Correio braziliense, n. 21052, 13/01/2021. Política, p. 2

 

Saída da Ford acende alerta no Congresso

Augusto Fernandes 

Simone Kafruni 

13/01/2021

 

 

Ao anunciar o fechamento das suas fábricas no Brasil, há dois dias, a Ford informou que o fim das atividades no território nacional se deve à intenção da empresa de se adequar a um modelo de negócios mais ágil e enxuto. Mas a saída da montadora deixou um recado claro sobre a falta de confiança dos investidores estrangeiros no país e reforçou a necessidade de a classe política acelerar a aprovação de reformas estruturais, em especial, a tributária, que está em discussão no Congresso desde abril de 2019.

Não é de hoje que empresários e economistas vêm alertando que a demora para a aprovação da matéria pode desfavorecer o clima dos negócios no Brasil, mas tanto o Executivo quanto o Legislativo travaram as discussões. Câmara e Senado apresentaram uma proposta cada um, mas deputados e senadores entraram em conflito sobre qual seria o melhor texto para modificar o sistema tributário. Uma comissão mista foi criada para tratar do assunto, mas, até agora, não houve consenso entre as Casas.

O governo só entrou na discussão no segundo semestre do ano passado, porém, a sugestão entregue ao Congresso não agradou. O Executivo apresentou apenas uma parte da proposta, a de unir PIS e Cofins em um único encargo, a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS). Depois disso, pouco fez para que a matéria tivesse sequência no Parlamento.

Os políticos dizem que a pandemia da covid-19 atrapalhou a conclusão da reforma tributária em 2020, com o sistema de trabalho remoto paralisando a atividade das comissões. Mas reconhecem que o exemplo da Ford deve servir como alerta.

"É mais um sinal da necessidade de o Brasil acelerar a reforma tributária, porque o atual sistema tributário é o pior do planeta, penaliza os mais pobres e quem produz", disse o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), presidente da comissão mista da reforma tributária. Ele estima que o colegiado termine, em março, as discussões acerca dos três textos que tramitam no Congresso e consolide as propostas em um único documento, para que os plenários da Câmara e do Senado votem a pauta até o fim do primeiro semestre.

"A decisão da Ford deve incentivar os parlamentares a aprovar isso logo. Afinal, qualquer investidor estrangeiro que olha para o Brasil enxerga um pandemônio tributário. Se juntarmos todas as leis, dá um livro de 7,5 mil quilos, que não serve para nada. É evidente que isso afasta investidores e dificulta a entrada de novas empresas", ponderou Rocha.

Colapso

O deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) segue a mesma linha. "A saída da Ford é um grave sinal de que nossa economia pode entrar em colapso. Já passou da hora de avançarmos com as reformas e garantirmos a retomada econômica do país. É preciso desburocratizar os serviços e dar mais segurança jurídica para atrair o capital privado", enfatizou.

Para o gerente-executivo de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Renato da Fonseca, é preciso reconhecer que a Ford está passando por uma reestruturação mundial. "Agora, ao tomar essa decisão, está olhando o ambiente de negócios dos países. Vai ver custo de mão de obra, mercado consumidor, custo de insumos, mas, principalmente, excesso da burocracia e insegurança", pontuou. Segundo ele, o custo Brasil pesou na decisão da companhia e é muito mais do que o sistema tributário complexo. "Hoje, a cadeia global trabalha com pouco estoque e muita eficiência logística. No Brasil, as cargas ficam paradas no porto, há uma quantidade enorme de órgãos anuentes, o processo de comércio exterior ainda é muito burocrático", assinalou.

Os acordos comerciais do país também influenciaram na decisão da empresa, segundo Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP). O acordo assinado com a União Europeia prevê a abertura do mercado para os carros europeus com alíquota zero nos próximos anos. Enquanto o do Mercosul, fechado pelo governo Bolsonaro, prevê o fim de qualquer restrição ou cota a partir de 2029. "Para a Ford, 2029 é logo ali e poderá exportar da Argentina e do Uruguai para cá."

Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos, ressaltou a motivação interna da companhia. "Não consigo ver só questões macroeconômicas para a empresa decidir sair, houve uma decisão estratégica. Mas o custo Brasil, definitivamente, atrapalha o desenvolvimento econômico", destacou. (Colaborou Ingrid Soares)

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Funcionários da montadora fazem protesto

13/01/2021

 

 

Milhares de trabalhadores da Ford protestaram, ontem, contra o fechamento de todas as fábricas da montadora no Brasil, anunciado na segunda-feira. Desde o início da manhã, cerca de 3 mil trabalhadores, com máscara de proteção contra o novo coronavírus, reuniram-se em frente à unidade de Camaçari, na Bahia, e cerca de 500 em frente à de Taubaté (SP) — as duas que fecharão imediatamente.

