Correio braziliense, n. 21057, 18/01/2021. Saúde, p. 11

 

Proteção não é de fachada

Paloma Oliveto 

18/01/2021

 

 

A chegada da tão esperada vacina anticovid não significa a retomada, em 2021, de hábitos pré-pandemia. Na semana passada, a Organização Mundial da Saúde (OMS) avisou que a imunidade global só será atingida no próximo ano e reforçou que, até lá, as medidas preventivas, como distanciamento e uso de máscara, continuam sendo importantes estratégias para evitar o Sars-CoV-2.

"As máscaras são, talvez, o componente mais importante do equipamento de proteção individual (EPI) necessário para combater uma pandemia", diz Jiaxing Huang, pesquisador da Universidade de Northwestern, nos EUA, e líder de um estudo publicado recentemente sobre o potencial protetor desses objetos. "Rapidamente, percebemos que usá-las não apenas protege a pessoa que está com uma, mas, muito mais importante, ela protege outras pessoas de serem expostas às gotas (e aos germes) liberadas pelo usuário. Parece haver alguma confusão sobre o uso de máscaras, já que algumas pessoas acham que não precisam de proteção pessoal", acrescenta. "Talvez, devêssemos chamá-lo de equipamento de saúde pública, em vez de EPI."

Simulando inalação, exalação, tosse e espirros em laboratório, os pesquisadores da Northwestern descobriram que os tecidos não tecidos (TNTs) usados na maioria das máscaras cirúrgicas funcionam bem para demonstrar o conceito de um equipamento que não só protege a pessoa, mas a torna menos infecciosa. "Um tecido sem fiapos com apenas 19% de densidade de fibra, por exemplo, caso do TNT, impediu que até 82% das gotículas respiratórias escapassem. Esses tecidos não tornam a respiração mais difícil, e os componentes da máscara não se mostraram prejudiciais durante os experimentos de inalação simulados", diz o pesquisador de ciências de materiais cujo artigo foi publicado na revista Matter.

Huang destaca que, quando há um surto de doença respiratória infecciosa, controlar a fonte de disseminação — ou seja, a pessoa infectada — é a estratégia mais eficaz na prevenção do espalhamento do vírus. Por isso, a equipe do cientista trabalha no desenvolvimento de uma máscara que desative o Sars-CoV-2 antes que ele seja liberado na atmosfera.

Com antivirais
Embora as máscaras possam bloquear ou redirecionar as gotículas respiratórias exaladas, muitas delas (e os vírus embutidos) ainda escapam. A partir daí, aquelas carregadas de partículas virais podem infectar outras pessoas diretamente ou se depositar em superfícies, o que pode resultar em infecções indiretas. A equipe de Huang teve como objetivo alterar quimicamente as gotículas de escape para tornar os vírus inativados mais rapidamente.

Para conseguir isso, Huang procurou projetar um tecido que não tornasse a respiração mais difícil, pudesse carregar agentes antivirais moleculares e não contivesse produtos químicos voláteis ou materiais que pudessem ser inalados pelo usuário. Depois de realizar vários experimentos, ele selecionou dois químicos antivirais bem conhecidos: ácido fosfórico e sal de cobre. Esses produtos não voláteis eram atraentes, segundo o pesquisador, porque nenhum deles pode ser vaporizado e, consequentemente, potencialmente inalado. Além disso, ambos criam um ambiente químico local que é desfavorável para o vírus. "As estruturas dos vírus são realmente muito delicadas e 'quebradiças'", diz Huang. "Se qualquer parte do vírus não funcionar corretamente, ele perde a capacidade de infectar."

A equipe de Huang desenvolveu uma camada de polianilina de polímero condutor na superfície das fibras do tecido da máscara. O material adere fortemente às fibras, atuando como reservatório de ácidos e sais de cobre. Os pesquisadores descobriram que mesmo tecidos com densidade de baixa fibra — cerca de 11% —, como a gaze médica, alteravam 28% das gotículas respiratórias exaladas por volume. Para tecidos mais justos, como TNT, 82% das gotículas respiratórias foram modificadas. Agora, o grupo espera que outros cientistas possam desenvolver os próprios desativadores de vírus para que esse tipo de acessório seja acessível globalmente.

