O Estado de São Paulo, n.46368, 29/09/2020. Internacional, p.A15

 

Doente, Mujica vai se retirar da política

29/09/2020

 

 

Ex-presidente e hoje senador no Uruguai tem uma doença imunológica crônica

MONTEVIDÉU

 

O ex-presidente uruguaio José "Pepe" Mujica, de 85 anos, anunciou ontem sua retirada definitiva da política em razão de uma doença imunológica crônica. Mujica, que atualmente é senador, cumprirá o mandato até o mês que vem, quando deve se aposentar.

"Amo a política e não quero ir embora, mas amo ainda mais a vida. E já que estou para ir embora, tento esticar os minutos que me restam. Que defeito, hein?", disse à imprensa o senador da Frente Ampla (FA), coalizão de esquerda que governou o Uruguai entre 2005 e 2020, momentos antes de votar nas eleições locais, no domingo.

O ex-presidente revelou ontem que, em razão da doença imunológica, não poderá tomar uma vacina contra o coronavírus quando ela estiver disponível. Apesar de ele já ter insinuado que deixaria o Senado – Mujica conquistou a vaga nas eleições de 2019 – ele comentou no domingo que, se puder, "deixará o cargo mais cedo".

Mujica havia renunciado ao cargo no Senado em 2018, alegando que "estava cansado da longa viagem" e se afastaria "antes de morrer de velho", mas decidiu voltar ao Congresso no ano passado.

"Estou prestes a sair por causa da minha idade, porque tenho uma doença imunológica crônica e é lógico que a política obriga as relações sociais. Se tenho de me cuidar, não posso falar, e não posso ir de um lado para o outro. Então, serei um senador ruim", disse Mujica, em maio.

O ex-presidente, que fez campanha em favor de um dos três candidatos da Frente Ampla para à prefeitura de Montevidéu, Álvaro Villar, dedicou especial atenção às eleições locais. "Se o mundo continuar esse processo de globalização, as questões municipais provavelmente assumirão cada vez mais importância, enquanto as questões nacionais serão regidas por tratados e convenções internacionais", disse.

Mujica tem uma longa carreira política e militante. Durante a juventude, integrou a guerrilha dos Tupamaros, que lutava contra a ditadura militar no país – o ex-presidente ficou 13 anos na prisão e foi libertado apenas após o fim do regime.

No poder, ficou conhecido por sua vida simples – até hoje, se locomove com um velho Fusca azul – e por conduzir um governo progressista, com a descriminalização do aborto e a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Além disso, doou grande parte de seu salário na presidência por considerar que no Uruguai "vivem muitas pessoas pobres".

Nas eleições de domingo, a Frente Ampla conseguiu manter apenas 3 dos 6 governos departamentais que controlava, incluindo seu reduto em Montevidéu. Com 51,66% dos votos, a prefeita eleita da capital foi a engenheira Carolina Cosse, superando a economista Laura Raffo (39,68%), representante da coalizão do governo nacional, segundo dados oficiais da Corte Eleitoral, que concluiu a apuração.

Cosse se reuniu ontem com ex-presidente Tabaré Vázquez. "Falamos muito sobre humanismo, que tem a ver com meio ambiente, saúde, alimentação, cultura e pesquisa científica", disse Cosse, após a reunião, que durou cerca de uma hora.

É o sétimo governo seguido de esquerda na capital uruguaia, onde vive mais de um terço da população do Uruguai – 1,3 milhão dos 3,4 milhões de habitantes. No entanto, em outras cinco prefeituras que a FA controlava, apenas duas foram mantidas: Canelones, o segundo departamento com maior população, com mais 500 mil habitantes, e Salto.

As prefeituras de Rocha, Rio Negro e Paysandú serão governadas por políticos da coalizão de governo liderada pelo Partido Nacional, do presidente Luis Lacalle Pou, que ficou com 16 dos 19 departamentos.

De acordo com a Corte Eleitoral do Uruguai, a taxa de participação foi de 85% dos 2,6 milhões de uruguaios convocados a escolher os governadores dos 19 departamentos, além de prefeitos, vereadores e integrantes das 19 juntas legislativas locais.

O Uruguai organizou eleições com máscaras, distanciamento e álcool gel para não colocar em risco o controle da pandemia. Até agora, o país vem controlando o avanço do vírus e registrou apenas 2 mil casos e 47 mortes./ EFE, ANSA e AFP

Despedida

"Amo política e não quero ir embora, mas amo ainda mais a vida. Já que estou para ir embora, tento esticar os minutos que me restam"

José Mujica

SENADOR E EX-PRESIDENTE DO URUGUAI