O globo, n. 31931, 08/01/2021. País, p. 4

 

Versão Brasileira 

Daniel Gullino

Carolina Brígido

Bruno Góes

Julia Lindner

Maurício Ferro

08/01/2021

 

 

Após a crise nos Estados Unidos, o Bolsonaro faz uma ameaça velada; autoridades reagem
 Um dia depois de partidários do presidente Donald Trump invadirem o Congresso dos Estados Unidos, por não aceitarem o resultado das eleições, o presidente Jair Bolsonaro disse ontem que o Brasil terá um "problema pior do que os Estados Unidos" se não houver voto impresso na eleição de 2022 . O depoimento provocou reação imediata de autoridades como o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso; o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin; e o prefeito Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O PT pediu ao TSE e ao Ministério Público Federal (MPF) que Bolsonaro apresentasse indícios de fraude no processo eleitoral brasileiro, já que denunciou mais de uma vez, e que seja responsabilizado se não apresentar provas das denúncias.

- Se não tivermos o voto impresso do dia 22, uma forma de fiscalizar o voto, teremos problema pior do que os Estados Unidos - disse o presidente, em conversa com simpatizantes no Palácio da Manhã. Bolsonaro também repetiu ataques e críticas à imprensa, repetidos em transmissão ao vivo pela internet, à noite.

Horas depois de o Congresso dos Estados Unidos oficializar a vitória de Joe Biden, o presidente insistiu que houve fraude na disputa, uma falsa alegação feita por Trump desde sua derrota. Bolsonaro disse ainda que a raiz dos problemas atuais dos EUA é a "falta de confiança" na votação.

À noite, Bolsonaro voltou a defender a implementação do voto impresso no Brasil:

- Houve desconfiança (sobre o processo eleitoral)? Essas sessões podem então ser auditadas pelo Brasil. Qual é o problema com isso? Você está assustado? Você consertou a fraude de 22? Eu só posso entender isso a partir daí. Não vou esperar chegar 22, nem sei se serei candidato, para começar a reclamar. Temos que aprovar o voto impresso.

Nós presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, destacamos, a título de nota, que "uma lição importante da história é que governantes democráticos querem ordem". E acrescentou: "por isso mesmo, não devem ceder a futuras desordens, violências e agressões às instituições".

"A vida institucional não é uma plataforma e as pessoas devem ser responsáveis ​​pelo que falam. Se alguma autoridade possui algum elemento grave que coloque em causa a integridade e segurança do processo eleitoral, tem o dever cívico e moral de o apresentar. , só estará contribuindo para a desestabilização ilegítima das instituições ", observou Barroso.

Já o ministro Edson Fachin, do STF, que também é vice-presidente do TSE, disse, também por meio de nota, que "a violência cometida contra o Congresso dos Estados Unidos deve colocar em alerta a democracia brasileira".

O prefeito também reagiu ao questionamento de Bolsonaro sobre a lisura do processo eleitoral brasileiro. "A sentença do presidente Bolsonaro é um ataque direto e muito sério ao TSE e seus juízes. Os partidos políticos deveriam fazer justiça para que o presidente se explicasse. Bolsonaro consegue superar os delírios e devaneios de Trump", escreveu Maia nas redes sociais.

A recomendação de Maia foi seguida pelo PT, que acionou o M PF e o TSE para que fossem apuradas as declarações recentes do presidente da República sobre o assunto. O partido pediu que Bolsonaro fosse ouvido formalmente.

CHANCELER LÁ E AQUI

Nas representações, o PT disse que Bolsonaro "volta a atacar o processo eleitoral brasileiro de 2018 e agora faz ameaças em relação às futuras eleições de 2022".

Em nota, a Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB Nacional afirmou que repudia "as lamentáveis ​​declarações do poder público sobre a credibilidade do sistema eleitoral brasileiro".

Nós, chanceler Ernesto Araújo, repudiamos a invasão do Capitólio. Araújo disse, no entanto, que as questões dos processos eleitorais são legítimas e que não se pode chamar "fascistas" os "cidadãos do bem" que se manifestam contra o "sistema político".

"Nada justifica uma invasão como a que ocorreu. Ao mesmo tempo, nada justifica, em uma democracia, o desrespeito do povo pelas instituições ou por quem as controla", escreveu.