Uma terceira fábrica, no Ceará, continuará funcionando até o último trimestre do ano. O mercado brasileiro passará a ser abastecido com produções da Argentina, do Uruguai e de outras origens.

O anúncio, no marco de uma reestruturação do grupo de Detroit (Estados Unidos) na América do Sul, pegou os trabalhadores de surpresa. "Foi uma notícia chocante, a pior possível", disse Felipe Monteiro, de 34 anos, técnico eletrônico que trabalha há 16 na fábrica de Taubaté, entre 850 funcionários.

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Bolsonaro critica: "Querem subsídios"

13/01/2021

 

 

O presidente Jair Bolsonaro lamentou, ontem, o fechamento de cinco mil vagas de trabalho com a saída da Ford, mas disse que a empresa não foi transparente sobre a decisão. “Lamento os cinco mil empregos perdidos. Mas o que a Ford quer? Faltou a Ford dizer a verdade. Querem subsídios. Vocês querem que continuem dando R$ 20 bilhões para eles, como fizeram nos últimos anos? Dinheiro de vocês, do imposto de vocês para fabricar carro aqui? Não. Perdeu para a concorrência. Lamento”, disparou, para apoiadores no Alvorada.

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Nem com subsídios 

Edis Henrique Peres 

13/01/2021

 

 

O anúncio da saída da Ford do Brasil, depois de 102 anos no país, reacendeu a discussão sobre a reforma tributária. Apesar de o tema ter retornado à pauta, o cientista político Rafael Favetti afirmou que a decisão da empresa está ligada a estratégias mercadológicas. "A Ford tem intenção de se voltar para carros de luxo e de grande porte", disse, em entrevista ao programa CB.Poder, parceria do Correio com a TV Brasília.

Para Favetti, nenhum subsídio seria suficiente para manter a companhia no país. "Se a Ford começasse a ter altos lucros nos carros que vende aqui, ela, evidentemente, teria adiado essa decisão, mas essa escolha já foi tomada há muito tempo."

Favetti explicou, no entanto, que uma das principais dificuldades para as indústrias é um imposto estadual, o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias). Questionado sobre as propostas de reforma tributária, em andamento no Congresso — uma na Câmara e outra no Senado —, o cientista político disse que o ideal seria a junção dos dois textos. Segundo ele, diariamente, há novas instruções normativas e falta previsibilidade para atrair investidores.

Também entrevistado, Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores, disse que a saída da Ford não ocorre totalmente por questões tributárias e subsídios. "O benefício fiscal para a Ford na Bahia era extremamente alto e até mesmo difícil de alguma empresa ganhar isso hoje. O que poderia ser feito seriam algumas mudanças estruturais para que houvesse maior competitividade da cadeia produtiva", frisou.

Parente ressaltou que, em alguns setores, o Brasil consegue atrair bons investidores. "Um exemplo são os investimentos para as concessões, como a de saneamento básico e de energia elétrica, que sempre atraem bastante recursos", destacou.

  * Estagiário sob a supervisão de Cida Barbosa

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Nas entrelinhas: o recado da Ford 

Luiz Carlos Azedo 

13/01/2021

 

 

Neste episódio do encerramento das operações da Ford no Brasil há mais coisas entre o céu e a terra do que os aviões da Embraer. A propósito, a mais importante empresa de tecnologia da indústria nacional, que foi a consagração do modelo de substituição das importações, luta para sobreviver, depois do fracasso da bilionária parceria com a Boeing. A indústria de aviação passa por uma reestruturação mundial, agravada pela pandemia do novo coronavírus, que teve forte impacto no transporte de passageiros. De certa forma, a redução do fluxo de pessoas pode ajudar a volta por cima da Embraer, que produz aviões menores, como o E190, para 100 passageiros, ideal para a aviação regional. A startup EGO Airways divulgou, recentemente, que o avião brasileiro vai operar 11 rotas italianas, inicialmente, tendo por hubs os aeroportos de Forli e de Catânia, no norte e no sul da Itália, respectivamente; depois, na rota Milão-Roma.

