente complexa e onera não apenas o consumo, mas também investimentos e exportações – passará a ser cobrada de forma não cumulativa ao longo da cadeia produtiva, desonerando a produção, os investimentos e as exportações. Com a adoção de alíquota uniforme, a tributação do consumo será reduzida para alguns bens e serviços e elevada para outros, mantendo a carga tributária constante.

Já no âmbito federativo, a redistribuição da receita entre Estados e municípios decorre da migração de um regime no qual a base tributária é fragmentada entre um tributo estadual sobre mercadorias e um tributo municipal sobre serviços, ambos cobrados parcialmente na origem, para um regime de base ampla e cobrança no destino.

Esse efeito redistributivo da reforma tributária tem gerado reações negativas de alguns setores – com destaque para certos serviços – e de alguns entes da Federação, em especial dos grandes municípios. Tal reação resulta fundamentalmente de uma visão parcial dos efeitos da reforma tributária, que desconsidera seus efeitos positivos sobre a economia.

Por vários motivos – que vão da redução da burocracia, do litígio e do custo dos investimentos à organização mais eficiente da economia –, a adoção das recomendações internacionais para a tributação do consumo tem um impacto muito positivo sobre o crescimento. Esse ponto é fundamental para entender os efeitos setoriais e federativos da reforma tributária.

Segundo estudo dos professores Edson Domingues e Debora Cardoso (publicado como nota técnica do Centro de Cidadania Fiscal), mesmo com hipóteses conservadoras sobre o impacto da PEC 45 sobre a produtividade, todos os setores da economia são beneficiados pela reforma tributária, na forma de maior crescimento. Esse resultado vale mesmo para os setores de serviços prestados a consumidores finais, cuja tributação seria elevada pela adoção de alíquota uniforme.

De modo semelhante, desde que adotado um modelo de transição federativa que compense os maiores prejudicados pela redistribuição da receita, o impacto positivo do crescimento sobre a arrecadação (mantida a carga tributária) tende a ser superior a eventuais perdas para todos os entes da Federação. Os resultados das simulações dos impactos desse modelo – que seria financiado de forma solidária pela União, pelos Estados e pelos municípios – são bastante consistentes, mesmo para diferentes cenários quanto aos efeitos da reforma tributária na distribuição da receita entre os entes da Federação.

Se é verdade que a adoção do padrão de tributação do consumo que mais favorece o crescimento afeta diferentemente setores e entes da Federação, também é verdade que os estudos e simulações disponíveis mostram que os efeitos positivos da reforma tributária superam eventuais efeitos negativos para todos os setores da economia e, desde que haja um modelo de transição federativa bem desenhado, para todos os Estados e municípios. Adicionalmente, a adoção de alíquota uniforme tem um efeito positivo sobre a distribuição de renda, pois as famílias ricas consomem significativamente mais serviços que as famílias pobres.

A pergunta que o empresário deveria estar fazendo não é "o meu setor será mais tributado?", mas sim "o meu setor será beneficiado?". A pergunta que o governador ou o prefeito deveria estar fazendo não é "a participação do meu Estado ou município no total da arrecadação cairá?", mas sim "a minha receita crescerá?".

Quando feita a pergunta certa, a resposta é sempre positiva. Numa boa reforma da tributação do consumo não há perdedores: alguns ganham mais e outros ganham menos, mas todos ganham.

DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL