Correio braziliense, n. 21047, 08/01/2021. Política, p. 2

 

Bolsonaro levanta suspeita sobre eleições...

Ingrid Soares 

Luiz Calcagno 

08/01/2021

 

 

Após a invasão do Capitólio dos Estados Unidos, na quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a cena pode se repetir no Brasil nas eleições presidenciais de 2022, caso o voto impresso não seja instituído. Segundo o chefe do Executivo, o que motivou o ataque ao Congresso, em Washington, foi a falta de confiança da população no sistema de votação. Sem provas, ele voltou a dizer que houve fraude no pleito dos EUA, o que já foi desmentido pela Justiça eleitoral americana.

"O pessoal tem de analisar o que aconteceu nas eleições americanas. Agora, basicamente, qual foi o problema, a causa dessa crise toda? Falta de confiança no voto. Lá, o pessoal votou, e potencializaram o voto pelos Correios por causa da tal da pandemia. Teve gente que votou três, quatro vezes. Mortos votaram, foi uma festa lá. Ninguém pode negar isso daí. Então, a falta dessa confiança levou a esse problema que está acontecendo lá. E, aqui no Brasil, se tivermos o voto eletrônico em 2022, vai ser a mesma coisa, a fraude existe", enfatizou.

Bolsonaro ainda fez referência a uma declaração dada, durante a semana, sobre as eleições de 2018, nas quais, mesmo tendo sido vitorioso, disse que os votos foram fraudados e que ele deveria ter ganhado em primeiro turno. "Daí a imprensa vai falar: 'Sem prova, diz que a fraude existe', mas não vou responder a esses canalhas da imprensa mais, tá certo? Eu só fui eleito porque tive muito voto em 2018. Não estou falando que vou ser candidato nem que vou disputar as eleições", alegou.

De acordo com Bolsonaro, "se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior do que os Estados Unidos". O presidente criticou o bloqueio imposto por redes sociais ao presidente Donald Trump. A punição foi definida porque ele violou as normas que impedem incitação à violência, ao manifestar apoio aos invasores do Congresso. "Bloquearam o Trump nas mídias sociais. Um presidente eleito, ainda presidente, tem suas mídias bloqueadas", protestou.
Por fim, Bolsonaro disse que não tem fixação por um novo mandato. No entanto, o presidente tem em mente que precisa implementar programas sociais, mantendo a popularidade que o auxílio emergencial lhe proporcionou, além de melhorar a economia, visando as eleições de 2022. "Não tenho obsessão por mandato e sede de poder. Tudo que me acusaram que eu seria, não fui. Da minha parte, não tem nenhum ato antidemocrático, perseguição a nenhuma categoria, negro, gay, careca, gordo, nordestino. Nada."

Um dos que reagiram às declarações de Bolsonaro foi o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). No Twitter, ele postou: "A frase do presidente Bolsonaro é um ataque direto e gravíssimo ao TSE e seus juízes. Os partidos políticos deveriam acionar a Justiça para que o presidente se explique. Bolsonaro consegue superar os delírios e os devaneios de Trump" escreveu. Foi Maia quem engavetou mais de 50 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, embasado nos mais diversos motivos, sob a alegação de não ter visto "nenhum tipo de crime atribuído ao presidente".

Agrado à base
Analista político da consultoria Dharma, Creomar de Souza fez uma avaliação pragmática das falas de Bolsonaro. Ele lembrou que, apesar de o presidente já ter levantado suspeitas sobre o sistema eleitoral, não apresenta provas. "Ele traz o tema à tona quando sofre uma queda de popularidade ou um crescimento da desaprovação", destacou o especialista, que apontou a atitude como um exercício retórico para manter a base radical unida.

Souza ressaltou que ainda não é possível dizer se bolsonaristas teriam capacidade para uma atuação semelhante à dos radicais de extrema-direita americanos. "Essas falas e ameaças à democracia têm o objetivo de monopolizar o debate político. A imprensa divulga, e políticos favoráveis e contrários repercutem. Assim, ele monopoliza a narrativa política", avaliou. "É uma estratégia que gera poucos resultados em políticas públicas, mas é eficaz na dominação do debate. O tempo todo se fala no presidente. E ele gosta da ideia de que o debate político verse sobre ele."

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

... E TSE diz trabalhar com "fatos e provas"

Renato Souza 

08/01/2021

 

 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rebateu as acusações de fraudes nas eleições, feitas pelo presidente Jair Bolsonaro. Presidente da Corte eleitoral, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que lida com "fatos e provas" e que, se qualquer material for apresentado, será analisado. Ontem, o chefe do Executivo afirmou que a invasão do Congresso dos Estados Unidos, por parte de eleitores do presidente Donald Trump, foi motivada por falta de confiança no voto.

