Correio braziliense, n. 21054, 15/01/2021. Brasil, p. 5

 

Pacientes morrem sem oxigênio em Manaus

Bruna Lima 

Maria Eduarda Cardim 

Sarah Teófilo 

15/01/2021

 

 

O pior quadro previsto para a pandemia do novo coronavírus, o de colapso do sistema de saúde, se concretizou em Manaus. E com uma agravante para o desespero de pacientes, parentes, profissionais de saúde e até mesmo de políticos: os internados começaram a morrer por falta de oxigênio para ajudá-los a respirar. Os leitos, que antes salvavam vidas, tornaram-se urnas funerárias, já que pessoas começaram a perder a vida asfixiadas. O quadro de terror e descalabro começou a vir à tona ainda ontem pela manhã, quando as redes sociais foram inundadas por depoimentos de médicos, enfermeiros, auxiliares que viam aqueles que estavam sob seus cuidados não resistirem porque lhes faltava o oxigênio necessário para respirar.

Em meio ao caos e por reconhecer que a doença dominou a rede de saúde, o governador Wilson Lima (PSC) informou que 235 pacientes seriam transferidos de Manaus para outros estados (leia abaixo). No decorrer do dia, relatos e imagens de pessoas buscando cilindros de oxigênio para levar aos seus parentes em unidades de saúde da capital amazonense tomaram as redes sociais. Com a falta do produto, ficou comprometida, inclusive, a abertura de leitos que estavam prontos para serem habilitados, como informou a Secretaria de Saúde do estado.

O relato desesperado de uma servidora do Serviço de Pronto Atendimento e Policlínica Dr. José Lins, que viralizou nas redes, traduz o descalabro da saúde em Manaus. "Nós estamos em uma situação deplorável. Simplesmente, acabou o oxigênio de toda a unidade de saúde. É muita gente morrendo. Quem tiver disponibilidade, por favor traga aqui para o SPA e para a policlínica da Redenção. Tem muita gente morrendo. Pelo amor de Deus", suplica ela no vídeo. Na postagem seguinte, ela registra dois cilindros chegando em viaturas policiais e os militares, às pressas, transportando o produto.

Toque de recolher
As alternativas adotadas às pressas, como a transferência de pacientes, são consequência de um desastre anunciado. O ministro Eduardo Pazuello foi ao estado justamente pela iminência de um colapso do sistema. E sabia da crise de oxigênio em Manaus — que entrou ontem em toque de recolher para evitar a propagação do vírus.

"Estamos vivendo crise de oxigênio? Sim. De abertura de UTIs? Sim. De pessoal? Sim. Então, é muito importante medidas que diminuam a entrada (hospitalar). Precisa tomar medidas para reduzir a entrada nos hospitais de outras doenças", afirmou. Ontem, o governo amazonense determinou toque de recolher na tentativa de diminuir a circulação de pessoas e evitar novos casos.

Pazuello disse, na última quarta-feira, que a fabricação da empresa White Martins, principal fornecedora do insumo no estado, estava impactada, atendendo com 50% da sua produção, e que era uma "luta" conseguir oxigênio líquido ou gasoso em qualquer lugar. Ele citou, então, as operações das Forças Armadas, com logística aérea, fluvial e terrestre.

"Todos os monitores, todos os respiradores, todas as bombas de infusão, simplesmente tudo o que foi solicitado foi entregue, sem exceção. A logística disso tudo também está disponibilizada pelo ministério", garantiu Pazuello, um dia antes de o sistema colapsar. Até a última quarta-feira, as Forças Armadas haviam entregue 350 das 386 unidades de cilindros de oxigênio previstas para Manaus. Em meio ao caos, o ministro realizou uma reunião de emergência para contornar a situação e evitar que mais vidas sejam perdidas pela falta de oxigênio.

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DF recebe seis infectados 

Renato Souza 

15/01/2021

 

 

O Distrito Federal começou a receber pacientes de Manaus, vítimas da covid-19, que precisam de suporte de oxigênio para respirar, devido ao colapso do sistema de saúde da capital amazonense. Ontem, cinco infectados vindos do Amazonas deram entrada no Hospital Santa Lúcia, na Asa Sul, e um integrante da Aeronáutica foi recebido no Hospital das Forças Armadas (HFA). Todos foram transportados em um avião militar e o governo federal vai custear o tratamento.

