Valor econômico, v. 21, n. 5182, 04/02/2021. Brasil, p. A6

 

Anvisa flexibiliza regras e abre caminho para novas vacinas

Edna Simão

04/02/2021

 

 

Fim da exigência de testes no país facilita chegada da russa Sputnik V

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu flexibilizar as exigências para pedidos de uso emergencial de vacinas contra covid-19. A agência retirou a regra de que somente vacinas com estudos da fase 3 realizados no Brasil poderiam ser avalizadas.

A medida pode ajudar a União Química, parceira na vacina russa Sputnik V, que não passou por estudos no país, a conseguir a autorização. Outras vacinas também podem ser beneficiados.

A Anvisa vinha sendo pressionada por empresas, governos estaduais e Ministério da Saúde para que aceitasse vacina com fase 3 de estudo realizada no exterior.

A diretora da agência Meiruze Sousa Freitas afirmou que a terceira atualização do guia que trata dos requisitos mínimos exigidos par autorização temporária para uso emergencial não atende a pedido de empresa, de governo ou do Ministério da Saúde. Ainda ressaltou que o ajuste tem como objetivo ampliar a quantidade de vacina para a população brasileira e reafirmou compromisso com transparência, saúde pública e ética na condução dos processos.

As principais mudanças foram que a vacina deve preferencialmente possuir dossiê de desenvolvimento clínico de medicamentos anuído pela Anvisa e o ensaio fase 3, pelo menos, em andamento e condução no Brasil. Além disso, as empresas que poderão submeter pedido de uso emergencial e sem estudo no Brasil têm que se comprometer a apresentar e discutir os resultados com a Anvisa e solicitar o seu registro sanitário.

Será exigido que a empresa acompanhe os participantes para a avaliação de eficácia e segurança dos participantes por um ano. A empresa, que não tenha feito teste clínico no Brasil terá ainda que dar garantia de acesso aos dados gerados em sua totalidade e demonstração que estudos pré-clínicos e clínicos foram conduzidos conforme as diretrizes aceitas nacional e internacionalmente.

“Não vamos diminuir o rigor técnico para vacina nenhuma. Estamos aplicando o mesmo rigor”, afirmou o gerente-geral de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes. Segundo ele, não há motivo para medo pelo fato a fase 3 de testes ter sido feita no exterior. Ele frisou que o trabalho da agência não é burocrático, e sim técnico.

Sobre o pedido para uso emergencial da Sputnik V, a Anvisa informou que houve uma primeira tentativa de pedido, mas não foi aceita por falta de documentação. Cabe à União Química ingressar novamente com o pedido para que comece a ser contado o prazo de 30 dias para análise. Um dos principais obstáculos que era a ausência de testes clínicos no Brasil foi derrubado com a flexibilização. Ontem, outra vacina apareceu no horizonte brasileiro. O Instituto Albert Einstein, ligado ao hospital paulista, informou ter formalizado um acordo para realizar, em São Paulo, estudos de fase 3 da Covaxin, vacina do laboratório indiano Bharat Biotech. A Covaxin está na fase 3 de testes na Índia.

Após a aprovação do novo protocolo da Anvisa para liberação de uso emergencial de vacinas, o Ministério da Saúde informou em nota que vai se reunir com representantes do instituto russo Gamaleya, fabricante da vacina Sputnik V, e da Bharat Biontech para negociar a aquisição de mais 30 milhões de doses de vacinas. A expectativa da pasta é ter acesso aos imunizantes neste mês.

“A farmacêutica russa, que instalou uma linha de produção no Distrito Federal, adiantou à pasta que, se houver acordo, entre fevereiro e março poderá entregar um total de 10 milhões de sua vacina, que serão importadas da Rússia. E que a partir de abril passará a produzir mensalmente IFA e 8 milhões de doses no Brasil”, diz o comunicado do Ministério da Saúde.

Segundo a nota, a “decisão de avançar as negociações” é consequência da simplificação das regras para concessão de uso emergencial e temporário de vacinas.

Ainda ontem, o ministério informou que deve receber nos próximos dias mais uma remessa de vacinas da farmacêutica AstraZeneca /Oxford por meio do consórcio Covax Facility. Com isso, o governo garantiu mais 10,6 milhões de dose da vacina.

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Possível aumento da oferta agrada especialistas

Ana Conceição

04/02/2021

 

 

Especialistas em saúde elogiam medida da Anvisa que retira exigência de testes da fase 3 no Brasil; importação de vacinas como a Spitnik e Moderna deve ser facilitada

A decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de retirar a exigência de estudos de fase três no Brasil das vacinas contra a covid-19 foi bem recebida por técnicos da área de saúde. A medida pode acelerar significativamente o processo de incorporação de outros imunizantes ao programa de vacinação. Na prática, facilita a importação de vacinas como a Sputnik V e Moderna, que têm estudos da fase 3 publicados em revistas científicas, mas feitos fora do país.

Na fase 3, a vacina é testada em milhares de voluntários, para verificar sua segurança e eficácia. Antes, essa fase, mesmo realizada em outro país, tinha que ser conduzida novamente no Brasil.

“A decisão é bastante positiva tendo em vista a emergência em saúde pública. É importante lembrar que isso não quer dizer que estaríamos aprovando vacinas não testadas. São vacinas que já passaram por testes rigorosos de segurança e eficácia e que tiveram esses resultados aprovados por agências equivalentes à Anvisa. Ou seja, não é qualquer vacina”, afirma o pesquisador Marcelo Gomes, coordenador do boletim InfoGripe da FioCruz.

Os estudos de fase 3, ressalta Gomes, não são apenas caros, mas também demorados. Assim, se há vacinas sendo aplicadas com segurança e eficácia no mundo, não faz sentido esperar.

O epidemiologista da Faculdade de Medicina da USP Otavio Ranzani considerou a notícia “excelente”. Em postagens no Twitter, ele ressaltou que o país precisa de vacinas e que imunizantes que não passaram pela fase 3 não são autorizados pelas agências sanitárias internacionais. “Existem já ao menos outras cinco [vacinas] que logo poderão pedir autorização emergencial e antes não poderiam”, diz. Daniel Dourado, do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP, também ressaltou que a exigência da fase 3 estava dificultando a aprovação de vacinas no país.

Para Marcelo Gomes, da FioCruz, a abolição da fase 3 pode elevar de forma significativa a oferta de imunizantes, o que poderia acelerar a vacinação no país. Até o momento, cerca de 2,5 milhões de pessoas, pouco mais de 1% da população brasileira foram vacinadas contra a covid-19. “Ter diversas alternativas poderá trazer esse ganho em velocidade que é fundamental para que estejamos coletivamente protegidos o mais rápido possível. Isso teria efeitos positivos até sobre a saúde mental das pessoas.”