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Presidente defendeu sistema informatizado e acusou sem provas

08/01/2021

 


> 1993: pró-informatização quando a votação ainda era papel, Bolsonaro defendeu a informatização para evitar fraudes. Segundo a edição de 21 de agosto de 1993 do "Jornal do Brasil", Bolsonaro, ainda em seu primeiro mandato como deputado federal, disse em reunião no Clube Militar: "este Congresso é mais do que podre. Estamos votando uma lei eleitoral que não muda nada. Eles não querem computadorizar as descobertas de Tre. Você sabe o que vai acontecer? Os militares terão 30 mil votos e apenas 3.000 serão contabilizados ".

> 2015: votação em papel enquanto ainda deputado, foi um dos autores de propostas de reintrodução da votação em papel.

Naquele ano, de acordo com o qual participou, foi aprovada uma minirreforma eleitoral que, entre outros pontos, garantia o voto impresso. Esse trecho da lei foi derrubado em 2018 pelo STF.

> Na campanha de 2018 durante a campanha eleitoral, fez denúncias sem evidências de fraude no voto eletrônico e defendeu o voto impresso.

> Julho de 2019

Anunciou que enviará ao Congresso projeto de lei para estabelecer a votação impressa. A promessa ainda não foi cumprida.

> Março de 2020

Em entrevista nos Estados Unidos,

o presidente disse em um discurso que tinha "evidências" de fraude nas eleições brasileiras de 2018. Bolsonaro disse ter informações de que teria vencido a eleição já no primeiro turno. Ele nunca apresentou qualquer evidência possível.

> Janeiro de 2021

Nesta semana, na esteira dos protestos dos Trumpistas, Bolsonaro falou, sem evidências, em fraude tanto no sistema eletrônico brasileiro, quanto na eleição americana. Na terça, quarta e ontem o presidente brasileiro questionou a credibilidade do processo eleitoral brasileiro. Em conversa com simpatizantes, disse ontem que poderemos ter em 2022 "problema pior que os Estados Unidos".

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Os juristas veem possível crime de responsabilidade

08/01/2021

 

 

Para especialistas em direito constitucional e eleitoral, a frase de Bolsonaro afronta muitos poderes e garantias políticas
  A afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que o Brasil poderá ter em 2022 "um problema pior do que os Estados Unidos", questionando a lisura do processo eleitoral, pode ser enquadrada como um crime de responsabilidade, segundo juristas ouvidos pelo mundo.

Sujeitos à perda do mandato por processo de impeachment, os crimes de responsabilidade referem-se a "atos do presidente da República que violam a Constituição" ". A lista inclui ações que impedem o" livre exercício "de outros poderes ou violam" políticas, individuais e sociais direitos ". Para o advogado Fernando Neisser, membro do Instituto Paulista de Direito Eleitoral (Ipade), as declarações de Bolsonaro ultrapassam a fronteira da liberdade de expressão na medida em que, pela autoridade do órgão," arrastam parcelas da população às teorias da conspiração, com sérios efeitos para a democracia ".

- Cada presidente estará sujeito a um regime especial de prestação de contas no exercício do seu mandato. Uma declaração pública, à porta do Palácio da Alvorada, não tem como se dissociar da figura presidencial. Há um dever de contenção e respeito pelas instituições, nas quais ele claramente não se volta contra o sistema eleitoral - disse Neisser.

Para o jurista Pedro Serrano, especialista em Direito Constitucional, a caracterização do crime de responsabilidade não pode basear-se em casos pontuais, mas sim num "ato contínuo" que confronta os dispositivos da lei. Ele reitera, no entanto, que o presidente está sujeito a "restrições à liberdade de expressão" pelo cargo que ocupa.

- É ruim para o país que o presidente ataque a democracia. A Constituição traz uma visão mais restrita, de que não basta apenas a inconstitucionalidade, é preciso algo que "preste atenção", que seja grave. Ainda não vejo, portanto, um crime caracterizado neste caso. É diferente, por exemplo, da luta contra a pandemia, em que a continuidade dos graves fracassos caracteriza o impeachment - avalia o caso.

Entramos com representação na Procuradoria Geral da República (PGR) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que fossem apuradas as declarações do Bolsonaro sugerindo fraude tanto nas eleições de 2018 quanto no próximo processo e que, na falta de provas, o presidente foi alvo de "responsabilidade criminal, por improbabilidade administrativa e civil". Para a advogada Paula Bernardelli, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), a ação tem um caráter mais "simbólico".

- Não me parece um caso que se encaminha para improbabilidade, mas sim para um crime de responsabilidade, mesmo em comparação com os EUA. O comunicado sugere que, caso a opção do presidente (por voto impresso) não seja adotada, pode haver situação de violência e tentativa de barramento de instituições.