Em todo o Amazonas, já são 5,8 mil mortos e 218 mil infecções registradas. Com os leitos e oxigênio escassos na cidade, que tem mais de 2 milhões de habitantes, os pacientes serão enviados para outras unidades da federação, entre elas, o Distrito Federal. Além da capital do país, Maranhão, Rio Grande do Norte, Piauí e Paraíba se disponibilizaram a receber manauaras que precisam de ventilação artificial. A medida ocorre para desafogar leitos e preservar a vida dos pacientes. Em uma reunião de emergência, na tarde de ontem, o ministro Eduardo Pazuello discutiu outras soluções.

O secretário de atenção à saúde do Ministério da Saúde, coronel Franco Duarte, afirmou, em coletiva de imprensa realizada em Manaus, que os pacientes transportados são os que estão internados com estado de saúde considerado moderado. E, por isso, aguentam uma transferência para outro estado.

"São pacientes que ainda continuam dependentes do oxigênio, mas têm toda a segurança plena para serem aerotransportados. O paciente do Amazonas que subir na aeronave terá toda a segurança e assistência, com cobertura até de assistentes psicossociais, para não haver falha nenhuma", garantiu Duarte.

Procurado pelo Correio, o secretário de Saúde do DF, Osnei Okumoto, afirmou que recebeu uma ligação do Ministério da Saúde na madrugada de ontem, e que informou que a disponibilidade de leitos no DF é baixa. "Disse que a nossa disponibilidade está muito pequena. Eles me informaram que estariam recorrendo aos hospitais universitários. Agora, não sei como está sendo feito. Já temos nossa ocupação (de pacientes com covid-19 internados)", explicou.

A previsão é de que mais pacientes sejam enviados ao DF nos próximos dias, e a operação deve se estender até a próxima semana. Inicialmente serão transportadas 20 pessoas, que devem ser alocadas em leitos no Hospital Universitário de Brasília (HUB) e na rede particular. A rede pública do DF não tem capacidade para receber demanda de outras unidades da Federação. Trinta pessoas já foram levadas ao Piauí. Manaus registra 2.221 pacientes internados e pelo menos 900 devem ser transferidos.

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Governo quer manter Enem na Capital 

Edis Henrique Peres

Fernanda Srickland 

15/01/2021

 

 

A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu, ontem, da decisão da Justiça Federal do Amazonas que suspendeu a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cuja primeira prova é neste domingo e a segunda, no dia 24. A suspensão havia sido determinada na noite da última quarta-feira, pelo juiz Ricardo Augusto de Sales, do Tribunal Regional Federal da 1° Região, atendendo à ação popular impetrada pelo Ministério Público Federal do Amazonas (MO-AM) e com base no recrudescimento da pandemia do novo coronavírus, sobretudo, em Manaus. O magistrado decidiu, ainda, que, se a decisão fosse descumprida, a multa seria de R$ 100 mil por dia, a ser aplicada ao Ministério da Educação e ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) –– realizadores da prova.

Na alegação contra a suspensão do exame, a AGU alega que o adiamento por tempo indeterminado poderá causar dano irreparável aos estudantes do estado, sem contar o potencial de provocar um efeito cascata. Isso porque alterações no cronograma do Enem refletem nos do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e do Prouni (Programa Universidade para Todos).

A AGU ainda justifica que diversas medidas de prevenção foram tomadas, como higienização dos locais de prova, a redução do número de alunos por sala e uso de máscaras de proteção.
Também por precaução, a Prefeitura de Parintins, município a 369 quilômetros de Manaus, atendeu à recomendação da Defensoria Pública do Estado do Amazonas e do MP-AM e suspendeu a aplicação das provas do Enem. O adiamento consta em decreto publicado, na última quarta-feira, pelo prefeito Frank Luiz da Cunha Garcia, que vai solicitar a reaplicação do exame em fevereiro.

O decreto publicado por Garcia cita a decisão da Justiça Federal de São Paulo, que negou adiar as datas das provas no país, mas ponderou que "as peculiaridades regionais ou municipais devem ser analisadas caso a caso, cabendo a decisão às autoridades sanitárias locais, que podem e devem interferir na aplicação das provas do Enem se nessas localizações específicas sua realização implicar em um risco efetivo de aumento de casos da covid-19".