Correio braziliense, n. 21044, 05/01/2021. Economia, p. 7

 

Diplomacia abandonada

05/01/2021

 

 

Graças ao abandono da tradicional diplomacia e aos retrocessos na área ambiental de integrantes do governo Jair Bolsonaro, o país deverá sentir as consequências tanto nos investimentos quanto no comércio, de acordo com analistas ouvidos pelo Correio. Para eles, será preciso mudanças no rumo nessas duas agendas e troca de ministros.  

Em meio ao aumento recorde dos números de desmatamentos e queimadas do país, a ratificação do tratado de livre comércio entre União Europeia e Mercosul, assinado em junho de 2019, está parada nos parlamentos dos países-membros enquanto o governo brasileiro afrouxa as regras e sucateia órgãos fiscalizadores do Meio Ambiente. E o país continua isolado na área comercial, apesar de o ministro da Economia, Paulo Guedes, assim que tomou posse, garantir que a abertura comercial era uma das prioridades.  

“Um dos maiores problemas para a abertura é o Custo Brasil. É uma tarefa enorme reduzi-lo para tornar o país competitivo”, destaca o diplomata Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil na China, na Alemanha e nos Estados Unidos. Na avaliação do diplomata, o mérito do acordo entre UE e Mercosul não é do atual governo, mas da diplomacia brasileira, porque foi negociado nos últimos 20 anos e assinado com a condicionante de respeito ao Acordo de Paris.

Ratificação parada

“A ratificação do acordo UE-Mercosul está paralisada, e não digo que de todo inviabilizada, por conta das políticas regressivas na gestão ambiental e no desrespeito aos povos indígenas”, explica Abdenur. Ele acredita que a diplomacia brasileira sofreu  um retrocesso ao permitir que o país se tornasse um vilão internacional, algo muito ruim para imagem, que é difícil reverter. Para piorar, com a expectativa de uma ação mais conjugada entre UE e os Estados Unidos, sob o comando do democrata Joe Biden, defensor da causa ambiental, a partir de 20 de janeiro, o diplomata reconhece que é provável que o acordo UE-Mercosul sofra retrocessos, “pois os europeus estarão mais interessados em se aproximar da maior economia do planeta do que do Brasil”.

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), lembra que a pandemia acelerou uma mudança na percepção global sobre a importância da preservação ambiental e o Brasil está à margem dessa nova tendência, podendo perder mais um bonde da história. “Essa é uma agenda moderna e o custo da preservação ambiental entra nos balanços de riscos dos investidores. Se o Brasil ficar de fora, os riscos de sofrer as consequências por não estar alinhado com as tendências do mundo aumentam. É uma questão de negócios. Não é uma questão ideológica. E, futuramente, haverá punições para quem não preservar”, alerta.

Para Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados, Bolsonaro poderá dar uma boa sinalização de mudanças na diplomacia e na área ambiental na próxima reforma ministerial, prevista para fevereiro. “O Brasil está isolado do mundo e tende a ficar ainda mais isolado enquanto mantiver figuras da ala ideológica do Itamaraty e do Meio Ambiente atrapalhando a economia”, critica. (RH)