O Estado de São Paulo, n.46377, 08/10/2020. Economia, p.B3

 

'Copom das contas' agiria em calamidades

Adriana Fernandes

Jussara Soares

08/10/2020

 

 

A cláusula de "calamidade" que o governo quer incluir na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do pacto federativo permite que o Conselho Fiscal da República possa suspender as limitações das atuais regras fiscais ao aumento de gastos para combater os seus efeitos negativos na economia.

O Conselho está previsto na PEC e seria formado pelos presidentes da República, Senado, Câmara, Supremo, entre outros. O órgão atuaria como o Comitê de Política Monetária do Banco Central, o Copom, que define a taxa básica de juros da economia, a Selic.

A proposta desta espécie de Copom das contas públicas, revelada pelo Estadão, alimentou a preocupação de que o presidente Jair Bolsonaro use a cláusula para adotar medidas populistas em 2021, quando os efeitos da covid-19 ainda estarão sendo sentidos e ainda com risco de uma segunda onda da doença atingir o País. A primeira onda ainda está ocorrendo e os números de casos de contaminação ainda elevados. Uma barreira seria aumentar o quórum do Conselho para aprovação da suspensão das regras fiscais.

O risco de extensão do auxílio entrou no radar do mercado financeiro porque o governo avisou que só decidirá o financiamento do Renda Cidadã depois das eleições, novembro. O prazo é muito curto para aprovar em 2020.

A preocupação dos investidores é de que o governo possa usar o mecanismo para estender no ano que vem o auxílio emergencial diante do impasse do financiamento do Renda Cidadã, o programa que o governo quer criar para substituir o Bolsa Família.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, negou rumores de que o governo vai estender o auxílio até junho de 2021. Mas não é de hoje que políticos aliados do governo têm manifestado vontade de seguir com esse caminho. A equipe econômica é contra e cobra a manutenção do teto de gastos. Esses rumores alimentaram os temores com a piora fiscal.

Esse regime de exceção fiscal poderia ser aprovado depois que o Congresso decretasse estado de calamidade, replicando o modelo adotado no orçamento de guerra durante a pandemia da covid-19. Não haveria necessidade de aprovar uma nova PEC de guerra, permitindo acelerar a implantação das exceções às regras fiscais.

Fontes da área econômica afirmaram que a cláusula seria uma medida estruturante para evitar que, no caso de um nova calamidade, não se precise iniciar uma nova negociação para aprovar um Orçamento de Guerra.

A aprovação dessa cláusula foi discutida com a missão do Fundo Monetário Internacional (FMI).