Correio braziliense, n. 21048, 09/01/2021. Mundo, p. 10

 

Democratas aceleram pedido de impeachment

Rodrigo Craveiro 

09/01/2021

 

 

Incitação à insurreição. O mais recente rascunho do segundo impeachment contra o republicano Donald Trump se sustenta neste crime para exigir o afastamento do presidente, acusado de estimular a invasão ao Capitólio, que deixou cinco mortos. O pedido de remoção será apresentado pelo Partido Democrata ao Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes na próxima segunda-feira. "O presidente Trump (...) demonstrou que continuará sendo uma ameaça à segurança nacional, à democracia e à Constituição se for autorizado a permanecer no cargo, e ele agiu de modo totalmente incompatível com a autogovernança e o Estado de direito", afirma o rascunho ao qual a rede de tevê CNN teve acesso.

Nancy Pelosi, presidente da Câmara, voltou a cobrar dos republicanos que façam um apelo pela imediata destituição de Trump. "Se o presidente não deixar o cargo imediatamente e de boa vontade, o Congresso dará continuidade à nossa ação", declarou. A segunda opção envolveria a invocação da 25ª Emenda da Constituição, por parte do vice-presidente, Mike Pence. O mecanismo prevê afastamento do presidente por incapacidade de governar.

A 12 dias de tomar posse, o presidente eleito, Joe Biden, disse ontem que a decisão de submeter Trump a um julgamento político cabe ao Congresso. "A maneira mais rápida de isso ocorrer é prestar juramento. O que realmente acontecer, mais cedo ou mais tarde, será uma decisão a ser tomada pelo Congresso. Mas é isso que estou esperando: que ele deixe o cargo", admitiu. O Partido Republicano, de Trump, mostra-se dividido em relação ao impeachment. "Submeter o presidente a um processo de destituição quando restam apenas 12 dias para o fim de seu mandato só dividirá mais o nosso país", opinou Kevin McCarthy, líder da minoria governista na Câmara. "Eu quero que ele renuncie. Eu o quero fora. Ele causou enormes danos", comentou a senadora Lisa Murkowski, em entrevista ao Anchorage Daily News.

Erwin Chemerinsky, professor de direito da Universidade de Berkeley e assistente do juiz Anthony Kennedy na Suprema Corte, explicou ao Correio que, se for submetido a impeachment e considerado culpado pelo Congresso, Trump estará impossibilitado de disputar novamente a Presidência. "Uma condenação criminal não o inabilitaria politicamente", observou.

Professor de direito da Universidade de Yale, Bruce Ackerman esclarece que o impeachment somente pode ocorrer antes de 20 de janeiro. "Uma vez que Trump deixar o cargo, ele não poderá ser destituído e o processo será encerrado. O impeachment é um procedimento para remover autoridades do posto que ocupam. Ao deixar a Casa Branca, Trump será tratado como cidadão comum."

 Ausência 

Poucas horas depois de divulgar um vídeo no qual adotava um tom conciliatório e prometia uma transição "tranquila", Trump tornou a adotar a retórica divisiva. "A todos aqueles que perguntaram. Eu não irei à posse em 20 de janeiro", escreveu em seu perfil no Twitter, que tinha sido desbloqueado na véspera. "Os 75 milhões de grandes patriotas americanos que votaram em mim, 'América em primeiro lugar' e 'Tornar a América grande novamente', terão uma voz gigantesca no futuro. Eles não serão desrespeitados ou tratados injustamente de nenhum modo, formato ou forma!!!", acrescentou. Seria a primeira vez em 152 anos que um presidente se ausentaria da cerimônia de posse do sucessor. "A presença de Trump seria muito mais perturbadora do que sua ausência", disse ao Correio Brian Kalt, professor de direito da Universidade Estadual de Michigan."De qualquer forma, o legado dele será de grandes danos às fundações da República."

Em comunicado à imprensa, Pelosi revelou que conversou, na manhã de ontem, com o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, general Mark Milley. A deputada e o militar discutiram medidas para evitar que um "presidente instável inicie hostilidades militares ou tenha acesso aos códigos de lançamento de um ataque nuclear". "A situação deste presidente desequilibrado não podia ser mais perigosa, e devemos fazer tudo o que pudermos para proteger o povo americano de seu ataque descompensado ao nosso país e à nossa democracia", comentou.

Ackerman lembrou que o único presidente destituído, Andrew Johnson, também não compareceu à posse de seu sucessor, Ulysses S. Grant, em 1868, logo depois do fim da Guerra Civil. "Pence, que servirá como Presidente do Senado até 20 de janeiro, permitirá que os senadores considerem o tema durante o breve tempo que lhe resta no cargo. Ele aposta que não há senadores republicanos suficientes para se unirem aos democratas e formarem a maioria de dois terços necessária para a condenação. Isso desacreditará ainda mais o Partido Republicano aos olhos da vasta maioria dos americanos", afirmou.

O professor de Yale considera "muito improvável" um aventureirismo militar de Trump, face à resistência do Estado-Maior Conjunto. "É bem mais provável que Trump conceda um autoperdão, um exercício verdadeiramente sem precedentes do poder presidencial. Nem mesmo Richard Nixon tomou tal atitude. Em vez disso, seu sucessor Gerald Ford perdoou o antecessor por abuso de poder no escândalo Watergate", disse Ackerman.