O Estado de São Paulo, n.46369, 30/09/2020. Metrópole, p.A20

 

Justiça suspende revogação de normas ambientais que atingia os manguezais

Fábio Grellet

30/09/2020

 

 

Ambiente. Decisão foi tomada pela 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro em ação popular impetrada por quatro pessoas contra a União e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Foram restabelecidas resoluções anteriores do Conama, mas governo ainda pode recorrer

A Justiça Federal no Rio de Janeiro suspendeu provisoriamente ontem a decisão aprovada na segunda-feira pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de revogar duas resoluções do próprio órgão. A decisão foi tomada pela 23.ª Vara Federal do Rio de Janeiro em ação popular impetrada por quatro pessoas contra a União e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Na segunda-feira, durante a 135.ª reunião do Conama, o órgão decidiu revogar quatro resoluções (uma em vigor desde 1999, outra desde 2001 e duas desde 2002), flexibilizando controles ambientais. A revogação foi alvo de intensas críticas de ambientalistas.

Nesta terça-feira, Juliana Cruz Teixeira da Silva, Leonardo Nicolau Passos Marinho, Renata Miranda Porto e Rodrigo da Silva Roma impetraram ação popular perante a Justiça Federal no Rio de Janeiro pedindo a anulação da decisão de revogar duas dessas resoluções. São as duas de 2002, de números 302 e 303.

A primeira trata da preservação de áreas ao redor dos reservatórios de água, determinando como área de preservação permanente uma faixa mínima de 30 metros ao redor deles. A medida proíbe a exploração dessa área para qualquer uso econômico ou habitação. A segunda resolução protege os manguezais e faixas de restinga do litoral brasileiro, passando a considerá-los áreas de preservação permanente.

Segundo os autores, "a revogação de tais normas viola o direito constitucional a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, assegurado no artigo 225 da Constituição, assim como a Política Nacional do Meio Ambiente traçada na lei 6.938/81 e o Código Florestal".

A juíza Maria Amélia de Carvalho atendeu o pedido e concedeu a liminar, "tendo em vista o evidente risco de danos irrecuperáveis ao meio ambiente". O processo seguirá seu trâmite e a decisão poderá ser derrubada tanto na análise de mérito como por outra instância da Justiça Federal. Até as 23 horas, o Ministério do Meio Ambiente não havia se manifestado sobre a decisão judicial.

Anteontem, a Rede Sustentabilidade entrou com ação no Supremo Tribunal Federal, com pedido para que seja declarada a inconstitucionalidade da nova resolução. A procuradora regional da República Fátima Aparecida de Souza Borghi, representante do Ministério Público Federal, também deixou claro aos demais membros do conselho que as revogações seriam questionadas judicialmente pelo MPF.

Em sua ação, a Rede questiona violação aos parâmetros normativos e alerta sobre a "violação ao direito ao meio ambiente equilibrado, caracterizada por queimada de agrotóxicos, diminuição de APPS à revelia de recomendações técnicas e modificação nociva ao meio ambiente no que diz respeito à irrigação na agricultura".

Já a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente emitiu manifestação de repúdio. A Abrampa afirma que a revogação das resoluções afronta os ditames legais e "ofende o princípio do não retrocesso, o qual permite aos Poderes da República apenas avanços na proteção ambiental".

Para entender. A revogação das Resoluções 302 e 303, ambas de 2002, elimina instrumentos de proteção dos mangues e das restingas, as faixas com vegetação comumente encontradas sobre áreas de dunas em praias do Nordeste. O argumento do governo é de que essas resoluções foram abarcadas por leis que vieram depois, como o Código Florestal. Especialistas em meio ambiente apontam, porém, que até hoje essas resoluções são aplicadas, porque são os únicos instrumentos legais que protegem, efetivamente, essas áreas.

Justificativa

"A revogação de tais normas viola o direito constitucional a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, assegurado no artigo 225 da Constituição."

ALEGAÇÃO ACEITA PELA JUSTIÇA