"Lá, o pessoal votou, e potencializaram o voto pelos Correios por causa da tal da pandemia. Teve gente que votou três, quatro vezes. Mortos votaram, foi uma festa lá. Ninguém pode negar isso daí, então, a falta de confiança levou a esse problema que está acontecendo lá. E, aqui no Brasil, se tivermos o voto eletrônico em 2022, vai ser a mesma coisa, a fraude existe", acusou Bolsonaro.

Procurado pelo Correio, o TSE, por meio da assessoria de imprensa, informou que "o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, lida com fatos e provas, que devem ser apresentadas pela via própria". "Eventuais provas, se apresentadas, serão examinadas com toda seriedade pelo tribunal", completa a nota.
Também ontem, o vice-presidente do TSE, Edson Fachin, afirmou que a invasão do Congresso dos EUA coloca "a democracia brasileira em alerta". O magistrado destacou, ainda, que a "alternância de poder não pode ser motivo de rompimento".

"A violência cometida, neste início de 2021, contra o Congresso norte-americano deve colocar em alerta a democracia brasileira. Na truculência da invasão do Capitólio, a sociedade e o próprio Estado parecem se desalojar de uma região civilizatória para habitar um proposital terreno da barbárie", escreveu Fachin.
O magistrado lembrou que, no próximo ano, o Brasil passa por eleições gerais, para escolha de presidente da República e renovação do Congresso. Ele defendeu que a Justiça Eleitoral deve combater a "desinformação".

"Quem desestabiliza a renovação do poder ou que falsamente confronte a integridade das eleições deve ser responsabilizado em um processo público e transparente. A democracia não tem lugar para os que dela abusam", enfatizou Fachin.

Ele também pediu que a democracia e a lei sejam protegidas. "Alarmar-se pelo abismo à frente, defender a autonomia e a integridade da Justiça Eleitoral e responsabilizar os que atentam contra a ordem constitucional são imperativos para a defesa das democracias", completou.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Temor de atos hostis 

Renato Souza 

Simone Kafruni 

Vicente Nunes 

08/01/2021

 

 

As declarações do presidente Jair Bolsonaro de que atos de violência, como os vistos na invasão do Congresso dos Estados Unidos, possam se repetir no Brasil em 2022 levantaram o alerta da alta cúpula das Forças Armadas. A avaliação, dentro de Exército, Marinha e Aeronáutica, é de que os militares, dificilmente, embarcariam em uma investida autoritária contra um presidente eleito. No entanto, existem preocupações com manifestações civis.

Um dos fatos lembrados no setor é a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), convocado pelo presidente Michel Temer, em 2017, contra manifestantes resistentes à reforma da Previdência e que depredaram edifícios da Esplanada. Naquele dia ocorreram tentativas falhas de invasão ao Congresso, repelidas pelas forças de segurança.

No entanto, na avaliação dos integrantes das Forças Armadas, manifestações incentivadas por uma autoridade legalmente constituída, como Bolsonaro, podem ganhar maior proporção, assim como ocorreu na capital norte-americana. "O que temos de ressaltar é que a nossa sociedade é mais jovem e imatura do que a norte-americana", destaca um integrante da Aeronáutica, ouvido pela reportagem.

Repetição
Entre os especialistas, as impressões são parecidas, com maiores preocupações em torno de manifestações civis. O cientista político Cristiano Noronha, sócio da Arko Advice, lembrou que o discurso de Bolsonaro de contestar o processo eleitoral vem de antes de sua eleição. "Já disse que tem provas sobre isso, mas nunca apresentou. Se ele perder em 2022, vai colocar em dúvida as nossas urnas e pode acontecer coisa semelhante com o que ocorreu nos Estados Unidos", afirmou. No entanto, Noronha acrescentou que os Poderes constituídos não vão corroborar a insurgência, tampouco as Forças Armadas.

"Não vai haver apoiamento por parte das Forças Armadas, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), do Congresso e, muito menos, do Supremo (Supremo Tribunal Federal). Existem mecanismos institucionais e democráticos de questionamento. Houve na chapa da ex-presidente Dilma e há em curso da chapa do próprio Bolsonaro", pontuou. "A confusão pode ocorrer, mas não terá apoio, mesmo com militares no governo, porque estão lá como pessoas físicas e não como instituição. O risco de os militares apoiarem isso é muito baixo", estimou.

Para o cientista político João Seres, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Bolsonaro cooptou os militares, empregando muitos deles, que ganham adicional no salário. "Essas pessoas vão apoiá-lo, muito mais por motivação econômica do que ideológica, mas isso não quer dizer que a instituição Forças Armadas vai se arriscar nessa aventura", analisou.