Modelos ideais
Enquanto esse tipo de máscara não é disponibilizado no mercado, pesquisadores tentam descobrir quais dos modelos acessíveis atualmente são os mais eficazes. É o que fazem cientistas da Universidade Atlântica da Flórida, nos EUA, que acabaram de publicar um estudo na revista Physics of Fluids sobre quais tipos são os melhores para conter as gotículas respiratórias que podem abrigar o vírus.

Sob a liderança de Siddhartha Verma, os cientistas testaram diferentes materiais e designs para determinar o quão bem as máscaras bloqueiam as gotas quando elas saem da boca. Usando um laser para detectar as gotículas à medida que eram tossidas e espirradas da cabeça de um manequim, o grupo mapeou os caminhos percorridos por elas e investigou as melhores opções para alterar o caminho natural das substâncias contendo, potencialmente, material viral.

"Embora existam alguns estudos anteriores sobre a eficácia de equipamentos médicos, não temos muitas informações sobre as máscaras à base de tecido, que são mais acessíveis no momento", diz Verma. "Nossa esperança é de que as informações apresentadas no artigo ajudem a transmitir a lógica por trás das recomendações para o distanciamento social e o uso de máscaras faciais." De acordo com o cientista, o principal desafio do estudo foi representar uma tosse e um espirro fielmente. "A configuração que usamos é uma tosse simplificada, que, na realidade, é complexa e dinâmica."

Ao realizar os experimentos, o grupo descobriu que máscaras muito frouxas e coberturas tipo bandana reduziram a distância percorrida pelos jatos de gotículas entre 1/8 e 1/2, respectivamente, comparado com uma tosse sem nenhuma proteção. No entanto, máscaras caseiras bem ajustadas com várias camadas de tecido acolchoado mostraram-se eficazes. Apesar de alguns vazamentos, esses equipamentos protetores reduziram significativamente a quantidade de gotículas expelidas.

Quando sem máscara, por exemplo, os manequins projetavam gotículas a distâncias muito maiores do que os 2m referentes às principais diretrizes de distanciamento social. "É importante entender que as coberturas faciais não são 100% eficazes no bloqueio de patógenos respiratórios", ressalta Verma. "É por isso que é imperativo que usemos uma combinação de distanciamento social, coberturas faciais, lavagem das mãos e outras recomendações até obtivermos a imunidade coletiva."

Novo hábito
O professor André Luís Gomes Moreira, 46 anos, usa máscara desde antes da obrigatoriedade, em março do ano passado. Na época, a falta de informações o fez comprar o modelo menos indicado para proteger contra o Sars-CoV-2: com válvulas. Porém, depois, adotou as de tecido duplo, com filtro entre eles. André e o filho, o estudante Caio, 15, só saem de casa bem protegidos.

"Quando comecei a usar máscaras, a motivação era o medo de contrair uma doença desconhecida, sem segurança quanto aos cuidados eficazes e sem previsão de profilaxia e cura. Com o tempo, tornou-se hábito de autocuidado, efetivamente foi incorporada no uso diário como uma indumentária que já fazia parte do vestuário", diz Moreira.

O professor lamenta que muitas pessoas deixem de sair de casa com o equipamento ou usem de forma inadequada. "Não dá para entender a negligência de pessoas que sabotam a própria saúde, optando por não usar a máscara. Inicialmente, essa atitude é um tropeço em si mesmo, além de colocar em risco a saúde alheia."

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Duas perguntas para Fernando Cerqueira 

18/01/2021

 

 

Por que não se recomendou o uso de máscaras no início da pandemia?

Primeiramente, logo no início da pandemia, a recomendação principal era não sair de casa, exceto em extrema necessidade. Outro fator que pode ter levado à demora na obrigação do uso das máscaras é o fato de se tratar de uma doença nova. Apesar de vírus semelhantes já ter existido como o causador da Sars-CoV-1, foram necessários mais estudos para saber ao certo o mecanismo de transmissão do novo coronavírus.

Qual modelo é o melhor para a pessoa se proteger e evitar transmitir o vírus caso esteja infectada?

Isolamento social é o método mais efetivo para minimizar as chances de contaminação. Em relação a evitar a transmissão, o isolamento também é a maneira mais efetiva, sempre que não exista indicação de internação. É recomendado, inclusive, o isolamento dos demais moradores da mesma residência, caso existam. (PO)