O Estado de São Paulo, n.46382, 13/10/2020. Metrópole, p.A18

 

Soltura de líder do PCC pode ir a plenário do STF

Amanda Pupo

13/10/2020

 

 

Liberação de traficante por juiz do Supremo motivou polêmica; outro preso por tráfico já usou caso como exemplo para pedir saída

A polêmica sobre a soltura de um dos chefes do Primeiro Comando da Capital (PCC) levou ministros das cortes superiores a defenderem que o tema seja analisado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). A ideia é uniformizar o entendimento sobre a lei que possibilitou a saída da prisão de André do Rap. O ministro Marco Aurélio Mello usou a regra, aprovada em 2019, como critério para soltar o traficante – medida revogada dias depois pelo presidente do STF, Luiz Fux. André do Rap já havia deixado a cadeia e agora está foragido. O assunto pode chegar ao plenário caso Fux decida levar para análise dos colegas o processo do traficante.

Aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro, a nova regra sobre prisão preventiva mudou o Código de Processo Penal. O novo trecho diz que a prisão preventiva deve ser reavaliada pelo juiz a cada 90 dias, sob pena de se tornar ilegal.

Esse item do pacote anticrime não estava na versão original enviada pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro e foi incluída pelos parlamentares. Moro disse ter posição contrária ao trecho. O Planalto não se manifestou.

Segundo a defesa de André do Rap apresentada ao STF, esse prazo já havia estourado, o que abriu caminho para que Mello liberasse o acusado, preso desde setembro por tráfico de drogas. Especialistas temem que o caso abra precedentes.

Ontem, a defesa do também traficante Gilcimar de Abreu, o Poocker, usou o caso de André como exemplo para pedir liberdade. Poocker foi condenado na mesma ação que André e sentenciado a oito anos e dois meses em regime inicial fechado.

Na avaliação de ministros do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ouvidos reservadamente pela reportagem, o item do pacote anticrime deixa pontas soltas que precisam ser esclarecidas pelo plenário do Supremo e, assim, impedir que a controvérsia se repita.

Uma das linhas que devem ser defendidas caso o tema seja analisado pelo colegiado é que a soltura não é automática caso a prisão não seja reavaliada em 90 dias. Um magistrado pontuou que cada caso deve depender de avaliação individual e de pedidos de manifestação por parte do Ministério Público e do juiz responsável pelo processo. Para este ministro, a lei é importante para combater a cultura de prazos demasiados em prisões preventivas, mas não pode ser aplicada sem parâmetros.

Lacunas na lei também criam dúvidas entre magistrados que precisam aplicar a regra no dia a dia, apontou outro ministro. Uma delas é quem deve fazer a reavaliação trimestral quando o processo não estiver mais na 1.ª instância. A lei define que o responsável por decretar a preventiva é quem deve reavaliar, mas em certo ponto o processo pode nem estar mais com o juiz que mandou prender o investigado. Um terceiro ministro ainda observou que a regra é de difícil aplicação num País em que o número de processos é alto.

Divergências. Também já existem decisões nas cortes superiores que divergem da posição de Mello – o que tornaria essencial a posição do plenário do STF. O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo, negou em maio soltar um investigado que recorreu ao tribunal com o mesmo argumento de André do Rap.

Para Fachin, a ausência de reavaliação não retira do juiz o poder de averiguar a presença dos requisitos da prisão. Portanto, o ministro só determinou que o magistrado responsável analisasse o caso. Foi o mesmo entendimento do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do STJ. "Eventual atraso na execução deste ato não implica automático reconhecimento da ilegalidade da prisão, tampouco a imediata colocação do custodiado cautelar em liberdade", escreveu em decisão de junho.

Mello rejeitou a avaliação de que o tema precisa ser analisado pelo plenário. Para ele, a "onde a norma é clara e precisa, não cabe interpretação". "O que precisamos é nos acostumar a cumprir a lei", disse ao Broadcast/estadão. "Cada cabeça, uma sentença", respondeu ao ser indagado sobre as posições dos colegas. "Qualquer pessoa letrada em Direito vai concluir que não cabe interpretação. Fora isso é a babel, é o critério de plantão."

Decisões anteriores

"Eventual atraso na execução deste ato não implica automático reconhecimento da ilegalidade da prisão (...),"

Reynaldo Fonseca

MINISTRO DO STJ, SOBRE VENCIMENTO DO PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA