Valor econômico, v. 21, n. 5184, 08/02/2021. Brasil, p. A4

 

Crédito para ajudar exportação está cada vez mais escasso

Edna Simão

Mariana Ribeiro

08/02/2021

 

 

Dificuldade fiscal e necessidade de novas regras explicam problema, segundo governo

Se por um lado os recursos públicos destinados ao financiamento das exportações de empresas brasileiras estão mais escassos, por outro, o governo tem desembolsado mais para honrar calotes em contratos cobertos pelo seguro de crédito à exportação (SCE). A indústria reclama que os mecanismos de crédito oficial estão perdendo força no Brasil.

Segundo técnicos da área econômica, não há uma orientação do governo para diminuir o apoio às exportações brasileiras. A avaliação, no entanto, é que, além da dificuldade fiscal, existe a necessidade de atualização das regras existentes para melhorar e tornar mais célere a execução dos recursos.

O governo já trabalha na revisão de normativos que tratam da liberação de recursos para equalização de juros nos contratos de exportação. O pedido de ajuste, que deve ser apresentado neste mês ou em março, precisa de aprovação do Conselho Monetário Nacional (CMN). Além disso, o seguro de crédito às exportações passará por uma reforma.

Atualmente, o governo apoia as exportações por meio do Programa de Financiamento às Exportações (Proex) Equalização e Financiamento, operado pelo Banco do Brasil, e do seguro de crédito, pela Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), ligada ao Ministério da Economia. As iniciativas dependem de recursos orçamentários.

Nos últimos anos é possível notar que uma parcela cada vez maior do valor aprovado pelo Congresso para o Proex-Equalização, especialmente, não tem sido usada na integralidade. A modalidade beneficia, principalmente, as grandes empresas. Segundo dados do Ministério da Economia, o desembolso do governo com equalização somou R$ 575,1 milhões no acumulado de 2019 (R$ 266,3 milhões) e 2020 (R$ 308,8 milhões). Somente em 2018, esse pagamento foi de R$ 874,8 milhões.

Para técnicos do Tesouro, o que está acontecendo é um “empoçamento” dos recursos porque as empresas solicitam ao Banco Brasil a equalização de uma operação, que nem sempre se confirma. Neste caso, o banco não pode repassar o recurso para outra empresa. Esse “empoçamento”, conforme fontes, está cada vez mais expressivo e, por isso, a necessidade de ajuste nas regras atuais. “Hoje você tem um orçamento que quem chegar primeiro ocupa”, contou um técnico.

Segundo ele, os R$ 888,6 milhões autorizados para este ano já foram totalmente consumidos com os pedidos já existentes no BB. “Agora, vamos ter que parar de aprovar de aprovar operações por causa disso, sabendo que muito lá na frente não vai se verificar. O BB tem feito uma pressão nas empresas pedindo para que ajustem os cronogramas para que não ocupem lugar na fila.”

Para tentar reverter esse quadro, a ideia é estabelecer alguns prazo, por resolução do CMN, para que as empresas apresentem documentação mostrando o andamento para exportação. Com isso, dependendo da situação, o recurso pode ser transferido para uma outra companhia. “Não dá para apertar demais os prazos”, explicou um técnico do Tesouro.

No caso da modalidade Proex-Financiamento, que apoia exportações de empresas com faturamento bruto anual até R$ 600 milhões, os técnicos do Tesouro explicaram que o orçamento está condizente com o que vem sendo solicitado ano a ano. Tanto em 2019 quanto em 2020, o orçamento previsto foi de R$ 2,1 bilhões e o efetivamente pago foi de R$ 1,3 bilhão em 2019 e R$ 1,4 bilhão no ano passado. Para este ano, o orçamento previsto é de R$ 1,999 bilhão. No BNDES, a concessão de crédito passou de R$ 14,5 bilhões em 2016 para R$ 5,9 bilhões em 2020.

No caso do SCE, lastreado no Fundo de Garantia às Exportações (FGE), sua atuação tem reduzido gradativamente nos últimos anos, o que se reflete em uma diminuição de suas receitas. Como menos operações têm sido contratadas, a arrecadação de prêmios pelo risco tem diminuído. Dados do Ministério da Economia mostram que as indenizações pagas saltaram de zero em 2016 para R$ 1,2 bilhão em 2020. Já o prêmio recolhido recuou de R$ 451,2 milhões em 2016 para R$ 70,6 milhões em 2020.

“Passou a haver um aumento significativo no número inadimplências em créditos cobertos pelo SCE/FGE, como no caso dos financiamentos a exportações para Cuba, Moçambique e Venezuela, além de uma operação do setor aeronáutico, o qual, aliás, encontra-se em situação de severo estresse devido aos efeitos econômicos da pandemia”, informou o ministério. A ideia é que haja uma disponibilização maior de recursos para o seguro, após a reforma que se pretende fazer nele.

Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), os dados do governo confirmam um cenário preocupante na área de financiamento às exportações no país, que já vem se desenrolando há alguns anos. Desde 2015, os mecanismos de crédito oficial vêm perdendo força no Brasil, enquanto outros países têm adotado políticas agressivas e competitivas para a área nas últimas décadas, defende.

“Não existe banco privado que financie em longo prazo montantes dessa magnitude. Tem que ter ação pública para poder enfrentar esse tipo de demanda”, disse o diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Eduardo Abijaodi. Ele destacou que o apoio oficial à exportação tem efeitos mais amplos sobre a economia, como na arrecadação, geração de emprego e utilização de serviços no país.

Dados da entidade mostram que empresas apoiadas por instrumentos públicos de financiamento chegam a exportar 15% mais, ampliam seus mercados em até 70% e aumentam o número de funcionários em até 10%. No caso do Proex Equalização, a CNI afirma que, em 2019, para cada US$ 1 alocado foram gerados US$ 25,7 em exportações de bens de alto valor agregado e gerados US$ 3,20 em impostos à União. Para 2021, a demanda é de ao menos R$ 1,6 bilhão de orçamento para a modalidade.

Atualmente, aponta a CNI, o BNDES vem apresentando os menores níveis de desembolso histórico para as exportações; o Proex tem enfrentado dificuldades com seu orçamento minguando; e a ABGF, que lida com os seguros e garantias, foi incluída no Plano Nacional de Desestatização (PND) para liquidação, o que gera preocupação.

Para Constanza Negri Biasutti, gerente de Política Comercial da CNI, a política de financiamento às exportações deve ser vista como um pilar da política industrial e de comércio exterior. “A gente já tem que ir atrás do prejuízo de o Brasil ter descuidado dessa área por uns cinco anos. Agora é o momento de a gente reverter isso, mas pensando de maneira estratégica e olhando o contexto maior. Não podemos continuar deixando as empresas brasileiras em desvantagem como elas ficam hoje.”

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Governo estuda definir novo modelo para seguro via MP

Edna Simão 

Mariana Ribeiro

08/02/2021

 

 

Ideia é que mudanças comecem ainda este mês

O governo avalia a possibilidade de fazer a reforma do seguro de crédito à exportação (SCE), lastreado pelo Fundo de Garantia às Exportações (FGE), por meio de uma medida provisória (MP). Ainda não foi batido o martelo sobre o assunto, mas a decisão deve sair neste mês. Como o governo quer firmar novos contratos com base nos critérios estabelecidos com a reforma, as operações têm sido cada vez mais restrita. A expectativa é que o novo modelo de seguro esteja em operação até o fim do ano.

“Estamos trabalhando para construir um modelo alternativo, baseado em um fundo financeiro, que não dependa de autorização em lei orçamentária para pagar indenizações. Um modelo de lastro com essas características seria muito mais atrativo para os financiadores, pois o pagamento de indenizações estaria desvinculado do processo orçamentário, o qual, como se sabe, é bastante complexo. Isso tende a promover o ‘crowding-in’ do setor privado, com o aporte de mais recursos de bancos comerciais no financiamento às exportações, em benefício dos exportadores brasileiros”, disse o Ministério da Economia, em nota.

Está em discussão na reforma a possibilidade de mudar o tratamento tributário das indenizações pagas, que hoje são consideradas pela Receita Federal como remessa. Se essa discussão prosperar, a indenização teria “imunidade” tributária. “A gente entende na verdade que a tributação nem sequer deveria existir nesse contexto. Seria um clássico de imunidade”, explicou um técnico do ministério.

Segundo ele, as indenizações pagas vêm subindo nos últimos anos com o aumento calotes de países como Cuba, Moçambique e Venezuela. Em 2020 a situação foi agravada devido aos efeitos da pandemia de covid-19, que “trouxe choques que não se imaginava que seriam tão pesados em nossa estrutura de carteira com destaque para o setor aeronáutico”, disse.

De 2016 para 2020, o valor de prêmios recebidos recuou de R$ 451,2 milhoes para R$ 70,6 milhões. As indenizações saíram de zero para R$ 1,2 bilhão no mesmo período. “Dada a necessidade de dotação substancial para exercícios vindouros para pagamento de indenizações relativas a operações já sinistradas, associada a um possível agravamento de risco da carteira atual em decorrência da pandemia de covid-19, o FGE encontra-se em posição complexa para ampliar sua exposição, especialmente quando considerado o quadro fiscal vigente. Diante disso, tem-se optado por uma gestão mais conservadora do FGE, em prol da mitigação do impacto fiscal em exercícios futuros”, informou o ministério.

Mesmo com o aumento das indenizações, o FGE é contabilmente solvente, conforme o Ministério da Economia. O problema, no entanto, é que o fundo não pode utilizar automaticamente os recursos que tem já que depende dotação orçamentária, pois a despesa tem impacto primário.

Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o processo da reforma do sistema como um todo começou no ano passado, mas está demorando. “Enquanto outros países se fortalecem na política de financiamento à exportação, o Brasil continua desenhando o seu modelo”, disse Constanza Negri Biasutti, gerente de Política Comercial da entidade.