Valor econômico, v. 21, n. 5182, 04/02/2021. Política, p. A13

 

Campos Neto influencia pauta do governo no Congresso

Andrea Jubé

Estevão Taiar

Cristiano Romero

04/02/2021

 

 

Presidente da instituição mostra desenvoltura no trato com o presidente e os líderes partidários

Eleito pela revista “The Banker” como o “banqueiro central” de 2020, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, conseguiu incluir três temas relevantes para a autoridade monetária na agenda de prioridades de votação do Congresso: o projeto que dá autonomia ao BC; a proposta que institui o marco legal do mercado cambial; e o dispositivo que cria os depósitos voluntários.

Os três assuntos foram incluídos na lista de prioridades enviada pelo presidente Jair Bolsonaro aos novos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Desde que assumiu o comando do Banco Central, Campos Neto circula no Congresso, defendendo a pauta de projetos que aperfeiçoam o papel da instituição na economia.

Campos Neto conversa com frequência com líderes dos partidos da base de apoio ao governo no Legislativo, presidentes das duas Casas e de comissões especiais que tratam dos temas relacionados ao BC. Opina sobre assuntos como o teto de gastos e as reformas tributária e administrativa. Por sua atuação, o atual presidente do BC, um economista de formação liberal que vem comprando boas brigas com o sistema bancário graças a uma agenda cujo objetivo é promover competição no setor, se consolidou como referência no mundo político de Brasília.

Interlocutor frequente do presidente Bolsonaro e aliado fiel do ministro da Economia, Paulo Guedes, Campos Neto é desenvolto no trato pessoal. Essa característica expandiu sua interlocução com ministros, senadores e deputados, pavimentando o caminho para a aprovação de projetos de interesse do BC.

Deputados e senadores atribuem a boa interação com Campos Neto à sua personalidade afável e ao diálogo fácil. Hoje, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), defenderá na primeira reunião de líderes, sob a presidência de Arthur Lira (PP-AL), que o projeto relativo à autonomia do Banco Central seja incluído na pauta da próxima semana. Barros disse ao Valor que a boa relação de Campos Neto com o meio político contribuiu para impulsionar o projeto, que trata de tema que se arrasta no Congresso desde 2004.

O relator da matéria na Câmara, Celso Maldaner (MDB-SC), informou que seu relatório está pronto. Ele acolheu integralmente o texto aprovado pelos senadores em novembro. Agora, será analisado pela Câmara. Maldaner elogiou o presidente do BC, com quem se reuniu duas vezes para tratar do tema: “Ele é acessível e de diálogo fácil”.

O Projeto de Lei Complementar (PLP 2019/19), de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM) e que foi aprovado no ano passado, estabelece duplo mandato “light” ao BC: o objetivo principal deve ser buscar a estabilidade de preços, mas pode, também, perseguir o pleno emprego e a suavização das flutuações da atividade econômica. Esses objetivos secundários precisam estar, porém, subordinados à meta principal, que é atingir a meta de inflação.

Campos e o BC precisaram mostrar pragmatismo político no período em que o projeto tramitava no Senado. Isso porque o texto inicial, apoiado pela autoridade monetária, era o PLP 112/19, relatado pelo deputado Celso Maldaner (MDB-SC). No entanto, o protagonismo da Câmara em relação ao tema causou tensões no Senado.

Depois de articulação envolvendo o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), a decisão foi começar a tramitação pelo Senado para, posteriormente, apensar o projeto da Câmara. Além disso, a ideia do BC era que o texto estabelecesse como objetivo único da autoridade monetária o cumprimento da meta de inflação, sem objetivos secundários.

Para facilitar a tramitação, Campos e a diretoria do BC aceitaram a inclusão dos objetivos subordinados, presentes no parecer do relator no Senado, Telmário Mota (Pros-RR). Maldaner, que seguiu como relator na Câmara, julgou desnecessário mudar o texto do Senado, logo, o projeto pode ser aprovado da maneira como está pelo plenário da Câmara.

No caso da proposta de mudança do marco legal do mercado de câmbio, o projeto de lei 5387/2019 torna mais enxuta a legislação cambial, com o objetivo, por exemplo, de facilitar a atração de investimentos estrangeiros para o país. Nos cálculos do BC, há aproximadamente 400 artigos que tratam do tema na legislação atual, com algumas normas implantadas há mais de um século. O projeto apresentado pelo BC tem apenas 29 artigos. Além disso, a avaliação do BC é que o texto pode facilitar a adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O terceiro tema que Roberto Campos Neto vê como prioritário para o BC neste momento - a criação de depósitos voluntários - já vinha sendo defendido por seus dois antecessores: Alexandre Tombini e Ilan Goldfajn. A ideia é que a autoridade monetária receba depósitos de recursos das instituições financeiras, que passariam a ser remunerados.

O objetivo é criar um instrumento adicional de administração de liquidez na economia, ao lado das operações compromissadas - títulos de curtíssimo prazo emitidos pelo Tesouro Nacional e usados pelo BC para o controle monetário.

Campos Neto defende os depósitos porque os considera instrumentos ágeis, já usados por outros bancos centrais, que dão mais flexibilidade à gestão de liquidez. O PL 3877/2020 foi aprovado no ano passado pelo Senado e atualmente aguarda despachos do presidente da Câmara.

A desenvoltura de Campos Neto em Brasília contribuiu, por exemplo, para conscientizar o governo da gravidade da pandemia, antes mesmo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmasse a existência da crise sanitária global. Ele telefonou, em fevereiro do ano passado, para o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para ouvir qual era a exata gravidade do quadro que se desenhava. O relato de Mandetta ajudou o BC a formular medidas, na área econômica, contra a grave crise que se avizinhava.

Um dos critérios para a premiação conferida pela revista “The Banker’ a Campos Neto foi a revisão da previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) em relação à queda do PIB do Brasil em 2020, que foi de 9,1% para 5,8%. “A instituição monetária respondeu à crise adotando medidas efetivas e sem precedentes para assegurar que a liquidez não secaria o sistema financeiro”, disse a revista.

Aliado de primeira hora do governo, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), se declara “fã incondicional” do presidente do BC, em especial, “pela humildade no trato com as pessoas, pela capacidade dele de ouvir e dialogar muito grande”. Nogueira diz que vai reforçar a articulação junto aos deputados para garantir a aprovação na Câmara do projeto que dá autonomia ao BC. “Vou trabalhar pessoalmente para isso”.

O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), diz que Campos Neto é herdeiro do avô, Roberto Campos, morto em 2001, do ponto de vista da política econômica. “É sério e competente na função”. Braga explica que a bancada do Amazonas tem simpatia instantânea pelo presidente do BC porque seu avô foi um dos responsáveis pela criação da Zona Franca de Manaus.

Campos Neto apareceu, por exemplo, no “esquenta” de ministros promovido pelo titular da pasta das Comunicações, Fábio Faria, na véspera da eleição para as presidências da Câmara e do Senado, como revelou o colunista Lauro Jardim, e foi confirmado pelo Valor. Nesse jantar, Campos Neto estava com a sua “turma” mais frequente: os ministros Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União), além do próprio anfitrião. “Campos Neto tem o perfil menos ‘central banker’ entre os seus antecessores”, define uma fonte ligada ao mercado.