Pode-se responsabilizar o governo Bolsonaro pela saída da Ford do Brasil? Por não ter feito nada para evitar, sim; mas essa não foi a causa principal. Em tese, poderíamos ter disputado a permanência das fábricas com a Argentina e o Uruguai, mas isso exigiria um arranjo institucional impossível de ser feito sem reforma tributária, política industrial e política de comércio exterior adequadas. Além disso, poderia ser uma solução de curto prazo, porque a indústria de automóveis passa por uma revolução tecnológica, na qual a Ford ficou para trás. Já são vendidos no Brasil, por exemplo, cerca de 20 modelos diferentes de carros elétricos Audi, Chevrolet, Nissan, Jaguar, BMW, Renault, JAC, Mercedes-Benz, BYD e Tesla. A briga boa é para produzi-los aqui no Brasil, mas, aí, surge o problema da automação: modernas plantas industriais são automatizadas, a mão de obra barata deixou de ser um atrativo.

As grandes marcas não são imortais, mesmo quando a empresa opera no país há mais de 100 anos. A Esso, com 50 anos de mercado, tinha 1,7 mil postos de combustíveis quando deixou de existir. Estava no Brasil desde 1912. No início, os postos se chamavam "Standard Oil Company of Brazil". Não se sabe, ao certo, quando a marca e sua mascote, o tigre, foram adotados. Mas, na década de 1940, quando o Repórter Esso estreou na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a marca já tinha alguma popularidade. Em 2008, a rede Esso foi comprada pela Cosan. Três anos depois, a própria Cosan se uniu à Shell, formando a Raízen. Na ocasião, Cosan e Shell anunciaram que a marca Esso seria substituída.

Tecnologia

A troca de bandeira não é uma operação fácil. Só para vestir os frentistas da Esso com o uniforme da Shell a companhia precisou de 300 mil macacões e 60 mil bonés. A Raízen investiu R$ 130 milhões para trocar a bandeira pela Shell. E como será com o carro elétrico, cujas baterias são recarregadas na garagem? É melhor a Petrobras vender logo a BR Distribuidora — corre o risco de que faltem compradores interessados — e investir na exploração do pré-sal, antes que seja tarde demais. Inovação é o que mantém as empresas vivas. Para isso, precisam conversar com startups ou criar programas de pesquisa e desenvolvimento. Entretanto, preferimos subsídios e reservas de mercado, que têm pernas curtas quando ocorre uma revolução tecnológica, como agora, com forte impacto na divisão internacional do trabalho.

A Blockbuster era uma companhia gigante e com uma grande clientela. Morreu de maneira surreal. Deixamos de alugar DVDs para assistir a vídeos por meio de serviço de streaming em demanda, como Netflix e o Net Now. Teve a oportunidade de comprar a Netflix em 2000 e não comprou, preferiu focar na atenção ao cliente de suas lojas. Na época, a Netflix era só um serviço de delivery de DVD. A empresa faliu em 2013. Na década de 1970, a Kodak chegou a ser dona de 80% da venda das câmeras e de 90% de filmes fotográficos. E, na mesma década, inventou o que ia falir a empresa: a câmera digital. Como ia prejudicar a venda de filmes, eles engavetaram a tecnologia. Duas décadas depois, as câmeras digitais apareceram com força e quebraram a Kodak. Faliu em 2012.

Em 2005, o Yahoo! era o maior portal de internet do mundo e chegou a valer US$ 125 bilhões. Pouco mais de 10 anos depois, a companhia foi vendida para a Verizon, por apenas US$ 4,8 bilhões. Ela poderia ser o maior portal de pesquisa da internet, mas decidiu ser um portal de mídia. O PARC (Palo Alto Research Center) da Xerox tinha objetivo de criar tecnologias inovadoras: computadores, impressão a laser, Ethernet, peer-to-peer, desktop, interfaces gráficas, mouse e muito mais. Conseguiu. Steve Jobs só criou a interface gráfica de seus computadores após uma visita ao centro da Xerox, no coração do Vale do Silício. Quem menos lucrou com essas inovações foi a própria Xerox.

MySpace, Orkut e Atari tiveram trajetórias parecidas: estagnaram e foram engolidas pela concorrência. Os dois primeiros, por Facebook e Twitter; o terceiro, pela Nintendo. Mas, nada foi mais espetacular do que a ultrapassagem do Blackberry. Chegou a ter mais de 50% do mercado de celulares nos Estados Unidos, em 2007. Contudo, naquele mesmo ano, começou a sua derrocada. O primeiro iPhone foi lançado em 29 de junho de 2007.