O Estado de São Paulo, n.46372, 03/10/2020. Metrópole, p.A24

 

Novo diretor convida Bolsonaro a visitar Inpe

Giovana Girardi

03/10/2020

 

 

Clezio Nardin diz que, se explicar o trabalho, presidente mudará 'percepção' sobre órgão

Alvo de críticas e questionamentos do governo Bolsonaro há mais de um ano, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) tem novo diretor. O engenheiro eletricista Clezio Marcos De Nardin, que era coordenador-geral de Ciências Espaciais e Atmosféricas do próprio instituto, foi escolhido pelo ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, para assumir o cargo máximo do órgão pelos próximos quatro anos. Ele disse que sua função é técnica, não política, e convidou publicamente Bolsonaro a visitar o instituto.

Pesquisador da área da ciência espacial, Nardin, de 48 anos, é um dos criadores do programa de monitoramento do clima espacial no Inpe. Em breve entrevista ao Estadão, Nardin não quis entrar nas polêmicas e afirmou que pretende adotar, à frente do Inpe, um caráter pragmático em relação aos ataques do governo federal.

"O Inpe já esteve em situações difíceis no passado. Não estou dizendo que as críticas são bem-vindas ou indesejadas. Toda crítica é bem-vinda, e todas serão tratadas com análise técnica. Minha função é prover uma resposta técnica, não uma resposta política. Se você está atrás de uma resposta política, eu sugiro que você procure o ministro. Ele é quem tem responsabilidade por isso. A minha função é assessorá-lo. Encaro com naturalidade. Críticas são comuns no meio científico e as nossas respostas serão sempre técnicas para atender ao País e ao governo", afirmou.

Quando questionado sobre o risco de corte de orçamento no próximo ano e sobre quais estratégias pretende adotar para blindar o instituto, Nardin insistiu no papel técnico do Inpe. "Quem tem de decidir para onde vai o orçamento é a Câmara dos Deputados, o governo. Não cabe ao Inpe criticar se o orçamento é ruim, ou é baixo, ou é grande, ou é pouco. Quem tem de fazer isso é o povo, por meio dos seus representantes no Congresso. O Inpe trabalha pelo País, só isso."

Depois, em entrevista coletiva, após ser questionado sobre como pretende lidar com as críticas seguidas que o instituto vem sofrendo por parte do governo federal, ele convidou Bolsonaro a visitar o instituto com o intuito de convencê-lo da qualidade de sua pesquisa e dos dados produzidos. "Tenho certeza de que se o presidente vier aqui ao Inpe, se tivermos oportunidade de explicar a joia rara que temos aqui... tenho certeza de que essa percepção muda. Tenho convicção de que consigo mostrar para o presidente a qualidade do Inpe. E estou convencido que o Inpe é uma das melhores instituições do mundo", disse. A direção era ocupada interinamente desde agosto do ano passado pelo militar Darcton Policarpo Damião, depois que o então diretor, o físico Ricardo Galvão, foi exonerado pelo governo. Coronel da reserva da Aeronáutica, Damião era candidato à vaga definitiva e vinha, desde o fim de 2019, conduzindo um polêmico processo de reestruturação, o que indicava que ele poderia contar com algum favoritismo, o que era rejeitado pela maior parte do instituto e da comunidade científica. Desde sua criação, o Inpe sempre teve diretores civis.

Ataques ao Inpe. Responsável, entre outras atividades, pelo monitoramento por satélite do desmatamento da Amazônia, o Inpe está há mais de um ano no centro de críticas pesadas do governo federal. Em meados de 2019, quando o desmatamento da Amazônia começou a subir, o presidente Jair Bolsonaro disse diversas vezes que os dados revelados em alertas do sistema Deter, do instituto, eram mentirosos. Bolsonaro chegou a insinuar que Galvão estivesse a "serviço de alguma ONG". Galvão respondeu de forma pesada e acusou o presidente de agir de forma "pusilânime e covarde". Acabou exonerado.

De lá para cá, toda vez que o Inpe revelava que a situação de desmatamento e queimadas na Amazônia, e mais recentemente no Pantanal, estava crítica, o governo voltava a atacar as informações. Neste ano, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, que coordena o Conselho da Amazônia, questionou várias vezes os sistemas de monitoramento e propôs criar uma nova agência para centralizar o monitoramento por satélite no Brasil. Ao mesmo tempo, veio à tona a informação que o Ministério da Defesa pretende contratar um novo satélite, ao custo de R$ 145 milhões.

"Todo o meu respeito ao Mourão. Ele está no papel dele, pode fazer o que quiser. Se ele fizer uma agência para cuidar da Amazônia, o Inpe não tem problemas com isso e não sai enfraquecido, porque o corpo técnico... quem formou boa parte das pessoas que trabalhariam nessa eventual agência será de ex-alunos do Inpe ou exfuncionários do Inpe. Temos a tecnologia", disse Nardin.